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Scot Consultoria

Entre um agrônomo, um veterinário e um zootecnista, escolha sempre o que você achar o melhor


Terça-feira, 15 de dezembro de 2015 - 14h00

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.



Encontra-se em tramitação no Congresso o projeto de lei 1016/15, que, se aprovado, veta o exercício da zootecnia a agrônomos e veterinários formados após a entrada em vigência da lei. Evidentemente, as duas classes que terão restrições à sua atuação reagiram e nossa arena moderna de debates, as redes sociais, se encheram de defesa apaixonada pró e contra esse projeto de lei. Nenhuma delas, na minha opinião, vai ao cerne da questão.


Seja qual for a atividade, qualquer restrição que criemos em torno dela, reduz sua eficiência. Como nutricionista animal conheço bem isso, pois, quando formulamos uma dieta o que fazemos é atender restrições nutricionais. Quando uma delas for mais restritiva que o necessário, ela faz com que a solução ótima seja, no máximo, a segunda melhor, uma vez que tirando essa restrição acharemos uma solução tão boa quanto esta com a restrição, mas mais barata. Por exemplo, se os animais precisam de 15% de proteína e formulo para 16%, a dieta vai ser mais cara, mas o desempenho será o mesmo.


Pior ainda são restrições que impedem a livre escolha, pois além de encarecer a solução, podem resultar em dar o lugar para a segunda melhor opção. Por exemplo, ao criar uma restrição que apenas ingredientes da cor amarela podem fazer parte da dieta quando o melhor ingrediente para aquela fórmula fosse um da cor branca, deixa-se de fora a melhor opção e paga-se mais caro pelo mesmo resultado. Enfim, impossível ir contra o mérito e safar-se impunemente.


Basicamente, portanto, criar uma restrição dispensável apenas gera mais custo e reduz a possibilidade de escolher o melhor.  


Segundo a deputada autora da lei, ela intenciona consertar "a anomalia de ser conferido a alguém que não tenha cursado as disciplinas que compõem a grade curricular do curso de Zootecnia, para exercer em sua plenitude a profissão de zootecnista". De fato, alguém formado em Zootecnia tem grande vantagem para ser escolhido para uma vaga na qual se exerça a zootecnia. É tão lógico que deveria ser suficiente para caracterizar a lei proposta como desnecessária.


De fato, com o aumento da oferta de zootecnistas, o número de agrônomos e veterinários que exercem a zootecnia "em sua plenitude" tem-se naturalmente reduzido com o tempo. Como esperado, o mercado de trabalho tem se incumbido de fazer isso eficientemente de maneira livre. Isso permite a escolha dentro de um universo maior e, se o contratante considerar o agrônomo ou o veterinário sua opção, ele tem assegurada sua liberdade de escolha, garantindo um sistema mais arejado e saudável.


Essa "solução de mercado" tem um outro componente virtuoso que é ser isenta, não escolhendo lado, assim, um zootecnista poderia ser contratado para uma atividade em que se esperasse a escolha "natural" por um agrônomo ou um veterinário.  


É verdade que deve haver algumas atividades privativas de cada uma das profissões. Essas atribuições específicas de cada profissão, todavia devem existir apenas se de interesse real da sociedade. Infelizmente, nossos órgãos de classe têm o mal hábito de criar reservas de mercado, usando a sociedade e seres envolvidos apenas como um conveniente pretexto, em geral, de maneira irrealista e forçada.


A realidade que se impõe é que a preocupação da nobre deputada quanto à grade curricular tem cada vez menos importância num mundo em que temos o acesso a informação de qualidade nas pontas dos dedos via Internet. Mais do que nunca, a tecnologia amplia as possibilidades de atuação profissional. Assim, um jovem veterinário pode dominar a ciência da formulação de suplementos alimentares e ser um profissional de sucesso na área. Um brilhante zootecnista pode se tornar um fantástico especialista em solos. Um desprendido agrônomo pode se tornar um gênio da formulação de rações de animais de estimação. A não ser que tenha uma lei que os impeça! Se houvesse uma lei dessas na área de computadores nos EUA, exigindo o diploma para dois desistentes dos bancos das universidades exercerem sua profissão, o prejuízo causado por ela seria talvez não existir a Microsoft e a Apple!


Ainda com relação à formação dos profissionais, temos que lembrar que a maiora das pessoas ingressa na faculdade com menos de 20 anos de idade e, normalmente, não tem seu futuro profissional delineado claramente. O rumo acaba se definindo durante a graduação (ou até depois dela). Limitar a escolha desse futuro profissional, pode ser uma desperdício de talento, caso a atuação alternativa seja aquela em que esse jovem iria ter a melhor atuação.


Podemos ter uma ideia do impacto da restrição ao exercício da profissão pensando em quantas pessoas "deslocadas" de suas formações acadêmicas originais exercem com sucesso outras atividades. Aposto que cada leitor tem seu "deslocado favorito". Trabalho ao lado do lado do meu melhor exemplo, pois, apesar do diploma de engenheira agrônomo, minha colega Dra. Cacilda Borges do Valle, escolhida entre os 10 heróis da Revolução Verde Brasileira por seu trabalho no desenvolvimento de cultivares de braquiária, formou-se com a especialidade em silvicultura. Na atualidade, as fronteiras entre as diferentes formações universitárias perdem ainda mais a importância. Colegas que trabalham com biologia molecular estão num nível comum a todos os seres vivos e, portanto, faz ainda menos sentido limitar a atuação profissional baseada no que se estudou nos bancos da universidade.


Outra questão bastante atual no agronegócio brasileiro é que não há atividade que traga mais relações ganha-ganha do que as  produções integradas, seja integração lavoura-pecuária (ILP) ou integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Devemos abrir mão de toda a força de trabalho para incorporarmos uma técnica que reduz a necessidade de novas áreas, aumenta a eficiência produtiva, capitaliza o produtor e ajuda na redução do impacto ambiental da produção de alimentos e madeira? Qual opção atende melhor as necessidades e trás mais benefícios à sociedade?


Para realizarmos o potencial de 20-30 milhões de hectares de sistemas integrados é melhor contarmos com todos os profissionais das agrárias, com o mínimo de limitação em sua atuação profissional. Restringirmos a ação de cada um significa encarecer e atrasar a adoção da prática.


O pior erro que cometemos, contudo,  é fazer da discussão deste projeto de lei uma briga de classes, com uma delas querendo criar privilégios sobre as outras e as outras também fechadas em seus privilégios, na contra-mão de uma ambiente mais livre e fácil para se conseguir avanços.


Desligar a noção de que formação universitária garante competência profissional é se dobrar a realidade. Um futuro engenheiro agrônomo, médico veterinário ou zootecnista, que nos bancos das universidades sabe que terá que competir com todo espectro de futuros profissionais das agrárias nos espaços em que há sobreposição entre as profissões, tem mais um motivo para não se descuidar com sua formação e, na real, tem bem mais chance de convencer com sua atuação que ele é a melhor escolha de quem, por livre opção, dará essa oportunidade a ele.


Haveria mais a falar, como o caso de cobrar outro tipo de atuação dos nossos conselhos de classe mais voltado para avaliar a qualidade da formação de novos profissionais. Todavia, para encurtar, gostaria de concluir que deveríamos aproveitar que esse momento difícil fragiliza velhas resistências e tratarmos de remover entulhos, que estreitam o caminho do progresso, e amarras que fazem a gente seguir lentamente rumo ao progresso. Enfim, o caminho oposto para onde quer nos levar esse projeto de lei!



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