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Scot Consultoria

Recorde de abate de novilhas: como isto pode afetar o mercado de reposição?


Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019 - 13h30

Graduada em Gestão Ambiental pela ESALQ/USP, mestre e doutoranda em desenvolvimento econômico pela Unicamp. Pecuarista em Mato Grosso. Pesquisadora, consultora e palestrante em temas relacionados à economia.


Foto: Scot Consultoria

 



Caro leitor,


 


O abate de novilhas tem crescido de forma expressiva no Brasil. Só para você ter uma ideia, em 2018, até o mês de setembro, foram abatidas 2,5 milhões de fêmeas com até dois anos – dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)¹. Este volume, para os três primeiros trimestres, é muito próximo ao abatido no ano todo de 2017. Para o período, janeiro a setembro, 2018 registrou recorde em abate de novilhas, praticamente o dobro do que o registrado há dez anos atrás.


Pois bem. O volume pode ter aumentado acompanhando o aumento do abate total, certo? Não é o caso. De fato, o volume de fêmeas jovens abatidas aumentou (e muito!), bem como a sua relevância no abate total – Veja a figura 1. Como isto pode impactar nos preços e NO SEU NEGÓCIO é o assunto desta análise.


Figura 1.
Evolução do abate total e do abate de novilhas – em milhões de cabeças - 1997 a 2018

Fonte: IBGE – Elaborado por Crespolini 


Para entender o contexto, é importante que eu te conte “de onde” surgiu a ideia de ir olhar os abates de novilhas. Na última semana, tive a satisfação de almoçar com os amigos da Acrimat e de conversar com o Marco Túlio Duarte Soares, presidente da Acrimat e também empresário do Grupo Celeiro Carnes Especiais². Ele me disse algo que me deixou “com uma pulga atrás da orelha”: “No final do ano, foi muito difícil encontrar e competir em preço na compra de novilha. Quando eu comecei na Celeiro, pouca gente buscava esta matéria prima. Mas, agora, é um mercado que está consolidado e tem muita procura por parte de outras indústrias”.


Depois do almoço, abri os dados do IBGE para ver o que eles me diziam – e eles provaram o que o Marco Túlio estava sendo “na vida real”. Antes de te apresentar os dados, me permita fazer algumas considerações. Quando o IBGE apresenta o abate de fêmeas está incluso fêmeas de duas categorias – até dois anos, consideradas novilhas, e superior a dois anos, já considerada vaca.


Você e eu sabemos que mesmo uma fêmea acima de dois anos ainda pode ser novilha, talvez não entre nos programas de premiação, mas ainda não é uma vaca. Mas, enfim, não conseguimos separar efetivamente do que o IBGE chama de “vacas” o que seriam as “vacas velhas” de outras “fêmeas jovens”. Tenha isso em mente na análise. Seguimos em frente...


Na figura 2 fiz três separações. A primeira, barras em azul claro, apresenta a participação das fêmeas no abate total (fêmeas e machos). A segunda, barras em roxo, a participação das vacas (fêmeas acima de 24 meses) no abate total. Veja que, de 1997 a 2018, há um movimento “montanha russa”, de sobe e desce no abate. Tratei deste comportamento do mercado neste texto. Mas, desde 2003/2004 o patamar de abate de fêmeas e de vacas em relação ao abate total se mantém na mesma média.


Agora o “pulo do gato” da figura: As barras verdes - a participação das fêmeas de até dois anos no abate total. Olha que coisa incrível! Em 1997, as novilhas eram apenas 4% do abate total. Por mais que ao longo dos anos haja um efeito do ciclo, a tendência é de aumento da participação de novilhas no abate total. Em 2005, as novilhas ultrapassam a marca dos 6% do abate total e, desde então, mantém-se sempre acima dos 5,8%! Em 2012, as novilhas ultrapassam os 7,8% do abate total e nunca mais retornam abaixo disso. Por fim, chegamos ao recorde de participação em 2018, com expressivos 10,6%.


Figura 2.
Participação das fêmeas, das vacas e das novilhas no abate de bovinos total no Brasil – 1997 a 2018

Fonte: IBGE – Elaborado por Crespolini


Só esta figura anterior já seria suficiente para tirarmos algumas conclusões do mercado. Mas, eu fiquei tão impressionada com os dados, que quero te mostrar mais um gráfico. Veja agora a figura 3, onde apresento a participação das novilhas no abate total de fêmeas (e não mais total). Em 2018, as novilhas representaram um quarto do abate de fêmeas! Nunca antes houve uma participação tão elevada! Esta Figura 3 é muito impressionante!


