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Scot Consultoria

O período seco chegou. E agora?


Quinta-feira, 10 de maio de 2018 - 12h00

Fonte: Scot Consultoria

 


Os desafios a serem enfrentados com a entrada das estações frias são recorrentes e bem conhecidos pelos pecuaristas. Com a diminuição das chuvas, as pastagens perdem qualidade e capacidade de suporte, o que interfere diretamente no bolso do produtor.


Todavia, os prejuízos podem e devem ser mitigados por aquele que conhece seu sistema e que se planeja ao longo do ano. Para abordar o manejo das pastagens e como driblar os malefícios da seca, a Scot Consultoria convidou o Professor da ESALQ/USP, Carlos Pedreira.


O Prof. Pedreira possui graduação em Engenharia Agronômica pela ESALQ/USP, mestrado em agronomia na University of Georgia e doutorado e pós-doutorado na University of Florida. É professor do Departamento de Zootecnia da ESALQ/USP, com enfoque em produção e manejo de pastagens, sob corte e pastejo.


Confira na íntegra a conversa com o especialista:


Scot Consultoria: Professor, quais fatores mais impactam na estacionalidade da produção de forragem?


Prof. Carlos Pedreira: Depende da espécie forrageira e também de onde você está.  Normalmente, o baixo crescimento das pastagens no inverno resulta de uma combinação de restrições ambientais envolvendo limitações na disponibilidade de água, de luz, e de temperatura.  Em uma região onde o inverno é quente e a latitude (distância até o Equador) é baixa, a água pode ser o fator de crescimento limitante.  Mas se estivermos numa latitude maior (mais longe do Equador), como no sul de São Paulo ou norte do Paraná, uma espécie forrageira tropical ainda que irrigada no inverno, não produzirá igual no verão porque falta luz e falta temperatura.


Scot Consultoria: Qual a melhor estratégia para suprir a demanda do rebanho e minimizar os reflexos da restrição de forragem durante o período seco?


Prof. Carlos Pedreira: As opções são inúmeras e a escolha vai depender das oportunidades, das opções de que o produtor dispõe na sua região, da habilidade técnica do produtor e outros fatores.  Por exemplo, um produtor pode resolver diferir (vedar) uma porção de sua área de pasto e guardar a forragem "em pé" (produzida no verão) para ser consumida na seca.  É uma opção de nível tecnológico relativamente baixo, mas é melhor que não ter comida na seca.  Outro produtor pode ter cana-de-açúcar, ou feno de gramíneas tropicais produzido no verão, colhido na hora certa, desidratado e bem armazenado. Outro pode produzir forragem durante o próprio inverno (aveia, azevém) com irrigação.  Outro pode produzir silagem de milho, ou de sorgo, ou de capim.  Tudo depende dos objetivos do pecuarista, das suas habilidades, da sua disponibilidade de recursos (técnicos e financeiros) e do entendimento pleno de quais são os compromissos assumidos ao se optar por esta ou aquela solução.  Se vai fazer silagem porque precisa de silagem, tem que saber como fazer certo e conseguir fazer certo. 


Scot Consultoria: E nas épocas do ano em que há excesso de produção de pasto, isso traz algum problema? E como ajustar esse desequilíbrio?


Prof. Carlos Pedreira: Se o produtor se entusiasma com a adubação, por exemplo, pode produzir mais do que é capaz de consumir no verão.  E aí faz o que faz com isso?  Deixa "passar"?  E depois? Roça o pasto? Põe fogo? Ou colhe no ponto certo o que está sobrando e conserva na forma de feno ou de silagem? Ou arrenda para o vizinho as áreas que não consegue consumir? O primeiro passo é saber inventariar para saber quanto se tem. Está sobrando ou está faltando hoje?  E daqui há 2 meses? Vai faltar ou vai sobrar? O pasto é, ao mesmo tempo, a fábrica e o depósito de comida para o rebanho.  Nenhuma outra operação pecuária (avicultura, suinocultura, etc.) tem um recurso desses. O produtor tem que conhecer seus pastos e saber quanto cada área produz. Tem que conhecer as normais climatológicas da região onde está a fazenda. Saber quando chove, quando não chove. Quando vem o frio. Sem isso, a fazenda (que nada mais é do que uma empresa) não tem como ser gerenciada. O desequilíbrio se resolve com a orçamentação forrageira.  E há muitas opções, desde planilhas simples que ele mesmo desenvolve, até programas de computador.


