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Scot Consultoria

Carta Insumos - Hormônio: perder para ganhar?


Sexta-feira, 19 de maio de 2017 - 16h20


Um ponto que voltou à tona, como uma das reivindicações de algumas associações de classe relacionadas à produção de carne bovina, é a liberação do uso de implantes anabólicos, popularmente conhecidos como “hormônios”. 


Esses compostos anabólicos são utilizados nos EUA desde os anos de 1950, sem que haja relatos de problemas de saúde em sua população. Em posição oposta, a Comunidade Europeia (CE) proíbe a importação de carne anabolizada, alegando preocupação com a sanidade de seus cidadãos. Para tal, evocam o “princípio da precaução”, segundo o qual não basta inexistir problemas, mas precisa haver comprovação da ausência de riscos. Os críticos dessa linha costumam argumentar que seria o caso de não viajar de avião, pois, apesar de ser a forma mais segura de transporte, ele pode cair.


A CE mantém essa postura mesmo depois de três comitês de alto gabarito, formados na própria Europa para estudar o assunto, terem chegado à mesma conclusão: o uso de anabolizante, desde que seguindo boas práticas, é seguro. As boas práticas incluem, por exemplo: a correta dosagem, o local certo de colocação do implante e a eventual necessidade de um período de interrupção mínimo antes do abate (período de carência).


A Organização Mundial do Comércio (OMC), que ao contrário do “princípio da precaução”, baseia suas decisões na “prova científica”, determinou à CE retirar o veto à importação de carne com hormônio em 1997, ao acatar a reclamação dos EUA que essa era apenas uma barreira não-tarifária injustificável.  Na hipótese de manutenção do veto, os EUA teriam direito a retaliar unilateralmente a CE num valor equivalente ao prejuízo causado pela restrição de acesso da carne americana ao mercado europeu. Apesar disso, a CE nada mudou e continuou a disputa na OMC. Em 2008, a OMC manteve a permissão para os EUA continuarem a retaliação, mas, curiosamente, permitindo a CE manter o banimento das carnes com hormônio. O caso se arrasta até hoje.


No Brasil, o uso dessas substâncias foi proibido em 1986. A partir de 1990, em função da Lei dos Crimes Hediondos, o uso de “hormônio” é considerado “assemelhado a crime hediondo” e tratado com a mesma severidade. Assim, o infrator, por exemplo, antes da condenação pode ser levado à prisão, independente de haver ou não fiança.  


A decisão de proibir “hormônios” foi bastante influenciada pelo entendimento, à época, que seria interessante ao país atender, de antemão, uma exigência do mercado europeu com intuito de aumentar a exportação para aquele bloco de países. Todavia, ao contrário desta expectativa, as exportações à CE têm se reduzido e hoje ela nem figura entre os principais importadores de carne bovina do Brasil em termos de volume, ainda que o faturamento seja proporcionalmente maior uma vez que os preços médios são bem mais elevados do que a média do restante da carne comercializada para outros lugares.  Não se deve perder de vista esse mercado, afinal são 500 milhões de consumidores de alto poder aquisitivo.


O grande interesse da classe produtora em liberar o uso desses insumos decorre de ser uma tecnologia que permite expressivas melhorias em ganho (5-20%) e eficiência alimentar (5-15%), conforme relatado por uma robusta literatura científica. Importante destacar que os maiores diferenciais são obtidos com planos nutricionais mais elevados, como dietas de confinamento, e que a melhor eficiência ocorre pela alteração para uma composição corporal mais magra, ou seja, o animal irá depositar gordura mais tardiamente. Animais implantados, portanto, levam mais tempo para terminarem que os não-implantados.


ENTÃO, VAMOS LIBERAR?


No cenário revelado até aqui temos: (1) Os implantes anabólicos não trazem risco à saúde; (2) A CE não se tornou uma grande importadora da carne brasileira e hoje as compras do bloco não atingem 10% das exportações brasileiras e (3) O uso dos implantes é eficaz na melhora do desempenho e no aumento da eficiência alimentar. A estes três pontos, soma-se, ainda o fato do Brasil ser o único grande exportador de carne bovina que baniu o uso destas substâncias.


À luz do exposto acima, parece mais do que justificável reivindicar a liberação do seu uso. O fato é que, ainda que seja extremamente tentador é necessário avaliar bem se vale à pena entrar nesta briga. Outro fator que pesou muito na decisão à época da proibição, além da mira na CE como potencial grande importador, foi a pressão da sociedade em função da preocupação de eventuais efeitos negativos à saúde ao consumir a carne de animais que tivessem recebido implantes anabólicos.


