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Scot Consultoria

Em busca de diálogo


Terça-feira, 1 de setembro de 2009 - 10h52

Nos últimos anos, mesmo adotando inúmeras ações objetivando a sustentabilidade, a indústria agropecuária segue sendo vítima de acusações de ONGs ambientalistas que imputam à criação de rebanhos uma grande parcela de responsabilidade no aquecimento global A crescente capacidade industrial e a exploração de recursos naturais trouxeram, nas últimas décadas, consequências maléficas ao meio ambiente, afetando o ecossistema e o clima do planeta. Além da queima de combustíveis fósseis, a criação de rebanhos está sendo apontada por ONGs ambientalistas como um dos principais motivos pelas mudanças climáticas observadas nos últimos tempos. Uma verdadeira brigada antipecuária vem se formando nos últimos anos, a partir de relatórios, artigos e pressões políticas dessas instituições. Na opinião de muitos profissionais ligados à indústria da carne, o setor vem sendo, na verdade, vítima de ataques injustos por parte dos ambientalistas. No caso, a falta de informação e a manipulação de estatísticas e dados, com o respaldo de certos setores da mídia, estariam contribuindo sobremaneira para se usar a indústria da carne como “bode expiatório” da alteração climática. É sabido – porém, pouco divulgado – que, nos últimos anos, a implantação de uma agropecuária sustentável se tornou realidade entre os grandes produtores mundiais. Atualmente, três conceitos fundamentais vêm sendo agregados cada vez mais à realidade da indústria da carne, inclusive no Brasil: responsabilidade social, bem-estar animal e responsabilidade ambiental. No entanto, ao que parece, na ânsia de se responsabilizar alguém ou algo, o terceiro desses fundamentos está sendo ignorado pelos setores mais radicais das instituições ambientais, de onde partem as acusações. Para o zootecnicista Fabiano Ribeiro Tito Rosa, diretor e consultor da Scot Consultoria, empresa dedicada à competitividade do agronegócio brasileiro, o assunto é sério e merece muita atenção: “Infelizmente, a cadeia produtiva da carne bovina não consegue espaço na mídia de massa para conseguir fazer sua defesa contra ataques infundados. Qualquer relatório disparado por organizações ambientalistas sai na primeira página de todos os jornais. Por outro lado, se alguém ligado à agropecuária rebate com um texto – mesmo que embasado cientificamente –, só vai ter espaço nos cadernos de agronegócio ou em veículos especializados”. Essa opinião é a mesma do jornalista inglês Nigel Calder, que durante anos foi o editor da revista New Scientist, uma das mais importantes publicações científicas do mundo. Em The Great Global Warming Swindle, recente e polêmico documentário produzido pela TV inglesa que trata das causas do aquecimento global, Calder disparou: “O alarmismo promove manchetes na mídia sobre as ondas de calor que têm origens diversas, e relega para páginas interiores, dedicadas à economia, os milhões de dólares perdidos nas colheitas de inverno da Califórnia por causa das geadas fora de época”. Para Rosa, apesar de, nos últimos anos, o Brasil desenvolver um excelente programa visando à sustentabilidade, o setor ainda apresenta deficiência no que diz respeito a defender sua imagem: “Acredito que nossa agropecuária já é sustentável. Temos 50% de florestas preservadas, produzimos nosso boi no pasto, o que garante um sistema de sequestro de gás de efeito estufa muito mais eficiente do que produzir o animal confinado, como acontece nos Estados Unidos. Ainda assim, a pressão só vem aumentando”. Conta errada Os bovinos emitem gás metano. Cientistas e autoridades costumam calcular a quantidade emitida tomando por base o dióxido de carbono (CO2). No entanto, não há, ainda, um consenso sobre a quantidade exata de metano que corresponde à de CO2. Esse fato contribui com alguns números imprecisos divulgados por vários relatórios produzidos pelos ambientalistas. Segundo Fabiano Rosa existem vários exemplos na imprensa de matérias que, destituídas de embasamento científico, podem se transformar em “meias verdades”, o que gera desinformação e contribui para manchar injustamente a imagem da agropecuária. Recentemente, uma conhecida publicação, de grande circulação nacional, divulgou uma reportagem reforçando a idéia de que a agropecuária é extremamente nociva ao meio ambiente. O texto afirmava que em um único hectare, que poderia render 22,5 mil kilogramas de batatas, seriam produzidos apenas 185kg de carne. Já um relatório do Greenpeace garante que cada quilo de carne produzido equivale a 13 kg de CO2 lançados na atmosfera. Rosa rebate essas informações alertando: “Essa conta (do que cada animal emite de CO2) é supervalorizada, pois aí não se computou que o boi é uma verdadeira fábrica de matéria-prima. Hoje, contamos com cerca de 49 segmentos industriais diferentes que dependem do abate bovino