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Scot Consultoria

Pecuária Sustentável: Porque o que é bom deve durar!


Terça-feira, 27 de março de 2018 - 15h00

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Foto: semagro.ms.gov.br

 


Em março, foi realizada a 13ª edição da Dinâmica Agropecuária, DINAPEC, evento anual no qual a Embrapa e parceiros divulgam informações tecnológicas e novidades para o público externo.  


Há também palestras sobre o tema escolhido para cada edição que, desta vez, foi “Agropecuária de Baixo Carbono”. Tive a honra de ser moderador do Painel “Pecuária de Corte Sustentável: o que é bom tem que durar”. Neste espaço, faço uma síntese do que foi apresentado neste painel.


Boas Práticas Agropecuárias e sustentabilidade: A primeira palestra foi do Coordenador do Programa Boas Práticas Agropecuárias Bovinos de Corte (BPA), Ezequiel Rodrigues do Valle, que iniciou mostrando que a criação do BPA foi motivada pela necessidade de haver uma contraposição aos ataques sofridos pela carne brasileira.


O foco do programa, segundo ele, é no consumidor. Hoje não há dúvida que o consumidor deseja consumir alimentos seguros, produzidos com bem-estar aos animais e em sistemas de produção sustentáveis. Uma vez que os produtores adotem as BPA, o intento de atender esses desejos do consumidor será obtido.


O Dr. Ezequiel elencou vantagens à adesão ao BPA, das quais destacamos: (1) Identificar gargalos que limitam a produtividade; (2) Reduzir risco de ações na justiça, tanto trabalhistas, como ambientais; (3) Melhorar a produtividade e reduzir custos; (4) Melhorar a qualidade do produto final; (5) Valorizar a imagem dos sistemas produtivos; (6) Facilitar o acesso aos mercados diferenciados; (7) Contribuir para a redução da pegada de carbono pela redução da idade de abate, melhor qualidade das pastagens e práticas conservacionistas e (8)  Estimular o associativismo e fortalecer as representações de classe. Seria, também, uma excelente estratégia para produtores que tenham interesse em conseguir alguma certificação da propriedade, o que pode ser necessário para participar de algum programa de bonificação ou mesmo apenas para ter acesso a algum mercado específico.


Mesmo sendo o BPA de adesão voluntária, o que ele considera ser outra vantagem: ele já foi implantando de norte a sul do Brasil. Ele mostrou exemplos bem-sucedidos no Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, e Pará.                                     


Programa Novilho Precoce MS (PROAPE) e sustentabilidade: A segunda palestra foi do superintendente de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Produção e Agricultura Familiar (SUMAPRO) do Governo do Mato Grosso do Sul, Rogério Beretta. Ele falou sobre o novo programa de incentivo ao novilho precoce, o Programa Precoce MS (PROAPE) e sua relação com a sustentabilidade. 


Uma das principais novidades deste programa, é estimular a adesão ao BPA Bovinos de Corte da Embrapa ou outro programa similar, pois esse é um dos requisitos para ter a isenção máxima no programa.


Inicialmente, ele mostrou dados de mudança no uso da Terra no Mato Grosso do Sul, com destaque para redução de área de pastagens em mais de dois milhões de hectares entre 2010 e 2016. As pastagens foram substituídas por agricultura (622 mil ha), florestas (580 mil ha), Cana-de-açúcar (410 mil ha) e outros (355 mil ha). Como, mesmo reduzindo a área, a produção de carne bovina foi mantida, isso significa que houve aumento de produtividade.


Os objetivos do Programa Precoce MS, então, seriam estimular essa intensificação da seguinte forma: (1) Estimular os produtores a adotarem técnicas modernas; (2) Produzir bovinos com qualidade de carcaça superior; (3) Utilizar boas práticas agropecuárias e (4) Avançar na gestão sanitária individual.


Há, todavia, requisitos para participação dos interessados, que seriam: (A) Estar com situação regular quanto às obrigações fiscais e tributárias, obrigações trabalhistas e obrigações sanitárias; (B) Estabelecimento rural devidamente inscrito no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e (C) Ter um profissional responsável pelo sistema de produção.


O incentivo oferecido seria de até 67% do valor correspondente ao ICMS devido na operação (tabela 2), sendo que 70% são função de características do animal e 30% de como ele foi produzido. Com relação aos animais, os valores variam em função do sexo, da maturidade e do acabamento de gordura. Na tabela 1, pode ser observado como os bovinos são classificados.


Tabela 1.


Classificação do tipo de produto conforme características dos animais (sexo, grau de maturidade e acabamento).



Fonte: elaborado pelo autor


* Acabamento: Tipo 2 (escassa) = 1 a 3 mm; Tipo 3 (mediana) = 3 a 6 mm; Tipo 4 (uniforme) = 6 a 10 mm.


No caso do processo produtivo, são avaliados se: (1) Usa identificação individual de bovinos, (2) Adota as Boas Práticas Agropecuárias (BPA), (3) Usa tecnologias sustentáveis e (4) Participa em associações de produtores visando à produção comercial sistematizada e organizada. 


