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Scot Consultoria

Carne bovina artificial, comidas impossíveis e o futuro da pecuária


Terça-feira, 26 de janeiro de 2016 - 15h40

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.



Há várias iniciativas para produção de carne em laboratório. Ela é criada a partir de células musculares retiradas de um bovino vivo que, nutridas em meios de cultura, se multiplicam para criar tecido muscular, o principal componente da carne que comemos. Como o cultivo em meios de cultura é usualmente feito em placas de vidro, usa-se também o nome de carne in-vitro. Um grupo da Universidade de Maastricht tem conseguido avanços expressivos, mas preveem um produto comercial apenas para daqui 20 a 30 anos, ainda condicionado a que se ache um substituto para o meio de cultura (soro fetal bovino) e uma forma viável de produzir em grande escala¹.


Essa tecnologia ainda precisará dos animais como doadores de células. Outras tentativas de substitutos para carne almejam tornar desnecessária a criação de animais. É o caso da “Impossible Foods”, empresa do Vale do Silício que captou mais de US$180 milhões ano passado e que ambiciona criar produtos à base de vegetais tão parecidos com o produto animal original, que sejam aceitos pelo consumidor como se fossem os próprios.


Em comum, essas iniciativas tentam justificar sua existência baseando-se em propaganda fortemente centrada nos efeitos maléficos da pecuária de corte ao ambiente. Assim, o fundador da “Impossible Foods”, Patrick. Brown, dispara: “A pecuária é uma atividade tremendamente destrutiva e totalmente insustentável”.


É importante reconhecer que não foi o Sr. Brown que criou esse discurso. Ele vem há muito tempo sendo disseminado, junto com os ataques sobre efeitos negativos à saúde e aos protestos de defensores dos direitos dos animais. A carne in-vitro e o hambúrguer a base de vegetais simplesmente aproveitam a onda e, para manter-se no topo e avançar, reverberam e amplificam os argumentos anti-pecuária.


Necessário entender que uma parte das implicâncias ambientais contra a pecuária vem do contexto do sistema de produção americano. Nele, de forma geral, o bovino americano só conhece o pastejo junto com o leite materno. Após a fase da cria, predomina a engorda baseada em confinamentos com elevadas quantidades de concentrado, uso intensivo de diversos insumos (antibióticos, hormônios, etc.), muito maquinário e, consequentemente, maior gasto com energia.


A outra parte das implicâncias ambientais vem do contexto mundial de produção de carne, citando, por exemplo, que ¾ das áreas agriculturáveis do Mundo são destinadas à criação de animais, que o desflorestamento ocorre pelo avanço da pecuária, que há grande perda de solo em pastagens super pastejadas e assim por diante.


Como negócios são negócios, rigor científico a parte, no discurso anti-boi, são juntadas as piores partes das duas realidades opostas citadas acima, como se fossem uma só e representassem o todo. Cria-se assim o pior dos “Franksteins”, afinal o objetivo é causar susto, espalhar o horror e, se possível, gerar ojeriza.


O lado bom do sistema americano, deixado de lado pelos detradores da carne, é que ele é muito eficiente. Por exemplo, segundo dados do Ministério da Agricultura dos EUA, o país produziu em 2015, 10,8 milhões de toneladas de carne tendo um rebanho com menos de 90 milhões de cabeças, enquanto que o Brasil produziu 9,4 milhões de toneladas de carne com um rebanho de 213 milhões. 


Portanto, produziu 120 kg de carne/cabeça contra 44 kg de carne/cabeça no Brasil. O aumento de eficiência reduz o impacto da atividade e é especialmente benéfico para determinados índices, como o índice de emissão de gases de efeitos estufa (GEE). Esse índice informa quantos gramas de metano são emitidos para cada quilograma de carne produzida. Como, ao dobrar a produção de carne, o animal não dobra sua emissão de GEE, quanto maior o ganho, maior o efeito de diluição dos GEE, ou seja, menor o índice de emissão de GEE (g de metano/kg de carne).


Já no caso da produção de carne em pastagem, os pontos positivos reconhecidos até recentemente, e igualmente ignorados pelo Sr. Brown e companhia, seriam: (1) O animal viver em seu ambiente natural, portanto, mais de acordo com os anseios de uma sociedade cada vez mais preocupada com bem estar animal; (2) ser produzida com menos interferência humana reduz a suspeita de ter algum produto indesejável ao organismo humano e (3) não haver competição por alimentos usados pelo homem, afinal humanos não pastejam (ainda que em determinadas circunstâncias alguns exemplares da espécie possam nos dar a impressão de, pelo menos, passarem vontade!).