para continuar funcionando. As pessoas, em geral, subestimam o que a cadeia produz”. A velha máxima de que “do boi só não se aproveita o mugido” é comprovada ao nos depararmos com a quantidade de setores que se beneficiam com os produtos derivados. Além da alimentação, o animal é utilizado para a confecção de produtos farmacêuticos, moveleiros, calçadistas, de higiene, de segurança etc. O zootecnicista aponta, ainda, outra distorção nas afirmações dos ambientalistas, que não levam em conta o importante dado de que um pasto bem manejado de gramíneas tropicais pode recolher uma quantidade igual ou maior de CO2 que muitas florestas estabelecidas. “Quando é para falar de desmatamento, as ONGs colocam o pasto na conta da pecuária. Mas, quando o assunto é emissão de CO2, eles não falam que o próprio pasto recolhe o gás”, complementa. A polêmica No último dia 22 de julho, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) propôs e conseguiu com os grandes frigoríficos brasileiros o comprometimento em relação ao cumprimento de um Programa de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina. Além de reforçar as já existentes normas de rastreabilidade, o certificado visa também a garantir que o produto vendido nos supermercados nacionais não seja proveniente de áreas de desmatamento ilegal. O motivo que deu origem ao pacto foi a aquisição, por parte de alguns frigoríficos no Estado do Pará, de animais criados supostamente em áreas devastadas sem permissão e denunciadas pelo Ministério Público. Um dos acusados, o Grupo Bertin, integra as empresas que se prontificaram a aderir ao Programa de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina. Em sua defesa, porém, o frigorífico garante que, ao efetuar a compra, se guiou por lista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), divulgada periodicamente, que aponta fazendas que cometem, entre outras irregularidades, o desmatamento ilegal. Para muitos, a polêmica foi gerada no início de junho pela divulgação de um relatório do Greenpeace batizado de “A Farra do Boi na Amazônia”, que aponta empresas que compactuariam com o desmatamento ilegal para a criação de pastos aos rebanhos. “Realmente houve uma denúncia do Greenpeace, mas nossa posição, naquele momento, foi tomada a partir de uma recomendação do Ministério Público do Pará”, explica Sussumu Honda, presidente da Abras. Alguns pecuaristas e sindicalistas ligados às indústrias frigoríficas rebateram que as peças compradas pelo Bertin não estavam na lista do Ibama, justamente pelo fato de o gado em questão ser proveniente de áreas que já estavam devastadas muito antes de sua utilização para a pecuária. Sobre a questão, o zootecnicista Fabiano Rosa explica: “Raramente se devasta uma área de floresta para se criar pasto. Os desmatamentos, na esmagadora maioria dos casos, são feitos por madeireiras e carvoeiras, atividades muito mais lucrativas”. Os radicais Infelizmente, acusações infundadas, pressões políticas e atitudes radicais contribuem para a falta de comunicação dos setores envolvidos na questão da preservação ambiental. É importante que se diga que a recusa ao diálogo não é apenas de setores ligados às ONGs. “Existe radicalismo dos dois lados. Entre os pecuaristas, conheço gente que acha que conceitos como sustentabilidade e preservação ambiental são bobagens”, ressalta o zootecnicista Fabiano Rosa. Entre os ambientalistas, muitos acreditam que o diálogo seja a melhor forma de encarar o problema do aquecimento global. Um deles é Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, afastado da organização há 25 anos. Em recente entrevista à revista Super Interessante, ele opinou sobre o motivo pelo qual alguns setores das ONGs ambientalistas desferem ataques tão contundentes contra certos segmentos da indústria: “Por causa do fracasso do comunismo mundial, um monte de ativistas políticos migrou para o movimento ambientalista, trazendo seu novo marxismo consigo. Usam a “língua verde” para disfarçar programas que mais têm a ver com o anticapitalismo e antiglobalização do que com ecologia e a ciência”. Em defesa da Amazônia Outro fato pouco divulgado é a redução das áreas destinadas ao pasto no Brasil. Nos últimos oito anos, houve uma diminuição de cerca de 2,7 milhões de hectares no espaço usado pelos rebanhos. É sabido que a agricultura está avançando e, não fosse a pecuária ceder espaço a ela, esta teria certamente avançado em áreas de floresta. Em recente declaração à imprensa, o ex-ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, que hoje atua como conselheiro do Grupo JBS-Friboi, reforçou a tese de que muitas das acusações dos protecionistas, em relação ao desmatamento da Floresta Amazônica, são infundadas. Na ocasião, declarou: “Confundem floresta com região amazônica, que é formada também por cerrado, savana. E o pior é que existe muito brasileiro que embarca nesse tipo de comentário”. Para Fabiano