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Fake news indígena


Segunda-feira, 15 de junho de 2020 - 12h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Fonte: Agência Senado


Na mesma época, mas em 2019, comentamos sobre “terras indígenas, terras brasileiras”, entretanto, abordando a repercussão nacional do assunto com o surgimento do grupo econômico agrícola indígena chamado “Parecis”; proprietários de 12 mil hectares de soja, vindos de um projeto em parceria com “não-índios” e com uma intenção de ampliação para até 50 mil hectares de plantio.


Agora em 2020, o assunto novamente ganha repercussão nacional e vai além, desta vez, “repercussão geral”, ou seja, um único processo judicial em trâmite no Supremo Tribunal Federal com a capacidade de julgar de maneira idêntica todos os demais processos com o mesmo assunto, uma única decisão multiplicada para todas as causas iguais, sob argumento de que seriam questões relevantes sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico ultrapassando os interesses individuais ou subjetivos da causa.


E o assunto não é apenas de interesse de produtores ou índios, é de interesse territorial nacional, afinal, terras indígenas são terras brasileiras, o território brasileiro deve beneficiar a todos os cidadãos em políticas públicas, mas não apenas um determinado grupo que já reivindicou 14% do território para pouco mais de 817 mil indígenas, frente outros mais de 200 milhões de cidadãos brasileiros que esperam do território nacional, as mesmas oportunidades e resultados sociais, culturais, econômicos e ambientais.


Para melhor compreensão, o caso trata do Recurso Extraordinário 1017365, que teve “repercussão geral” reconhecida em fevereiro de 2019, numerado no STF sob o tema no. 1031, sob relatoria do Ministro Edson Fachin, discutindo relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena com base nas regras do artigo 231 da Constituição Federal.


O Estado de Santa Catarina teve suas terras invadidas em uma reserva biológica, conseguindo a reintegração de posse em primeira e segunda instâncias, considerando não haver elementos que permitissem afirmar que as terras eram tradicionalmente ocupadas pelos índios, questão levada ao Supremo Tribunal Federal pelo Ministério Público Federal alegando ofensa aos direitos constitucionais indígenas, que tais direitos seriam imprescritíveis (nunca se perderá no tempo), um perigoso debate que remete o Brasil às épocas coloniais.


O ministro relator do caso optou pela suspensão da tramitação de processos sobre áreas indígenas em todo o país até fim da pandemia, transformando o COVID-19 em fundamento jurídico pelo fato de que reintegrações de posse poderiam “agravar a situação dos indígenas em relação ao risco de contágio, deixando de devolver as terras a seus donos (Estado de SC) e ainda suspendendo em todo o País, quaisquer processos como ações possessórias, anulatórias e recursos vinculados, submetendo muitos outros casos semelhantes a esta situação de injustiça, sem reintegrar posses, legalizando invasões, agredindo o exercício de outros direitos constitucionais como a legalidade, a propriedade, o devido processo legal, etc..


Este caso faz lembrar situações semelhantes quando STJ e STF suspendiam reintegrações de posse em nome do risco à “ordem pública” durante as reintegrações, as famosas “suspensões de liminar”, em que a ordem pública só foi ameaçada depois que terras foram invadidas por numerosos grupos reivindicando áreas sem ordem judicial, mas apenas o exercício arbitrário das próprias razões com alegações de que ali estiveram, um dia, seus ancestrais.


Não foi apenas o COVID-19, esta inocente suspensão de processo foi além, determinou ainda a suspensão de um parecer da Advocacia Geral da União e está prestes a rediscutir o famoso “marco temporal” que pode abalar completamente a segurança jurídica e a própria ordem pública no campo, estimulando mais invasões, explico.


O parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União determinava aos processos administrativos (Funai) de demarcação de terras indígenas que fossem observadas e respeitas as famosas “19 condicionantes” (condições) fixadas pelo Supremo Tribunal Federal do caso Raposa Serra do Sol, como por exemplo, a proibição de que os índios façam exploração de recursos minerais e hídricos sem autorização do Congresso Nacional, a atuação da Força Nacional sem consulta à Funai, o trânsito de pessoas pelas áreas sem cobrança de tarifas pelos índios, a proibição de arrendamento, proibição de ampliação de demarcações e outros.


No caso Raposa Serra do Sol foi decidido por meio do colegiado de ministros do STF que, é indígena aquela terra ocupada em 1988, salvo se foram expulsos e não conseguiram voltar, o que deve ser objeto de uma complexa instrução processual sem que jamais possa justificar fazer justiça pelos próprios meios e intitular estes episódios de “ocupação”.


