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Scot Consultoria

Carta Gestor - Intensificação pecuária: cuidado com os micos!


Quinta-feira, 7 de abril de 2016 - 09h25


O sonho de todo empreendedor é achar um negócio em que, passadas as fases de estabelecimento e de aprendizado, chega-se a uma situação de “voo de cruzeiro” na qual segue-se em frente numa situação  de estabilidade. É a “zona de conforto”. Como sair dela é “desconfortável”, fica impossível não haver resistência.


Em geral, essa saída da “zona de conforto” é feita à medida que percebe-se que há algum problema em manter o “voo de cruzeiro”, o que é duplamente desconfortável, pois é feita sob pressão, com menor margem de manobra. É vantagem, portanto, manter-se disposto à melhoria contínua.


Mudanças


Dentro do universo da pecuária de corte brasileira, usualmente tida como tradicionalista e avessa às mudanças, vimos grandes mudanças nas últimas décadas que permitiram consideráveis aumentos de produção e eficiência. Hoje, temos mais bezerros por vaca, mais ganho por cabeça e mais animais por área.  


Essa mudança ocorreu por haver novas tecnologias disponíveis que encontraram na redução das margens de lucro um ambiente mais receptivo às novidades e mais tolerante ao risco. As circunstâncias atuais indicam que, num horizonte não muito distante, poderemos ter uma fase de menor demanda de carne associada com pressões inflacionárias nos custos de produção. Essa infeliz combinação deve “empurrar” mais gente em busca de alternativas de aumento de produção e produtividade.


Onde intensificar e como evitar equívocos


Mas como escolher por onde intensificar? Como avaliar se as opções de intensificação que são propagandeadas por aí podem mesmo ajudar a recuperar as margens perdidas?


Neste texto abordaremos quatro situações corriqueiras que podem levar o produtor a fazer a escolha errada, explicando o porquê, dando um exemplo e sugestões de como evitar os equívocos (esses últimas destacados em itálico).


1) “Se está todo mundo fazendo, deve ser bom!” (Modismo): A adoção generalizada de alguma técnica é um bom indício que ela esteja sendo efetiva, mas é preciso ter cuidado com os modismos. É comum algumas práticas, quando ainda são novidade, terem seus efeitos positivos inflados e seu efeitos negativos não devidamente percebidos. Por exemplo, há alguns anos houve um onda forte de notícias sobre a mistura de cal com cana-de-açúcar, com relatos de aumento de consumo muito grandes (20-30%). A luz da lógica, esse é um efeito inesperado. Com o tempo, os relatos foram ficando cada vez menos exagerados e, hoje, pelo que sei, pouca gente usa ou recomenda essa técnica. No auge de sua popularidade, pouca gente se atentou para algum ponto negativo, como o aumento do desgaste do maquinário pelo uso da cal. Uma maneira de não se deixar levar por esses modismos é tentar compreender como a nova prática funciona e se a resposta atribuída a ela faz senso. No caso da cana com cal, para haver uma resposta da magnitude relatada pelos usuários, o tratamento teria que ter um efeito drástico no aumento da digestibilidade da cana. Apesar de haver dados mostrando que, efetivamente, há um aumento na digestibilidade, ele é pequeno (o que está de acordo com o curto espaço de tempo para ação da cal), não podendo-se esperar grande efeito no consumo mesmo. Por vezes, uma consulta atenta à Internet ou uma conversa com algum Zootecnista já permite identificar falta de solidez nas respostas atribuídas a determinada novidade.  


2) “Meu vizinho faz e tem resultados excelentes!” (Copismo): Observar boas práticas do vizinho é uma maneira legítima para apoiar uma tomada de decisão na fazenda. A proximidade geográfica, de fato, aumenta a probabilidade de que determinada ação funcione para ambos lados da cerca. Ainda que isso seja obviamente verdade, é importante não perder a crítica e avaliar caso a caso, fazendo juízo se, realmente, é de se esperar o mesmo resultado. Aproveitando o mesmo exemplo do item anterior, seu vizinho pode estar tendo um grande aumento de consumo de cana com a inclusão da cal, apenas porque ele corta a cada três dias e armazena. A cal nesse caso estaria fazendo o papel de preservativo e, ao evitar a fermentação do material, evitaria também a redução no consumo. Assim, o “elevado consumo” observado com o uso da cal, na verdade, é o consumo normal e o anterior ao uso dela é que era baixo. Se você, ao contrário do seu vizinho, corta e oferece a cana diretamente, não haverá benefício no uso desta técnica. Neste exemplo, isso é mais fácil de ser percebido, mas isso não é a regra. 


Esta, muitas vezes, impossibilita o pecuarista de absorver uma boa novidade. Felizmente, pode ser resolvida com novas contratações ou treinamentos.