Figura 3
Participação das novilhas no abate de total de fêmeas no Brasil – 1997 a 2018

Fonte: IBGE – Elaborado por Crespolini


 


Estes dados que te apresento de nada servem se não os transformarmos em estratégias. Certo? Então vamos lá...


A primeira reflexão que tenho destes dados é o relato do Marco Túlio “as indústrias estão competindo mais por esta matéria prima que é a carne da fêmea jovem”.  Estamos há anos falando do impacto da crise econômica no consumo de carne bovina, mas o que os dados nos levam a inferir é que o mercado de carne premium parece não apresentar um impacto, pelo menos em volume, da crise. Os preços cederam, é fato, mas em relação ao abate total, a demanda por esta carne de maior qualidade só aumentou! Apesar da queda dos preços, minha família e eu engordamos novilhas e, particularmente, estou satisfeita com os resultados econômicos do meu negócio.


A segunda reflexão que faço é: será que este mercado ainda é nicho? Ou já está consolidado e estamos mesmo caminhando para uma carne “nexpresso”, como diz o Roberto Barcellos? Será que os consumidores da grande São Paulo, onde vive 10% da população brasileira, irão preferir comer frango durante a semana e optar por menos consumo, em volume, de carne bovina, mas com maior qualidade ao final de semana? Este assunto é tão complexo que, às vésperas de enviar este texto para a Scot Consultoria, eu e meu marido passamos quase 300 km de uma viagem discutindo este tema. Vou compartilhar algumas das nossas respostas, em breve, mas sugiro que você também considere estas perguntas na estratégia do seu negócio.


Agora, a terceira reflexão: A fêmea é a máquina produtiva da bovinocultura de corte. Como que este abate recorde de novilhas irá impactar na oferta de bezerros no médio e longo prazo? Há dois cenários possíveis: COM E SEM O AUMENTO DE PRODUTIVIDADE DA CRIA. Se as fêmeas que ficarem para serem reprodutoras aumentarem seus indicadores reprodutivos, o impacto pode ser nulo. E, efetivamente, você e eu sabemos que dá para, com aumento de produtividade, suprir a demanda por bezerros com “menos vacas”. Nossa cria ainda é muito ineficiente e tem muita vaca vazia “à toa” neste “Brasilzão”, não é mesmo?


Agora, se as fêmeas que ficarem como reprodutoras não melhorarem seus indicadores, a tendência é de redução (ou pelo menos estabilidade) na oferta de bezerros. E, os efeitos disto podem ser ainda mais significativos se a recria-engorda continuar respondendo rapidamente em produtividade.


Aqui em Mato Grosso, por exemplo, os dados do Indea (Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso) mostram que, em 2006, machos abatidos com menos de dois anos não chegavam a 5% do abate. Em 2016, último dado que tenho aqui, esta representatividade subiu para 15%. Um aumento substancial. Machos com mais de três anos eram 57% do abate em 2006, caindo para apenas 23%, em 2016. Ou seja: a recria-engorda está pressionando a demanda por bezerros. 


Além disso, aproveitando o gancho do mercado de reposição, segundo dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), a exportação de gado em pé, em 2018, 790 mil animais, praticamente dobrou em relação às 2017, 407 mil cabeças. Lembrando que estes quase um milhão de animais são, em sua maioria, animais jovens que poderia ser a reposição comprada neste ano – outro tema que discutirei mais a fundo no próximo texto. 


Para encerrar - o que observo é que há muitos criadores que são exemplos de sucesso e produtividade. Mas, proporcionalmente, ainda vejo uma cria em passos lentos perto da aceleração da recria-engorda. Em minha região, cresce ano após ano o número de pecuaristas, ou mesmo agricultores, que estão investindo em semi-confinamento e confinamento. E, para impulsionar esta aceleração da demanda por reposição, há também a exportação de gado jovem vivo.


Respondendo então à pergunta do título - se a recria-engorda continuar no ritmo acelerado de ganhos em produtividade e, as fêmeas disponíveis para reprodução não melhorarem na mesma velocidade seus índices reprodutivos, no médio e longo prazo o mercado de reposição irá sentir o impacto deste abate recorde de novilhas e de outros fatores do mercado. Você está preparado para pagar mais caro pelo bezerro? É importante ter estratégias para isto.


Esta semana, falei sobre este assunto no Bom dia Produtor. Caso você se interesse e queira ver o vídeo, este é o link. https://youtu.be/0pr0QhYVSR8


 


¹ O IBGE divulgará os dados do quarto trimestre de 2018 em meados de março de 2019.


² Sabia mais em: http://www.grupoceleiro.com




 



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