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Scot Consultoria

Descobri que a Fazenda não é mais minha!


Quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020 - 18h00

Médico veterinário pela UNESP – campus de Jaboticabal, especialização em produção animal pela UFLA e atual Consultor senior da CRIATEC - Consultoria em Agronegócios.


Foto: Scot Consultoria


Fico impressionado como, em tão pouco tempo, a fazenda passou a ter tantos donos, todos entram em minha fazenda e ditam regras para tudo e para todos.


Uma hora é o CAR (Cadastro Ambiental Rural), escancarando minha propriedade para o mundo todo, outra hora é meu trator, pulverizador e colheitadeira que agora estão todos conectados e mandam tudo que fazem para a tal das “nuvens”, tudo que eu faço na minha fazenda está na mão de qualquer um que tenha conexão (login) e senha deste aplicativo.


A minha pecuária estava livre até outro dia, daí agora também meu rebanho está “subindo”, todos com brincos eletrônicos, pesagem diária em balanças de passagem, tenho imagens de satélite dos pastos e quanto vai de gado por ali, qual expectativa de ganho de peso e quanto de suplemento tenho que dar para os bichos, isso tudo na tal das nuvens.


Ora vem um fiscal do trabalho querendo todos os relatórios de capacitação de funcionários, tenho tudo cadastrado, cada “dor de barriga” do José tem registro. E.P.I. então, tem um para cada setor, onde tem barulho tapa as orelhas, onde tem poeira tapa o nariz, a polaina tem que aguentar o golpe do facão, e daí vai.


Um montão de exames comprova que o Zé tá bom dos ouvidos, que o João peão não tem brucelose. Cada um no seu setor teve seus riscos avaliados.


Agora para vender os bois tenho que provar para o frigorífico que minha área de produção está fora de reservas legais, de reservas indígenas, de APAS, que não tem conflito de terras, e por aí vai.


A agricultura também não escapa, são as vasilhas usadas de veneno que tenho que retornar para reciclagem, a tal da logística reversa que há anos estamos fazendo. A soja tem rastreador de direitos autorais (Royalties), que me toma uma grana na hora de vender.


Nunca fui tão vigiado, nunca tanta responsabilidade foi imputada às minhas atitudes dentro da porteira.


Todos os meus movimentos estão vigiados, minhas compras, minhas vendas, quem eu contrato, quem eu demito, a água que passa, a água que uso, a chuva que cai. Agora até os tratores passaram a ser vigiados, o concessionário aparece lá na fazenda com a peça para trocar e já sabe que o trator está no talhão da caixa d’agua, o trator “dedurou” que já iria ter problemas e nem me falou nada, foi direto para o concessionário.


Depois aparece um carrinho com um representante me oferecendo um suplemento para meus animais, me mostra uma imagem com minhas áreas de pastagens, com a capacidade de lotação e com as recomendações para aqueles meus lotes.


O trator está me dedurando, os satélites, drone, avião, entre outros. Tem sempre alguém sabendo mais do que eu sobre minha fazenda, de repente aparece um fiscal, que diz que viu na imagem uma área que parece ser desmatamento, outra hora alguém diz que minhas aguadas naturais devem ser transformadas em bebedouros, e por aí vai.


Meus funcionários postando o dia a dia nas redes sociais, o plantio, as pulverizações, a colheita, a vacinação dos animais, a lida com os cavalos, enfim tudo escancarado.


Daí vem alguém que comprou a picanha do boi que vendi, querendo saber mais sobre minha fazenda e eu. Será que sou digno de receber seu suado dinheiro, este dinheiro irá contribuir para o que? Para minhas atitudes éticas, para o respeito ao meio ambiente, para o bem estar das pessoas e dos animais que ali convivem em minha fazenda?


O consumidor passou a buscar entender com o que o seu consumo, o seu dinheiro está colaborando, está incentivando.


Enfim, hoje procuro um selo que consiga se comunicar com meu consumidor e contar a ele que eu faço tudo como manda o “figurino”. Que prove que estou certo e que por isso meu produto é diferenciado, é sustentável.


Na verdade, hoje entendo que realmente a fazenda é um pedacinho do mundo, não é minha, ela está emprestada a mim pelas gerações futuras e com um nobre dever de transformá-la para melhor, desde o solo, as árvores, as pessoas. Passou a ser minha obrigação devolvê-la mais rica do que a recebi.



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