Nenhuma delas é mais o principal ponto positivo, pois, eis que, no momento em que a mão do homem no aquecimento global (AG) fica cada vez mais evidente, no qual as vozes dissonantes dos céticos ficam cada vez mais raras e desconectadas da realidade, vai se consolidando a estratégia de usar a produção de raízes das plantas como uma forma de ajudar a sequestrar o carbono (C) na atmosfera.


Assim, se o AG é fruto de nosso uso intensivo de combustíveis fósseis desde o Século XIX até os dias de hoje, que retirou (e continua retirando) do subsolo quantidades imensas de C, nada melhor que encontrar uma maneira biológica de retornar parte dele aos solos, ao mesmo tempo produzindo mais alimentos.


Essa semana, pelo mesmo grupo de cientistas escoceses e brasileiros citados no artigo de Setembro do ano passado neste mesmo espaço, foi publicado outro trabalho, ainda mais interessante, mostrando que desincentivar a produção pecuária em pastagens, ao contrário do que muitos acreditam, causaria aumento de emissão de GEE. O trabalho foi publicado numa das mais prestigiosas revistas científicas do Mundo² e basicamente demonstra que, como pastagens bem manejadas sequestram C, havendo queda de demanda pela carne, os cuidados com as condições das pastagens também seguirão a mesma direção, resultando em degradação. Um dos sintomas da degradação de pastagem é a perda de matéria orgânica, ou seja, mais C emitido para a atmosfera.


Aqui, as pastagens tropicais têm duas vantagens sobre os demais: (1) O crescimento das forrageiras é muito mais intenso, o que garante uma produção de massa de raiz muito grande e (2) os solos tropicais tem pouca matéria orgânica em relação aos solos em locais de clima mais amenos e, portanto, são como caixas espaçosas que podem armazenar quantidades imensas de C. 


O que precisamos continuar fazendo é aumentar eficiência da produção de carne brasileira, de forma a juntarmos, não no discurso, mas na prática, o lado bom já conquistado pelos EUA, mas com a produção baseada em pastagens.


A boa notícia é que nosso potencial em aumentar eficiência da produção de carne em pastagens é gigantesco. Podemos ter ganhos em todos os níveis da produção: Deveremos ter nos próximos anos o lançamento de forrageiras melhoradas que poderão ser melhor aproveitadas por animais de melhor genética, em sistemas de produção com suplementação alimentar cada vez mais estratégica (a qual inclui o uso estratégico do confinamento), usando melhores drogas, vacinas, aditivos e com manejo mais refinado e com as integrações com lavoura e floresta puxando ainda mais pra cima nossos índices. Isso sem contar em algumas façanhas científicas como transgenia, seleção genômica de animais, pecuária de precisão, nutrigenômica e nanotecnolgia que, quando incorporadas, podem permitir grandes saltos de produtividade.


O Brasil se tornou um dos maiores produtores e exportadores de carne bovina reduzindo a área de pastagem. As previsões para os próximos anos, é que ela se reduza ainda mais, mesmo com crescimento significativo e sustentado nos volumes de carne produzidos. Essa desconexão entre aumento de produção e desmatamento também desarma o discurso do boi como vilão ambiental, mas depende de que os ganhos em eficiência se mantenham.


A carne de laboratório holandesa e a comida impossível do Sr. Brown podem vir a ser competidores com os pecuaristas e não há nada que se possa fazer quanto a isto, exceto mostrar que o discurso adotado por eles não resiste a uma abordagem mais científica. Todos os envolvidos no setor podem contribuir a disseminar notícias positivas como as aqui relatadas para rebatê-los. Ainda mais importante, contudo, é manter o rumo e acelerar o passo para uma produção cada vez mais eficiente. 


[1] Há uma palestra sobre isso na Internet para os interessados em saber mais sobre o assunto (https://www.youtube.com/watch?v=FITvEUSJ8TM)


2 de Oliveira Silva, R. et al. (2016) Increasing beef production could lower greenhouse gas emissions in Brazil if decoupled from deforestation, Nature Climate Change, doi:10.1038/nclimate2916



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