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Scot Consultoria

Investimentos e o mercado de commodities

Entrevista com o zootecnista, Leonardo Alencar

Terça-feira, 24 de agosto de 2021 - 17h00
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Leonardo Alencar é graduado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), possui especialização em Gestão do Agronegócio com ênfase em Gestão de Riscos pela Universidade Federal de Lavras e em Estratégia Competitiva pela Ludwig. Ele também realizou MBA em Estoque e Mercado Futuro pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), em Inteligência de Mercado pela Fundação Instituto em Administração (FIA) e em Big Data pela Fundação Getúlio Vargas.

Foto: ShutterStock


Scot Consultoria: Estamos vivendo um boom dos preços no mercado de commodities nos últimos anos. Quais fatores você vê que serviram de base para o cenário atual? E qual sua opinião sobre a duração desse ciclo que estamos vivendo?

Leonardo Alencar: O mercado agrícola sempre foi cíclico, regido por fases de expansão e contração. Quando a oferta é menor que a demanda, o produtor tem maior rentabilidade e há aporte de dinheiro novo na atividade, ao mesmo tempo em que o consumidor sente a pressão inflacionária nos alimentos – fase de expansão.

Quando o ciclo se inverte e, portanto, a oferta é maior que a demanda, os preços baixos removem a rentabilidade do setor e levam a desinvestimentos na atividade, inclusive removendo produtores menos eficientes – fase de contração.

Esse processo, entretanto, costuma durar alguns anos, uma vez que os investimentos são incrementais na produtividade. Entretanto, se analisarmos o período de 2020 até hoje, a sensação foi de que passamos por um ciclo completo no mercado das commodities agrícolas.

O mundo agrícola começou 2020 com um cenário favorável de produção, com safras cheias para grãos, investimento na cana-de-açúcar e preços favoráveis ao produtor na produção de proteína animal. A dúvida, entretanto, era quanto à resiliência da demanda frente à crise do covid-19.

A partir do segundo semestre de 2020, conforme ficou claro que a demanda não iria desacelerar nos países desenvolvidos e mesmo nos emergentes se manteria satisfatória, em grande parte devido aos programas de auxílio governamental, começamos a ter surpresas na produção.

O cenário de oferta e demanda, que até então era apertado mas suficiente, começou a mudar conforme eventos climáticos adversos começaram a impactar a produtividade das lavouras: La Niña em 2020, seca no Centro-Sul brasileiro em 2021, seca na Argentina, geadas até o Sul de Goiás, frio extremo nos Estados Unidos seguido de seca, para citar apenas alguns eventos.

Cada reajuste na oferta era acompanhado de reajuste nos preços, levando as commodities agrícolas a patamares historicamente altos. Para o produtor brasileiro, uma vez que o cenário político-econômico também trouxe volatilidade e incerteza institucional, a taxa de câmbio desvalorizada adicionou um prêmio e melhorou ainda mais a rentabilidade.

A dúvida, claro, é quanto tempo esse momento de preços altos irá perdurar. O pior do “weather market” já passou, momento em que as culturas estão mais susceptíveis aos efeitos climáticos, mas ainda podemos ter surpresas com a produtividade nos EUA, tido como otimista no último relatório do USDA.

Quando olhamos as curvas futuras de preço, por exemplo, a maioria indica acomodação para 2022, mas esse é um viés conservador típico de setores cíclicos. Sempre olhamos o futuro com os preços voltando às médias históricas, uma vez que preços altos no curto prazo incentivam maiores investimentos que, por sua vez, vão aumentar a oferta no médio/longo prazo.

Porém, vale lembrar que 2022 deve começar ainda sob efeito da seca deste ano, o que aumenta o risco de ajustes para baixo na produtividade de algumas culturas no Brasil. O setor de proteína animal, por sua vez, praticamente não cresceu nos últimos anos e, caso o preço dos grãos realmente se acomode, veremos a demanda em recuperação e menor excedente exportável.

Além disso, ano que vem teremos eleições para presidente, evento que pode trazer volatilidade mas que costuma correlacionar positivamente com o consumo. Os produtores, por sua vez, estão capitalizados e não há uma pressão para venda da próxima safra. Por último, mesmo sem surpresas no clima, os preços devem sustentar patamares historicamente elevados.