Rosa, é fundamental trabalhar em favor da preservação ambiental, porém, é importante que se olhe para o processo de uma maneira mais madura. “O Brasil é o único player de extrema importância no mercado mundial de commodities agrícolas que têm mais de 50% do território intacto, sendo que 83% da Amazônia ainda está resguardada.” Para ele, dependendo do jeito que abordamos a questão, podemos até dizer que somos preservacionistas. “No entanto, somos apontados como os campeões do desmatamento, o que é compreensível, afinal, somos os únicos que ainda temos florestas”, complementa. Se for feita a comparação entre a diminuição da área destinada às pastagens e o fato de que, do início da década até hoje, houve um aumento de 39% na produção de carne e de 161% nas exportações, podemos perceber o quão importante se tornou o uso da tecnologia, inclusive, na preservação ambiental. Essa constatação indica um caminho interessante, principalmente para os Estados nos quais se concentra a Floresta Amazônica, região em que a lei determina que apenas 20% da área adquirida seja utilizada para a pecuária. “A solução é criar um programa específico para aplicação de tecnologia. A lógica seria que, quanto maior a obrigação de reserva legal, maiores os benefícios para se ter acesso à tecnologia. Isso estimularia o produtor a não avançar sobre área de floresta e a explorar da melhor maneira possível aqueles 20% a que tem direito”, complementa Rosa. Diversidade e respeito Independentemente da polêmica, o fato da adesão incondicional das empresas frigoríficas a iniciativas como o Programa de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina, vem comprovar a grande disposição demonstrada pelo setor em construir uma pecuária totalmente sustentável. Na visão de Sussumu Honda, da Abras, o cenário parece ser promissor no que se refere à questão da preservação ambiental: “Ainda vejo algumas divergências no setor, mas com certeza as grandes empresas ligadas à cadeia pecuária já demonstravam uma preocupação com a sustentabilidade anterior a todo este processo que estamos vivenciando”. Vários são os exemplos que se encaixam nessa observação de Honda. Gigantes do setor, como o Grupo Marfrig, por exemplo, há muito tempo demonstram e atuam colaborando com a defesa das florestas. Prova disso é que, desde 2007, a empresa implantou um Código de Ética que estabelece rígidos parâmetros para a aquisição de produtos. Além de encontros periódicos com colaboradores e fornecedores, a empresa promove reuniões com comitês avaliadores. Fora isso, foi criado um serviço Disque Denúncia, visando complementar o monitoramento de irregularidades que afetem, entre outros aspectos, o meio ambiente. A empresa está também em processo de instalação de Comitês de Gestão Ambiental em todas suas unidades. Outra ação: o grupo solicitou à BDO Auditores Independentes que efetuasse a auditoria de 100% das aquisições de gado; a BDO realizou trabalhos de auditoria das compras de gado e não identificou qualquer compra de fazendas listadas pelo Ibama (áreas embargadas) e pelo Ministério do Trabalho e Emprego (trabalho escravo). Outro fato significativo ocorreu no dia 8 de julho, quando o governo do Pará, pecuaristas e o Ministério Público assinaram o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) visando ao estabelecimento e à evolução de práticas socioambientais na pecuária paraense. Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, o diretor presidente do Bertin, Fernando Bertin, declarou: “A assinatura do TAC reitera o nosso compromisso de evoluir com a pecuária sustentável, sendo muito mais do que uma moratória. Além de não comprar gado de fazendas de áreas de desmatamento, vamos também contribuir para que os produtores consigam se adequar às normas socioambientais, de forma a evitar o desmatamento da Amazônia e recuperar as áreas degradadas, sem deixar de gerar renda e emprego para o Estado”. Já no dia 14 do mesmo mês, o Ministério Público Federal lançou nota oficial garantindo que o “Grupo Bertin agiu de forma positiva no auxílio da resolução do problema da custódia da pecuária do Pará, nunca se eximindo de suas responsabilidades”. O próprio MPF se encarregou de enviar cartas aos clientes do frigorífico, atestando a regularidade das aquisições e o respeito da empresa pelas leis que regem o processo socioambiental do Brasil. Toda essa questão serviu para reafirmar a preocupação de grandes empresas ligadas à pecuária de cooperar ativamente na questão ambiental. É obvio que a cooperação de todos se faz necessária e, para atingir os objetivos comuns – apesar das diferenças de opiniões e até de hábitos alimentares –, é fundamental que haja diálogo. Um diálogo maduro e, de preferência, embasado na ciência. Fonte: Revista Nacional da Carne. Fernando Almeida, freelancer para a Revista Nacional da Carne. 1 de setembro de 2009.
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