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Scot Consultoria

O que falta para o mercado de carnes especiais avançar mais ainda no Brasil?


Terça-feira, 5 de janeiro de 2016 - 14h00


Marcelo Shimbo é zootecnista pela USP, possui MBA em Marketing pela ESPM e atua na cadeia produtiva da carne há mais de 13 anos, com experiência em produção animal (fazendas de ciclo completo e produção de reprodutores), indústria e comercialização de carne B2B e B2C.


Responsável pela criação das marcas 481 e Swift Black, dedicou os últimos 7 anos à produção e comercialização de carne de alta qualidade.


Ele bateu um papo com a Scot Consultoria sobre este mercado.



Confira a entrevista na íntegra:


Scot Consultoria: O trabalho de agregação de valor, com inúmeros cortes, das carcaças de animais dos EUA e da Austrália, por exemplo, é muito maior se comparado à do Brasil. O que falta para isto acontecer também aqui no Brasil. Em sua opinião, é exclusivamente falta de marketing ou o problema começa antes, na produção de animais de qualidade?


Marcelo Shimbo: No meu entendimento, não é uma questão técnica. O Brasil tem todas as ferramentas para produzir em diferentes níveis de qualidade de produtos e demandas específicas. O termo "carne de qualidade" é mal utilizado por aqui, prefiro usar o termo "demandas específicas", que consiste em diferentes tipos de demanda, como, por exemplo, a procura por carne mais magra, por carne com super marmoreio, carne orgânica, entre outras. Estas demandas fogem dos grandes volumes da cadeia de commodities normal da carne.


Então, atualmente, já temos as ferramentas necessárias para produzir isso. Um exemplo disso é que, quando se quer produzir uma carne mais marmorizada usam-se animais britânicos. Além disso, também temos tecnologia para fazer um confinamento de 120 dias com dieta altamente energética.


Entretanto, no meu entendimento, temos dois grandes problemas, o primeiro é que as iniciativas destes projetos não analisam a cadeia toda de produção. Eu divido essa cadeia em três grandes seguimentos:


1 - o fornecedor (o pecuarista);


2 - a indústria, que transforma o boi em carne e também realiza a distribuição;


3 - o cliente.


O primeiro passo de qualquer lançamento de produto e marcas é entender a sua demanda. Entender o que o seu cliente quer, quanto ele está disposto a pagar, onde ele irá consumir (quais são as praças), qual o tamanho do mercado e, às vezes, é necessário até saber qual o seu hábito de consumo (se o consumo se dá por uma ocasião especial ou se é para o dia-a-dia, por exemplo).


A partir do momento que você entende toda a demanda do consumidor, você está apto a ir atrás de toda a cadeia e posicionar o driver para o fornecedor, para o pecuarista (qual tipo de gado que ele precisa fazer, quando ele irá fazer, qual período, etc.) e para a indústria.


Atualmente, inúmeros projetos não analisaram direito o consumidor. Com isso, seguem o fluxo contrário, você vai empurrando um produto que você acha que é bom para o consumidor, sendo que o processo deveria ser ao contrário, uma demanda puxada a partir de um estudo do consumidor. Na minha opinião, essa é a questão mais grave que acontece no Brasil.


Falando um pouco mais da questão operacional, você vê que a maior parte desses projetos não são sustentáveis nesse sentido. Vou falar do projeto angus, por exemplo: não tenho o número exato e concreto, mas arrisco dizer que, no segundo semestre de 2015, teve, no mínimo, 50% mais animais abatidos e precificados na comparação com o primeiro semestre. Como você explica para o proprietário do ponto de venda que no segundo semestre ele vai ter produto e no primeiro semestre não? Ou seja, em metade do ano, vai faltar produto na gôndola. Isso, com certeza, não é sustentável. Carne é um produto de consumo regular, não é sazonal como as frutas, por exemplo.


Como não há planejamento e estruturação da cadeia, a disponibilidade de produto, importante atributo para o consumidor, acaba oscilando. Essa é uma crítica que eu faço. Outra crítica é em relação à certificação por associação de raças, que, muitas vezes, são amplas, não garantindo ao consumidor regularidade com relação à expectativa da qualidade. Isso ocorre porque a carne certificada proveniente de um touro jovem, com uma gordura mediana, é totalmente diferente da carne que é certificada com o mesmo selo, mas proveniente de uma novilha de 24 meses com gordura uniforme. Isso gera confusão no cliente, ele não consegue ter uma adesão de marca desse item.