Em função dos processos produtivos inerentes a eles, os estabelecimentos rurais são classificados em três categorias. Aqueles que preenchem pelo menos três critérios, são da categoria “Avançado”. Se apenas dois são atendidos, é considerado “Intermediário” e com o atendimento de apenas um critério, “Simples”.


No caso das boas práticas foi feito um “Protocolo BPA-Precoce MS” que selecionou 30 atributos do programa do BPA original, considerados mais importantes para atingir os objetivos do PROAPE. Uma iniciativa interessante foi a criação de um curso, tipo ensino à distância (EAD) para capacitação quanto aos itens que precisam ser observados pelos profissionais responsáveis.


Na tabela 2, mostra-se o cruzamento das informações do “tipo de produto” (animal) com cada tipo de estabelecimento conforme a adoção dos critérios de premiação. Eles ficam classificados como seis tipos de produto que recebem bonificações que vão desde 16% (castrado ou fêmea com quatro dentes e acabamento escasso em uma fazenda simples) até o máximo de 67% do ICMS devido (qualquer sexo, apenas dente de leite, gordura mediana ou uniforme em uma fazenda avançada).


Tabela 2.


Nível de desconto do ICMS conforme tipo de produto (ver tabela 1) e classificação da unidade produtora (Avançada, Intermediária e Simples).


Fonte: elaborado pelo autor


Há, ainda, um incentivo para padronização dos Lotes, que implica no valor da Taxa de Coordenação, cobrada dos participantes do programa: Com o Índice Classificação superior a 80% a taxa equivale a 5% sobre o incentivo. Se o Índice de Classificação ficar entre 70% a 80%, a taxa dobra: 10% sobre o incentivo e, se o Índice de Classificação ficar entre 60% até 70%, a taxa é de 15% sobre o incentivo.  Lotes com menos de 60% de classificação não recebem o incentivo.


Em um ano de operação, o programa teve 410 mil bovinos abatidos, dos quais 85% foram classificados, resultando no pagamento de mais de R$21 milhões de incentivo.  Com a taxa de coordenação, foram arrecadados R$1,3 milhões. Portanto, foram quase R$20 milhões investidos em carne de melhor qualidade, produzida eficientemente e, portanto, mais ambientalmente correta.


Além desses resultados expressivos, o programa tem características muito interessantes. Os frigoríficos são cadastrados porque podem fazer todas as transações eletronicamente em tempo real, sendo que até o desconto da taxa de coordenação ocorre automaticamente.


Outro ponto importante: as informações sobre a propriedade são de responsabilidade do técnico responsável, sendo que houve apenas um caso de fraude identificado em um ano de atividade. Por fim, o técnico responsável pode se capacitar no BPA por ensino à distância. Assim, aproveitar as tecnologias de comunicação e dar credibilidade às informações do responsável técnico, mostrando que é possível fazermos arranjos descomplicados e ágeis, com benefício para todos.


A visão do produtor sobre a produção sustentável: A terceira palestra foi a mais interessante, exatamente por ser o testemunho de quem faz a coisa acontecer, no caso, o pecuarista Ricardo Buonarott Ferreira, da Fazenda Alvorada, Ribas do Rio Pardo – MS. Na propriedade ele faz recria e terminação, usando bovinos de cruzamento industrial, adubando as pastagens e suplementando o ano todo.


Ele comentou que a adesão BPA foi facil, pois já adotava tecnologias produtivas e tinha uma boa gestão, além de já ter passado pelo desafio de conseguir a rastreabilidade para participar da “Lista Trace” e pelas exigências do Protocolo do Carrefour.


A adequação não foi complicada, com ajustes no curral, plataforma de embarque e adequação ambiental. Houve ganhos em organização geral da fazenda na região, poucas fazendas promovem treinamento e ele notou que eles geram estímulo e comprometimento na equipe. Foi obtida redução de riscos e aumento na disciplina no uso de equipamentos de segurança e no trabalho com segurança de forma geral. Comentou que problemas de acidente de trabalho em fazendas costumam ser mais complicados do que no meio urbano. Houve melhoria, também, no manejo dos animais, declarando que “não adianta produzir bem e perder no manejo com acidentes com os animais”.


O planejamento, o uso de cronogramas, controles e documentação fez diferença também.  Hoje todos sabem o quê e quando vai acontecer. Já tem planejamento para 2020, permitindo se antecipar às necessidades e tomar decisões embasadas.


WWF e a produção sustentável: Fechando a primeira parte, houve a palestra do Ivens Domingos, trazendo a visão de uma ONG, a WWF, sobre a sustentabilidade na pecuária de corte.


Na primeira parte, ele pintou um quadro bem sombrio no qual, nos próximos 40 anos teremos que produzir o mesmo volume de alimentos produzidos nos últimos oito mil anos, que o padrão de consumo atual já usaria 1,6 vezes a capacidade da terra suportá-lo e que, em 2050, será equivalente a duas vezes. Além disso, que desde 1970 teríamos perdido 58% da biodiversidade e, finalmente, que 3,5 bilhões de pessoas viverão em bacias hidrográficas sob estresse hídrico em 2025.