E assim o parecer acolhia as próprias decisões do STF e fixava o marco temporal para a Administração Pública atender ao que determina a palavra final já proferida pelo STF, fazendo com que, quaisquer “povos”, índios e brancos obedeçam aos processos, aos ritos, afinal, para isso serve o direito, para fazer justiça e não para promover conflitos. E então o parecer encontra-se suspenso neste mesmo processo de repercussão geral.


Já o marco temporal, perigosamente, volta às mesas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, após já ter sido discutido no caso Raposa Serra do Sol e a mudança de entendimento pode trazer o caos, a sensação de que decisões judiciais podem ser desrespeitadas, propriedades podem ser invadidas sem processo e depois movimentar o sistema para criar o processo, um lamentável atentado à segurança jurídica e a segurança da vida de quem está em áreas prestes a terem suas porteiras e cercas arrombadas, casas destruídas e animais agredidos como vários dos casos já relatados no Brasil e pior, com um apoio dos desinformados que defendem os direitos indígenas ancestrais sem maior conhecimento de causa.


Todas estas “fake news indígenas” chamados “direitos ancestrais” ou “teoria do Indigenato” nas discussões jurídicas tentam comprovar inexistentes direitos de “donos naturais” das terras brasileiras ditas indígenas, algo que jamais foi recebido pelo nosso ordenamento jurídico.


Nossa legislação proíbe a repristinação, ou seja, ressuscitar direitos, se é que existem. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto 4657/1942), determina que uma norma só volta a valer se explícita, expressa em outra norma (artigos 2o. e 3o.), não há repristinação automática, muito menos criada por tribunais; e a "nova ordem constitucional" (1988), trouxe sim, o marco temporal, sem qualquer menção à "donos naturais das terras" (Indigenato), portanto, não há possibilidade de retornar os indígenas à todas as terras nas quais um dia supostamente estiveram.


A Lei de Terras (601/1850) previa três tipos de terras: terras particulares, terras a serem legitimadas e terras devolutas. Estas últimas reservadas para a colonização indígena, sem qualquer menção à donos naturais.


Também não há possibilidade de dar terras a todos que pedem terras no Brasil, sejam produtores, índios, sem-terra (reforma agrária), ambientalistas (unidades de conservação) e outras muitas políticas públicas que segregam povos e deixam de priorizar o Brasil.


Assim, marco temporal, é a determinação expressa da Constituição Federal que buscou trazer paz social e solução do problema das terras indígenas colocando uma data, a da promulgação da Constituição Federal, 5/10/1988, evitando a possibilidade de demarcação de terras como tradicionalmente ocupadas, em qualquer tempo.


Percebemos, então, que o sensacionalismo de imprensa sobre estes temas de “minorias” ofendidas esconde a real extensão dos impactos destes posicionamentos, não é só "produtor x índio", regiões inteiras são comprometidas pelas demarcações, perdendo áreas produtivas para demarcar áreas que serão socialmente abandonadas, reduzindo indicadores sociais, econômicos e ambientais das populações próximas.


O curioso é que nestas áreas, onde habitualmente ocorrem as invasões e debates jurídicos sobre a ancestralidade, áreas cujo objetivo de demarcação, segundo a Constituição Federal (art. 231) é garantir atividades produtivas dos indígenas “segundo seus usos, costumes e tradições”, já se estabeleceu o uso agropecuário extensivo, esvaziando o próprio sentido dos direitos que se busca, não existem índios sojicultores e não serão destruídas as áreas de produção para retorna-las ao estado pré-colonização para que os indígenas habitem após a demarcação, é paradoxal! 


Enfim, sem mais polarização de discussões entre índios e produtores, trata-se, sobretudo, de princípios básicos da gestão na eficácia da aplicação dos recursos e a eficiência na obtenção dos resultados para todos os brasileiros, onde o poder público precisa lembrar da diferença entre importante e urgente. Quando precisamos definir o que é urgente e o que é importante para mais de 200 milhões de habitantes, surgem conflitos, cada grupo tenta que seu importante se imponha como urgente sobre o importante dos outros e o Brasil se volta para atividades urgentes impostas por minorias e não nas atividades importantes que a sociedade precisa.


O momento é de priorizar ações importantes e urgentes para todos os brasileiros, senão todos perderemos por falta de capacidade de priorização.



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