O que precisamos não é uma questão de marketing comunicação, mas sim de um marketing mais essencial, em produtos, preços e praça. O Brasil não fez nem a lição de casa ainda, que é a definição do tipo de produto, da frequência, da expectativa de qualidade que se quer e do preço que o consumidor está disposto a pagar. Só depois de feito isso, é que vamos comunicar as informações aos consumidores.


Scot Consultoria: O que limita o crescimento do mercado de carnes especiais? Há uma expectativa de teto de consumo? Até onde é possível expandir este mercado?


Marcelo Shimbo: O teto ainda não foi alcançado, existem inúmeras oportunidades, o modelo de fornecimento não é regular então nunca se sabe quem está disposto a comprar ou não. Eu não tenho ideia até aonde pode se expandir, mas há uma demanda bem interessante e o que limita esse crescimento é essa falta de visão ampla para o processo todo.


Se existe uma coisa que é difícil no Brasil é você ser comprador de carne. Eu sei disso porque compro e vendo. A indústria não consegue garantir uma regularidade nem de fornecimento, nem de qualidade e nem de preço.


Scot Consultoria: Quais são as marcas de carne no Brasil que você considera como referência, atualmente?


Marcelo Shimbo: Existe uma questão importante de marca, e é uma crítica muito grande que eu faço.


Existe uma confusão feita pela indústria no conceito essencial de marca.


As empresas lançaram marcas que, talvez, não se tratam realmente de marcas. Um exemplo é a gama de produtos que colocam a carne Angus e/ou a Hereford como marca. Na realidade isso é o insumo utilizado para produzir determinado produto. Ou seja, raça de gado não é marca, é insumo.


Fazendo uma analogia com vinho, por exemplo, o insumo para produzi-lo é uma cepa de uva, têm-se uva Malbec, Cabernet, Merlot, etc. Além disso, pode-se deixar a uva mais velha, aplicar algo diferente no solo ou maturar o insumo. Tudo isso varia de acordo com a especialização de cada vinícola.


Ou seja, o insumo é usado de alguma maneira para chegar-se ao produto final. Este, por sua vez, agregado a uma estratégia de marketing mais sólida recebe um nome específico, assim chamado de marca. Então, não existe marca de vinho chamada Malbec, Merlot e Cabernet, porque a indústria vinícola já entendeu que isso não é marca.


Como a indústria da carne ainda está "engatinhando", a primeira coisa feita foi utilizar erroneamente a raça do gado, achando que isso é uma marca, para tentar diferenciar um produto diferenciado das demais "carnes commodities".


Com isso, o que fixa na cabeça do consumidor é a palavra Angus, então como diferenciar sua marca, se existe o Angus A e o Angus B? Como o cliente saberá a diferença de uma para a outra? Isso acaba "commoditizando" um produto que não deveria ser commodity.


Pensando nisso, existem projetos de marcas que eu respeito bastante. Alguns sou suspeito para falar porque tive a oportunidade de participar.


Um projeto que respeito, por exemplo, é a marca Taeq. Todos os produtos desta marca têm uma promessa, e isso é fundamental. Toda marca tem que ter uma promessa. Neste caso, a Taeq sempre teve todo o seu portfólio com alimentos mais saudáveis, desde as barrinhas de cereais até as bolachas. No caso da carne, a proposta dela é entregar uma carne mais magra e saudável. O insumo utilizado foi uma raça continental chamada Rubia Gallega. Antes, pesquisaram junto aos consumidores, descobriram uma demanda por esse tipo de produto, fizeram um estudo do volume e preço e desenvolveram uma cadeia de suplemento.


Então, dessa maneira, eles usaram a raça Rubia Gallega cruzada com Nelore, na produção de animais jovens, abatidos com treze meses, com pouca gordura, melhor rendimento de desossa e uma série de fatores que formam o modelo de negócios deles e está na gôndola com a marca Taeq.


Um ponto importante é que pode haver um texto explicando que a marca é feita com os animais Rubia Gallega, mas a raça em si não é a marca.


Este projeto é muito legal porque sai daquela linha do churrasco, é uma carne voltada para o dia-a-dia, com um valor agregado interessante na gôndola, bem diferenciados dos preços normais. Além disso, o modelo de remuneração é atrativo, bem agressivo para os fornecedores e muito bem pensado nos três agentes (fornecedor, indústria e consumidor final).