Scot Consultoria: Quais são as dicas que o senhor dá ao pecuarista que está iniciando o planejamento da produção de forragem?


Prof. Carlos Pedreira: Leia, estude. Consulte boas referências e bons profissionais. Cuidado com as "soluções milagrosas". Elas não existem. Pecuária envolve a biologia de organismos vegetal (pasto) e animal (bovino). Tudo isso é regido por princípios fundamentais de fisiologia, morfologia, ecologia, etc. Não há truques, de nenhum tipo, que possam salvar um gerenciamento amador e mal feito. Há técnicos competentes no mercado. Há as universidades e instituições de pesquisa desenvolvendo tecnologias de pastagem, nutrição animal, reprodução, genética. O conhecimento está aí. O Brasil é referência mundial em produção de ruminantes baseada em pastos tropicais.  A empresa pecuária no Brasil tem potencial imenso.


Scot Consultoria: Como mensurar a curva de produção da pastagem e ajustar a taxa de lotação à qualidade anual da forrageira? Existe uma taxa ideal para as águas e para a seca?


Prof. Carlos Pedreira: De novo, vai depender da localidade, do solo, do clima, da espécie forrageira, do manejo, etc. Infelizmente não há receita de bolo. Cada propriedade (empresa) tem que ter o seu projeto específico. É como terno de alfaiate: tem que ser feito sob medida. Cada fazenda tem suas características. Cada fazenda é um sistema de produção único e exclusivo. Não há dois iguais. O fato é que estamos ainda aquém do que é possível fazer. Mas estamos avançando. As áreas de pastagem no Brasil vêm diminuindo e a produção total aumentando. Isso significa mais produtividade (kg de produto animal por hectare por ano). Estamos com pouco mais de 1UA por hectare em média hoje no Brasil. Até onde podemos ir? Três? Cinco? Vai depender de muita coisa.  Biologicamente é possível.


Scot Consultoria: Se o pecuarista seguir essas recomendações, é possível mensurar o ganho, em arrobas por hectare, que ele colherá no futuro?


Prof. Carlos Pedreira: O pecuarista pode e DEVE mensurar seus ganhos de peso. A fazenda é uma empresa. Ninguém controla uma empresa sem ter controle do que acontece nela. Pesar animais, medir produção do pasto, planejar ações futuras, avaliar continuamente o desempenho técnico, econômico e financeiro do sistema, tudo isso TEM que ser feito com regularidade e com competência. Quem não souber, que aprenda. Quem não quiser, prepare-se para mudar de ramo, porque não vai sobreviver na atividade.


Scot Consultoria: Você acha que o manejo de pastagens ainda é uma estratégia negligenciada pelos produtores? E porquê?


Prof. Carlos Pedreira: Muitos acham que estão fazendo o que há de mais avançado porque "ouviram dizer" que é assim que faz, ou leram não sei onde que esse é o pulo-do-gato. Não existe milagre. O bom manejo de pastagens e do processo de pastejo é ciência posta em prática, assim como construir aviões é ciência posta em prática. Os produtores que vão às fontes de informação certas e entendem o que estão fazendo, estão no caminho certo. Os que querem resultados milagrosos "amanhã" são amadores, terão poucas chances num mercado competitivo. Muitos estão aprendendo a fazer certo e estão se entusiasmando. Esses serão líderes (alguns já são). Outros querem "cortar caminho" e serão engolidos. Ficarão frustrados. Pecuária é um negócio. Exige conhecimento e trabalho árduo. Não é mais como há 30 anos, tempo em que a inflação era de 70% ao mês e o boi era simplesmente um ativo cuja principal serventia era a especulação. Isso acabou. No final, sobrarão os pecuaristas profissionais, que agem e tomam decisões norteados por conceitos técnicos, os quais por sua vez têm sua origem no fundamento científico. O manejo de pastagens, para ser bem feito, tem obrigatoriamente que ter essas características.


Entrevistado: 



Prof. Carlos Pedreira, docente do departamento de zootecnia (ESALQ/USP). 



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