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Scot Consultoria

Sal mineral muito barato: economia ou dor de cabeça?


Quinta-feira, 24 de junho de 2021 - 08h00

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Foto: AgroMovies


O marcador de combustível está com o ponteiro indicando para o assoalho do carro e, logo a frente, um posto com aquela placa enorme mostrando o litro do combustível com um preço inacreditavelmente baixo. Logo vem a dúvida: “abasteço aqui ou é ‘muita esmola pro Santo‘?”


Conservadoramente, se a autonomia restante permitir, procura-se um novo posto. Se for arriscar, o que podemos fazer depois de abastecido, é observar o comportamento do carro e, mais objetivamente, checar a média de consumo, isto é, quantos quilômetros se andou com cada litro. Assim, mesmo que o carro não tenha engasgado ou tenha tido qualquer outro problema, uma média de consumo (km/l) muito baixa vai revelar a fraude e explicar o porquê de um valor tão menor que o da concorrência.


Essa é uma situação que tem um paralelo com a compra de sal mineral para o rebanho. O estoque está baixo e, nas cotações, algumas ofertas irrecusáveis. Compensa arriscar? À semelhança do combustível, há algo que possa ser feito para avaliar a decisão, depois de tomada?


A seguir, vamos tentar mostrar alguns aspectos para ajudar na tomada dessa decisão.


Ao contrário do combustível, o sal mineral fraudado pode ser mais difícil de perceber

Por uma série de razões, um sal mineral fraudado pode ser usado por um bom tempo sem que se perceba os prejuízos que ele esteja causando. Um dos motivos disso acontecer é porque há, de forma geral, baixo controle do desempenho dos animais nas fazendas. Mesmo naquelas que haja um controle acima da média, uma quebra em ganho de peso ou número de prenhezes pode ser identificada só depois que o estrago já está instalado. Antes desses índices produtivos revelarem algo, problemas de saúde nos animais podem se tornar mais frequentes, mas também difíceis de notar por poderem ocorrer sem acúmulo de casos, não chamando tanto a atenção.


Entre os motivos para ser difícil notar mais rapidamente a submineralização, podemos citar: (i) propriedades com desempenhos medianos para baixo, nos quais as exigências minerais supridas dos animais são naturalmente mais baixas, (ii) locais com melhor fertilidade natural, onde as deficiências são menos agudas, (iii) o mineral (ou minerais deficientes) sejam daqueles em que há boas reservas corporais (cálcio, fosforo e cobre, por exemplo) e, no caso de doenças, (iv) a própria diferente suscetibilidade entre os animais e a ocorrência da doença de forma subclínica, isto é, sem sintomas.


Enfim, o desempenho dos animais e a ocorrência de problemas de saúde podem ser indicadores de um sal mineral fraudado, mas, não raramente, pode-se demorar demais para perceber os prejuízos causados.


Analisar o sal mineral em laboratório pode ajudar, mas nem sempre resolve

Na dúvida quanto à qualidade, uma alternativa é coletar uma amostra do sal mineral e enviar ao laboratório para a determinação do conteúdo nos minerais que aparecem nos níveis de garantia (NG), bem como de outros que não devem ocorrer, como metais pesados, ou que têm valores de teor máximo, caso do flúor. Antes de usar essa alternativa, recomendamos ler o item “Algumas dicas para mandar uma boa amostra para o laboratório” mais à frente.


No caso dos NG, os valores devem ser maiores do que o mínimo prometido e, os indesejáveis, abaixo de um determinado valor de máximo. Além dessas informações, há outra importante, pois no laudo do laboratório há a concentração em que mineral analisado se encontra na amostra (por exemplo, 90 g de fósforo/kg), mas não a quantidade de fato disponível para ser absorvido pelo organismo, a tal da biodisponibilidade.