Outra marca que também sou suspeito para falar é a Swift Black. Eu fui trabalhar na JBS para montar esse projeto do zero. Tudo foi pensado, desde a escolha da letra, por exemplo.  Foi feito um estudo bem intenso com o consumidor e descoberto que o "target" (alvo) seria os restaurantes. Na realidade, existe uma pequena venda da marca para lojas, mas 95% do "target" é vendido para restaurantes. Estes, por sua vez, queriam um produto específico, com um corte diferenciado e mais gordo. Com isso, foi determinado um protocolo de produção que utilizava animais de raças britânicas, confinados por 120 dias, com dieta de alta energia. O protocolo de produção, nesse caso, era feito para garantir a regularidade do fornecimento e realizado em confinamento próprio. O interesse da JBS não é engordar esses animais, mas como queríamos montar uma marca de âmbito nacional, tivemos que entrar em um pedaço da cadeia que não compete à indústria. Com a própria JBS fornecendo os animais, houve a certeza da regularidade no padrão dos produtos. Todos eles tinham um protocolo de produção realizado no mesmo confinamento. Esse modelo é muito interessante, ele não fala de raça e vai criando um conceito de marca.


Existe uma marca nossa chamada 481. A promessa dela também é entregar produtos de alta qualidade para consumos em ocasiões específicas, como churrascos e confraternizações especiais, por exemplo. As característica dessa carne é o alto grau de marmoreio, produzida à partir  de animais britânicos e engordados 120 dias. Esse processo é muito rigoroso, com parceiros aqui no Brasil e também no Uruguai.


A 481 foi uma homenagem ao protocolo de alta qualidade que a Europa demanda (um protocolo específico), mas é uma marca mais nova, com 2 anos no mercado. A produção ainda não está muito acelerada, mas a ideia é que, além de restaurantes, ela esteja disponível para o consumidor final, em pontos de vendas especializados. 


Scot Consultoria: Idade ao abate, genética, raça, sexo e alimentação. Destes, qual o mais importante para aumento da maciez da carne bovina?


Marcelo Shimbo: Os grandes fatores que influenciam a sua experiência ao comer carne podem ser divididos em três grandes blocos:


- fatores que acontecem dentro da fazenda, sob controle do pecuarista;


- fatores sob responsabilidade da indústria;


- e no momento do preparo, seja no restaurante ou na sua casa.


São quase 20 fatores que podem influenciar positiva ou, principalmente, negativamente a qualidade da carne. Dessa maneira, a produção pode ter ocorrido muito bem na fazenda, na indústria, mas no momento do preparo errar e "matar" a carne.


Dessa forma, não há nenhum lugar mais importante que o outro. Na pergunta, são colocados os fatores de dentro da fazenda. A escolha da genética errada é o primeiro passo da produção. Cada raça possui uma aptidão na produção de um determinado tipo de carne. Utilizar uma raça continental, por exemplo, com o objetivo final de produção de uma carne com bastante marmoreio, é um erro.


Inicialmente, é necessário determinar qual base genética deve-se utilizar para atingir o produto final. Depois, existe uma série de outros pontos que devem ser seguidos como um protocolo. Esses são alguns pontos que, se feitos erroneamente, podem prejudicar na qualidade da carne: o touro, problemas de pH, depósito de gordura, etc.


Pode-se fazer tudo certo, mas se o animal for um macho inteiro dificilmente haverá sucesso na qualidade. A produção na fazenda pode ser correta, mas se dentro da indústria existir algum problema, pode-se estressar o animal no pré-abate e perder todo o trabalho feito na fazendo durante a produção. Não é somente um fator, mas sim uma combinação de todos eles juntos que irão ditar o sucesso da qualidade da carne ou não.


O segredo do negócio, e dou o mérito para o processo da Swift Black e o processo que faço no 481, é que acompanhamos todos os fatores que influenciam a qualidade da carne e monitoramento de todos eles  para que nenhum saia do controle. Escolho a raça certa, a idade máxima de abate, o tipo de alimentação, respeito o processo de abate, a temperatura, o mínimo de maturação, a seleção de marmoreio para receber a chancela 481, enfim, nós monitoramos todos os pontos que influenciam a qualidade. Por fim, fica só ao critério de quem vai realizar o preparo mesmo.



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