Apesar disso, a visão do WWF é que podemos produzir alimentos e conservar o ambiente ao mesmo tempo. As linhas de ação principais seriam: (1) engajar consumidores em hábitos de consumo sustentável; (2) promover as práticas de intensificação sustentável e engajar o setor privado a adotá-las; (3) promover mecanismos financeiros que contribuam para a conservação ambiental.


Deve-se, portanto, evitar o desmatamento, para manter os serviços ambientais das florestas, aumentando a produtividade em áreas consolidadas.


Dentre as iniciativas mostrou a parceria da WWF com a Associação Brasileira de Produtores Orgânica (ABPO) e a empresa Korin, para a produção de carne orgânica do Pantanal, as cartilhas para conservação de água e solo, parceira com a Embrapa Gado de Corte, pastagem e paisagem (parceira com a Embrapa Pantanal).  Com a Embrapa Gado de Corte, também participou da elaboração da “Lista de verificação” do BPA.


Tem parceria também com a Associação Sul-mato-grossense dos Produtores de Novilho Precoce (ANPMS), desenvolvendo uma ferramenta de georreferenciamento para avaliação da situação ambiental das propriedades. Com ela, será possível saber qual o passivo de cada propriedade para tomada de ação.


Há, ainda, a Colaboração para Florestas e Agricultura (CFA), na qual apoia as empresas a alinhar, desenvolver e implementar compromissos livres de desmatamento, melhorando as ferramentas de apoio à decisão, aumentando a transparência da informação e disponibilizando incentivos financeiros. Tem apoio da The Nature Conservancy (TNC) e da Gordon & Betty Moore Foundation.


Finalizou comentando que ONG, técnicos e produtores podem trabalhar juntos, com vantagens para todos.


O GTPS e a melhoria contínua da cadeia da carne: Em uma segunda parte do painel, houve a participação da coordenadora do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Beatriz Domeniconi, que lembrou que a motivação da criação do GTPS foi a mesma do BPA: fazer frente aos ataques à produção de carne bovina.


Ela mostrou os trabalhos sendo feitos, com destaque para de uma plataforma para geração de indicadores para a melhoria contínua para todos os elos da cadeia da carne. Um dos pontos fortes do GTPS é, exatamente, agrupar todos os partícipes da cadeia da carne. Ele completou ano passado dez anos de existência e o vídeo criado para comemorar essa data dá uma boa ideia da trajetória dele e os trabalhos atuais. A conexão para esse vídeo é https://www.youtube.com/watch?v=oiDNQvGCG3Y.


A plataforma GIPS (Guia de Indicadores da Pecuária Sustentável) é para ser usada na melhoria contínua, por meio da auto avalição da propriedade rural ou qualquer outro estabelecimento na cadeia de valor da pecuária bovina. Estão sendo feitos treinamento de multiplicadores para ensino do uso da plataforma GIPS e o engajamento de parceiros para uso dela (www.gips.org.br). Há oito projetos usando o GIPS parcialmente ou integralmente (aproximadamente 500 fazendas) em oito estados.


No caso de treinamento de multiplicadores, há três grupos de profissionais escolhidos como potenciais multiplicadores do GIPS: (1) Representantes de Insumos e Serviços e Técnicos de campo de instituições associadas ao GTPS, (2) Extensionistas – Sistemas de Extensão Rural (SENAR) e (3) Alunos de Universidades e Escolas Técnicas.


Espera-se que, com as informações do “GIPS”, conseguir responder perguntas como: Quais são os melhores indicadores de cada região? Quais são os que precisam de mais atenção? O que podemos fazer para ajudar a melhorar? Apoio do governo? Parceiros regionais? Eventos, dias de campo, treinamentos, palestras...?


Fechando esta segunda parte, Roberto Myano, da CEPTIS, falou sobre “Rastreabilidade segura para indivíduos bovinos”. A Ceptis é uma empresa integradora de tecnologias em tintas de segurança e rastreabilidade segura. Ela tem soluções de gestão para a integridade da cadeia de fornecimento. Agora, começa a trabalhar na agropecuária.


Comentários finais:  O que fica claro do Painel é que a produção de carne atendendo o tripé da sustentabilidade é buscada de várias formas e que elas não concorrem entre si, mas podem somar. Uma propriedade rural sustentável se assenta sobre três pilares: ser lucrativa, ser socialmente justa e ser ambientalmente saudável. Ser sustentável é durar.


No parágrafo anterior, o “lucrativa” não está em primeiro por acaso, mas porque ser “economicamente viável” é um passo, sem o qual, os demais fatalmente estarão comprometidos.


Por isso que o tema sustentabilidade é um assunto de interesse geral:  o que é insustentável não tem outro caminho a não ser acabar, sendo o "quando" apenas uma questão de tempo. No caso da produção de alimentos, isso não interessa a ninguém.  As palestras mostraram que há caminhos e gente interessada em ajudar os produtores a serem sustentáveis. É como diz o título: “Pecuária Sustentável: o que é bom deve durar!”.



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