No caso do fósforo, por exemplo, o fosfato bicálcico é a fonte nobre desse mineral e o ingrediente que mais pesa no custo do sal mineral, portanto alvo preferencial dos fraudadores. É possível fazer um sal mineral com a mesma concentração usando um fosfato de rocha no lugar do fosfato bicálcico, contudo, essa fórmula pode fornecer cerca de 1/3 a menos de fósforo. Nesse caso, o pedido de análise da solubilidade em ácido cítrico do fósforo pode indicar se tratar do fosfato bicálcico mesmo ou de uma rocha fosfatada, pois, essas últimas têm baixa solubilidade.


Os ingredientes que são fonte dos minerais, em geral, são óxidos ou sais (sulfatos, nitratos etc.), e, desde que estejam registrados no Ministério da Agricultura (MAPA) como “grau alimentar”, são adequados para se usar. Aqui, porém, pode haver no mercado fontes que não têm registro, que são impróprias, mas, se forem usadas, passarão com galhardia nas análises, mas sem terem a mesma biodisponibilidade. Para elas, ao contrário do teste de solubilidade para o bicálcico, não temos análises de rotina para detectar fraude.  


O caso do sal mineral que passa no laboratório, mas não pelo técnico

O uso de matéria-prima de baixa qualidade é uma maneira de fazer um sal mineral mais barato, mas não a única. A outra forma é ter uma fórmula cujos níveis de garantia sejam descaradamente baixos. A princípio, isso não seria possível, pois, para registrar o produto no MAPA, há limites mínimos de cada nutriente usual nas misturas minerais. Todavia, acontece.


Uma das hipóteses é que o produto não seja registrado, ou talvez nem a fabricante tenha registro. É possível fazer uma consulta no site do MAPA quanto ao estabelecimento, mas, quanto ao produto, parece-me que precisamos fazer a consulta a uma das delegacias regionais.


Para escapar desse tipo de espertalhões, deve-se observar os níveis de garantia no rótulo e compará-los com os produtos de empresas reconhecidamente idôneas e ver se há valores muito discrepantes. Recomenda-se, quando forem encontrados valores suspeitos, questionar o fabricante e, também, se aconselhar com técnicos na área. Uma vez ficando clara a má fé, denunciar o caso ao MAPA.


Algumas dicas para mandar uma boa amostra para o laboratório

No caso de envio da amostra ao laboratório, não basta pegar uma mão do produto, colocar num saco plástico e mandar para o laboratório, pois essa amostra, muito provavelmente, não represente o lote. Isso pode ocorrer, por exemplo, porque os ingredientes muito bem misturados na indústria acabam segregando devido à movimentação do transporte. Assim, ao pegar amostra apenas da parte superior do saco, mesmo a melhor análise do mundo dará a entender que o sal mineral não está com os níveis de garantia em conformidade, mesmo que, de fato, ele esteja.


Uma maneira de reduzir esse erro e sem complicar muito as coisas, é coletar a amostra no ato da recarga do cocho, antes dos animais o consumirem. Assim, espalha-se o conteúdo de um saco no cocho e coleta-se de vários pontos ao longo dele. Sugere-se coletar cerca de 200g e, antes de mandar, dividir em dois sacos de 100g, etiquetando com as informações que permitam particularizá-los (fazenda, local, produto, data da coleta etc.). Um deles é o que será enviado e, o outro, fica de contraprova, isto é, para novas análises de rechecagem, por exemplo, para mandar para outro laboratório ou para a fabricante. No caso da fabricante, pode novamente dividir a amostra e mandar 50g, pois as análises usam muito menos do que isso e fica-se ainda com amostra para outras avaliações que se façam necessárias.


Caso comprovem-se falhas no produto, o resultado da análise será uma prova para pedir ressarcimento da empresa, portanto, recomenda-se guardar o saco do sal do qual foi tirado a amostra e um saco, da mesma partida, seja mantido fechado. Ambos podem ser úteis como prova do uso e para a comprovação da falha.