Scot Consultoria: O Congresso aprovou, recentemente, o projeto de Lei no. 5.191/20, que estabelece criação dos "Fundos de investimento na cadeia produtiva do agronegócio" (FIAGRO), iniciativa que deve aproximar o mercado financeiro do agronegócio. Você poderia comentar um pouco sobre o projeto e a sua opinião em como ele poderá gerar valor e novos investimentos no agronegócio?

Leonardo Alencar: O agronegócio brasileiro sempre teve suas dores crônicas, entre elas a capacidade de armazenagem de grãos, a infraestrutura logística e, também, o acesso ao crédito com custo atrativo e em volume suficiente. Apesar dos aumentos sucessivos do Plano Safra, ainda temos crédito insuficiente ao agro.

A criação do Fiagro, portanto, deve ser vista como positiva, uma vez que irá criar outra forma do produtor captar financiamento à atividade. Como se trata de um instrumento ainda novo, não há clareza quanto às taxas que irá negociar, o que pode frustrar as expectativas iniciais, mas acreditamos que a demanda será crescente nos próximos anos.

Pela perspectiva do investidor, esta será uma forma de diversificar seus investimentos e aumentar a exposição ao agronegócio. A possibilidade de entrada de capital estrangeiro também é positiva.

Scot Consultoria: Como você acredita que a crise hídrica pode afetar o setor agro este ano? Ela pode impactar no PIB agrícola?

Leonardo Alencar: Ainda é difícil apontar o tamanho real do efeito da seca que afeta a produção agrícola esse ano. Enquanto a cadeia da soja foi menos impactada, a produção do milho safrinha foi revista para baixo inúmeras vezes e a cultura da cana-de-açúcar já aponta para quebras entre 10-20%.

A pecuária também sofre os efeitos, ainda que não diretamente, mas com preços altos de milho e soja há uma contração de margem e sinalização de redução da produção. Produtores menores, que normalmanete não possuem estratégias de hedge e cujos estoques são mais curtos, têm sofrido mais do que as multinacionais.

Além da seca, mais recentemente também observamos quebra de produtividade por conta da geada que atingiu o Centro-Sul do Brasil, afetando as culturas da cana-de-açúcar, do milho e do café, entre outras.

Por outro lado, diante do cenário de oferta e demanda ajustadas, essa queda na produção tem sido precificada nos mercados mundiais e, em alguns casos, tem mais do que compensado o efeito da menor produção, pelo menos quando olhamos para o valor bruto da produção.

Para o produtor, entretanto, como grande parte do produto em comercialização hoje foi negociada meses atrás, o efeito no caixa é menor. Apenas uma pequena parcela das commodities é negociada no mercado spot.

Scot Consultoria: Com empresas voltadas à produção de carne bovina estendendo seu capital não somente para outros tipos de carnes, como também para outros tipos de alimentos, quais impactos essa ação pode impactar no futuro para o consumidor brasileiro? E para as outras empresas de carne bovina?

Leonardo Alencar: Conforme comentei no início desta conversa, o setor agro é cíclico. As cadeias produtivas e as empresas que atuam nelas passam pelos movimentos de expansão e contração, com anos de bons resultados e anos de resultados fracos.

Enquanto isso é natural para o agro, para o investidor esses ciclos não são bem vistos. Se todo investidor tivesse horizonte de longo prazo não haveria problemas, mas as decisões de alocação entre os setores implicam em redução daqueles que não devem performar bem em prol de outros que estão em um momento mais favorável.

Quando uma empresa é 100% focada em uma única cadeia produtiva, como a da carne bovina, por exemplo, ela irá apresentar maior ciclicidade dos seus resultados quando comparada com uma empresa que atua no setor de carne bovina, frango, suína, pescado, ovino etc. Isso é mais evidente quando olhamos a diversificação geográfica, uma vez que origens diferentes possuem ciclos diferentes.

O saldo disso é a menor volatilidade dos resultados, ou seja, uma maior previsibilidade dos retornos, algo que é muito bem visto pelos investidores em geral. A diversificação para outros tipos de alimentos, sejam eles plant based (ex: hambúrguer 100% vegetariano) ou criados em laboratório, segue um raciocínio semelhante, mas com uma premissa mais simples, a de que não sabemos como será o futuro do setor de alimentos e, portanto, é válido participar das inovações tecnológicas que estão por vir.


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