3) “É tecnologia de ponta!” (Modernismos): Algumas pessoas tem um fascínio tão grande por novidades que acabam investindo mais por ser algo sedudoramente inovador, do que pelo benefício que efetivamente ele possa proporcionar. Um bom exemplo disso é o investimento em traquitanas eletrônicas (computadores, tablets, celulares, etc.) e em programas de computador. O exemplo mais comum é o software de controle do rebanho com capacidade para coletar e armazenar enormes quantidades de dados, mas que acaba sendo sub-utilizado. O ponto principal disso é porque os dados só passam a ter valor quanto eles viram informações relevantes que ajudem a melhorar o negócio. Assim, apesar de a informatização da fazenda ser um investimento que tem grande potencial para melhoria dos processos, ela só se paga se não for um fim em si mesmo, mas uma ferramenta que permita identificar pontos em que alguma ação corretiva permita melhoria. Um exemplo simples de uso de informação gerada por um sistema de informática em uma fazenda seria  identificar setores da fazenda cuja oferta de suplementos esteja abaixo do planejado, ou seja, os animais estariam consumindo menos suplemento que o devido, com a implicação de não se obter todo o benefício da suplementação. Outro aspecto que frequentemente resulta em subutilização de novas práticas e tecnologias é que ela presupõe haver pessoas aptas a trabalhar com elas e, no caso do exemplo, compromissadas em manter os banco de dados constatemente atualizados para que os dados, quando se tornarem informação, possam ser confiáveis. Portanto, antes de embarcar em alguma aventura tecnológica é importante avaliar se a fazenda tem recursos (especialmente humanos) para absorver a tecnologia a ser adquirida.


4) “Pode acreditar! Foi


estatisticamente significativo!” (Cientificismo): Uma das grandes armas dos interessados em que o produtor experimente alguma novidade é mostrar que a ciência está ao seu lado. Nesse ponto, um termo que ganha ares de verdade absoluta, colocando fim a qualquer dúvida quanto a eficácia do produto é se ele tem um resultado “estatisticamente significativo”! Realmente, apenas pelo fato de haver o esforço em se fazer um teste dentro de parâmetros científicos e com dados submetidos à uma análise estatística, já temos algo que, no mínimo, demonstrou confiança em passar por esse crivo. O mais importante é entender que a extensão de um resultado ser estatisticamente diferente restringe-se aos dados analisados. O que um experimento desenhado para tirar conclusões científicas faz é isolar o máximo possível apenas o efeito testado e, através da análise estatística, estimar quando da variação ocorreu pelo acaso e quanto se deveu ao tratamento propriamente dito. A análise estatística, então, nos dá a probabilidade de que os valores que estamos comparando sejam iguais. Assim, convencionou-se que, para aceitar que elas sejam significativamente diferentes, haja menos de 5% de chance de serem iguais. Enfim, há bastante rigor para aceitar o resultado estatisticamente significativo.  Perceba, contudo, que não estamos falando em intensidade do efeito. Não é incomum termos resultados estatisticamente diferentes, mas sem serem relevantes na prática. Importante que, além da intensidade da diferença ser relevante na prática, que ela tenha ocorrido por conta do tratamento e não por outro efeito ao acaso. Parte-se da premissa que os efeitos ao acaso foram minimizados, mas, por mais que se tenha cuidado, isso pode não ser verdade. Um exemplo interessante é de localização de cochos em um confinamento experimental. Após alguns anos de uso da estrutura, percebeu-se que um grupo de cochos que ficava em uma determinada posição, resultavam em maiores ganhos do que outros, mesmo que recebessem a mesma dieta! Depois da identificação deste efeito, sempre foram feitos experimentos em que esses cochos tinham animais de todos os tratamentos testados, de forma a incluir esse efeito da variação de maneira uniforme. Por nem sempre identificarmos todos os efeitos ao acaso, resultados estatisticamente significativos podem ser frutos de análises viesadas. Assim, é necessário haver resultados de vários trabalhos apontando para a mesma direção para que tenhamos certeza que trata-se de um resultado que tem boa repetibilidade. Esses trabalhos costumam ter variações (raça do animal, regime alimentar, intensidade do tratamento, etc.) que ajudam a avaliar a robustez do tratamento ao longo de várias situações em que ele é recomendado. Um dos grandes aliados da ciência para evitar trabalhos com falhas de execução é o sistema de avaliação dos trabalhos por revisores, que são um filtro que ajuda a tirar trabalhos manifestamente mal desenhados que provoquem resultados viesados. Um problema atual que tem atentado contra isso é a proliferação de revistas “caça-níqueis” que, sob o manto da seriedade, publicam qualquer trabalho apenas para embolsar os custos da publicações pago pelos autores.


Portanto


1. Avaliar a qualidade da fonte da informação. 


2. Observar a intensidade e as condições em que foram obtidos os resultados. 


3. Procurar avaliar vários resultados com o tratamento para checar sua repetibilidade e robustez, são uma boa forma de ter uma resposta mais perto da verdade quanto à determinada técnica ou prática.


Importante notar que os quatro pontos abordados tanto podem atrapalhar o produtor, como ajudá-lo, dependendo apenas que a abordagem a cada um deles seja feita de forma mais crítica, em vez de aceitar passivamente informações, que é outra “zona de conforto” que temos o mal hábito de nos sujeitar, como uma rápida passada de olhos em qualquer rede social prova. Uma coisa é certa: O sucesso é uma “zona de conforto” cujo preço é não ter medo de enfrentar muitas “zonas de desconforto”.



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