Importante chamar a atenção que, aqui, estamos assumindo que cada partida foi bem feita e, por isso, apenas um saco representa toda a batida. Essa premissa é razoável, mas não necessariamente verdadeira, e se o objetivo for também cercar essa possibilidade, deve-se amostrar um número maior de sacos. Abaixo a recomendação do “Manual de colheita de amostras em produtos destinados à alimentação de ruminantes em propriedades rurais” do MAPA:


Número Embalagens / Lote: Número de amostragens

De 1 a 4: Amostrar 5 ou mais pontos;


De 5 a 10: Amostrar todas as embalagens;


Mais de 11: Amostrar 10 unidades (ou 10%).


Os minerais que usualmente são analisados, são os que estão nos níveis de garantia na embalagem do produto, mas, como a análise costuma ser cobrada por mineral analisado, pode-se selecionar aqueles mais importantes na nutrição de bovinos de corte no Brasil: cálcio, fósforo, sódio, cobre, zinco, iodo, cobalto e selênio. Como comentado, é interessante pedir a solubilidade do fósforo em ácido cítrico e, dos indesejáveis, que há limite de máximo, como o flúor.


Um último alerta é que, quando o resultado chegar, lembrar que, apesar de ser esperado que os minerais de interesse estejam acima do mínimo que consta do nível de garantia, valores inferiores, desde que próximos ao esperado, podem ser aceitáveis. O motivo para isso é porque todas as análises têm um determinado erro analítico aceitável, ou seja, por mais bem feita que seja a análise, raramente o resultado será 100% exato. Assim, cada uma tem uma determinada faixa de valores, acima e abaixo do valor obtido, que podem ser considerados aceitáveis. Por exemplo, se o mínimo é 90 g/kg, e o resultado foi 87 g/kg, mas o erro analítico para essa média é mais ou menos 4 g/kg, valores de 84 g/kg até 91 g/kg podem ser considerados aceitáveis (sendo respectivamente, 87–4 g/kg e 87+4 g/kg).  


No caso de valores abaixo do nível de garantia de mínimo, ou acima do de máximo, que estejam próximos do valor adequado, compensa fazer uma consulta ao laboratório que deverá ser capaz de orientar quanto a aceitar ou não o resultado como conforme.


Selecionar bons fornecedores de sal mineral: o segredo do sossego

Avaliado tudo o que está escrito até aqui, ou seja, demorar para perceber que um sal mineral de baixa qualidade está sendo oferecido aos animais, junto com nem sempre ser fácil apontar as não conformidades, arriscar menos parece ser mais interessante.


O ideal, portanto, é ter um fornecedor que seja confiável. Marcas de renome costumam ser a primeira alternativa para evitar dissabores, afinal, além do nome a zelar, a maior margem possibilita que elas tenham processos produtivos automatizados e rigorosos controles de qualidade. Todavia, como esse sossego pesa no bolso, é legítimo explorar outras possibilidades.


Para quem não abre mão de economizar, uma boa alternativa é procurar empresas menores, mas que estejam próximas da fazenda e munir-se do máximo de informação sobre elas, bem como fazer uma visita e conhecer como são os processos produtivos. Afinal, uma fabricante de sal mineral não precisa ser grande para ter processos adequados e um bom monitoramento de fornecedores e do produto final. Identificar um bom fornecedor próximo à fazenda também tem a vantagem de reduzir os custos com o frete.


Zelar pela qualidade: dever de todos!

Os colegas do MAPA responsáveis pela regulação e fiscalização dos fornecedores de alimentos para nutrição animal têm feito um excelente trabalho, particularmente no sentido de atitudes preventivas, como no esforço para que os fabricantes adotem boas práticas de produção.


Por maiores que sejam seus esforços, todavia, apenas com uma parceria tácita com os produtores rurais que consomem esses produtos, faremos a vida dos fraudadores mais difíceis, a ponto deles não encontrarem terreno fértil para falcatruas no ramo de alimentos para animais.


Desconfiar de ofertas muito boas para serem verdade, apurar informações, cobrar dos fornecedores lisura e transparência e, sempre que comprovar desvios, denunciar aos órgãos de defesa competentes, pode ajudar muito em reduzir as ocorrências, com benefícios a todos.



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