Se houve, nessas três décadas desde a proibição aos anabolizantes, alguma mudança no consumidor quanto a desconfiar de novas tecnologias, foi apenas no sentido de ser muito mais aguçada hoje. A palavra “hormônio” no inconsciente coletivo remete a algo com grande poder transformador e com consequências perigosas como alterações fisiológicas, anatômicas e comportamentais, bem como o risco de doenças sérias, como o câncer.


Entidades de defesa do consumidor, também, rumaram para o mesmo sentido, sendo hoje muito organizadas e atuantes. Com essa vigorosa atuação e a fácil adesão dos consumidores, devem-se esperar dias muito complicados até uma eventual liberação. 


Mesmo se aprovada, esses mesmos grupos deverão permanecer mobilizados para atrapalhar a comercialização da carne anabolizada. Terão, provavelmente, a ajuda entusiasmada de veganos, vegetarianos, radicais anticapitalistas e antiglobalização, que engrossarão o coro de que o governo se rendeu ao lobby do agronegócio e sua sanha sem limites pelo lucro. Certamente não faltarão especialistas para mostrar como a indústria farmacêutica manipula a informação para ocultar a “verdade” sobre os malefícios destas substâncias. Eles terão disponíveis para ajudá-los em sua pregação trabalhos publicados em revistas científicas predatórias com resultados escalafobéticos provando o que eles quiserem comprovar e, como já testemunhei, se beneficiaram de interpretações equivocadas sobre trabalhos de boa qualidade. ¹


Confirmando-se esse cenário é possível crer que a vantagem do uso dos implantes acabaria tendo como “preço” uma avalanche de negatividade influenciando o consumidor, com previsível redução no consumo de carne.


A SEGREGAÇÃO SERIA UMA ALTERNATIVA?


Aparentemente, uma opção interessante seria a liberação, tendo a população o direito de escolher entre o produto produzido com ou sem o uso de hormônios. A carne anabolizada teria a chance de ser mais barata, em função do ganho de eficiência, enquanto que aquela produzida para atender a opção do consumidor anti-hormônio, poderia ser vendida a preços diferenciados. A recente tentativa de fazer o mesmo com os beta-agonistas mostrou que, na prática, essa segregação é muito complicada e, dificilmente, haveria chance de garantir 100% de possibilidade de segregação. 


Outra dura lição aprendida por ocasião do lançamento dos beta-agonistas foi a reação violenta dos principais importadores que ameaçaram interromper o comércio de carne bovina brasileira na hipótese de uso dessas substâncias.


HÁ ALTERNATIVA?


O principal ponto que devemos observar nesta questão é avaliá-la da forma mais abrangente possível. Devem-se evitar avaliações simplistas. É comum, por exemplo, usar os valores máximos das faixas de ganho adicional e eficiência para todo o rebanho brasileiro. Na verdade, mesmo na surreal situação de 100% do rebanho implantado, para a grande maioria o diferencial seria mais para o limite inferior da faixa e, em muitas situações (animais sem suplementação na seca, por exemplo), nem haveria qualquer diferencial. Outra incerteza nestes cálculos seria qual o custo de uso da tecnologia, ainda que se deva esperar que as empresas consigam calibrar esse valor de modo a, pelo menos para determinadas situações, garantir que a relação benefício: custo seja favorável e atraente.


Da mesma forma que não podemos exagerar nos benefícios, temos que tentar avaliar bem se a questão da resistência dos consumidores internos e importadores são, de fato, uma barreira intransponível. Pessoalmente, acredito que seja mais fácil subdimensionar o problema, especialmente com relação a reação dos consumidores. Levantamentos feitos com ajuda de profissionais especializados podem dar uma boa ideia do que se pode esperar.


Em meio a tantas incertezas, há, todavia uma certeza: aproveitamos pouco as vantagens do nosso sistema de produção. Como já discutido no texto de Março (“Boi de capim brasileiro versus boi de confinamento americano: Qual é melhor?”), temos muito ainda a alardear sobre a carne brasileira. Ser isenta de implantes anabólicos, como exposto aqui, não necessariamente a faz mais segura, mas, definitivamente atende um anseio do consumidor. Enquanto for proibido o uso dos implantes, então, que usemos essa limitação como mais uma grande vantagem da nossa carne: ser produzida de forma mais natural que a dos concorrentes. É possível fazer isso sem apelar, nunca indo contra as evidências científicas, e conseguir, pelo menos, maior facilidade de inserção da carne na dieta dos brasileiros e nos mercados internacionais.


 


¹ Uma professora universitária mandou-me um trabalho para mostrar que anabolizantes sintéticos causavam câncer. O trabalho apenas usava uma linhagem de células cancerígenas que são excelentes para testar o efeito de qualquer droga. Os resultados não tinham nada a ver com câncer e eram, inclusive, positivos para as substâncias testadas.



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