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Scot Consultoria

A miopia seletiva da presidente e a esperança portenha


Quarta-feira, 9 de dezembro de 2015 - 14h00

Problemas sociais - soluções liberais
Liberdade política e econômica. Democracia. Estado de direito. Estado mínimo. Máxima descentralização do poder.


O gosto pela literatura é, para mim, característica determinante na formação intelectual do ser humano. Se você deseja se expressar bem, sugiro que leia. Se o desejo é escrever bem, primeiramente leia. Para toda e qualquer pretensão de cunho intelectual a receita é a mesma: leitura, leitura e mais leitura! Mas vamos com calma, caro leitor. É preciso filtrar bem o conteúdo (blog chapa branca não vale, ok?!). O advento da internet facilitou muito o acesso aos clássicos da literatura. Não faltam Ebooks e PDFs para download gratuito. Entretanto, confesso, gosto mesmo é do bom e velho livro físico. O cheiro inconfundível das folhas ainda virgens, as marcas do tempo, os rabiscos e marca textos nas paginas já folheadas. Na minha estante, entre clássicos liberais e livros da faculdade, tenho dezenas de exemplares desses. Conan Doyle, Allan Poe, Chesterton, Ayn Rand, além de muitos autores brasileiros. Todos dividindo harmoniosamente seu lugar de destaque na sala da minha casa. Dizem que quem lê vive mil vidas antes de morrer. Arrisco dizer que, mais do que isso, compreende melhor essa que periga ser a única! Não raro encontro traços e semelhanças entre as estórias e a história.


A última foi a seguinte: em seu romance O Velho e o Mar, Ernest Hemingway, Nobel de Literatura de 1954, narra a história de Santiago, um velho pescador que, acometido por uma maré de azar e alvo de chacota dos outros pescadores, se põe ao mar para provar que ainda é capaz de pescar um peixe de respeito. Incentivado por Manolin, seu melhor amigo, Santiago rema sua esquife mar adentro na Corrente do Golfo. Após várias tentativas frustradas (havia meses que não fisgava um único peixe sequer), o velho pescador sente finalmente um solavanco em uma de suas linhas. Sentir o puxão ligeiro era uma felicidade. "Que peixe!", exclamou o velho. Experiente, deu linha para a presa de modo a cansá-la e enfim trazê-la para o barco. A partir daí, empreende-se uma batalha que duraria dias, não só entre o velho pescador e o espadarte, mas entre o homem e a natureza, entre o homem e seus demônios, à deriva em sua pequena embarcação.


Em episódio recente, mais especificamente junho passado, uma comitiva formada por senadores brasileiros, encabeçada por Aécio Neves (PSDB) e Ronaldo Caiado (DEM), foi à Venezuela com o intuito de pressionar o presidente Nicolás Maduro a libertar presos políticos e marcar eleições parlamentares (que acontecerão no próximo dia 06 de dezembro). Lá chegando, os senadores foram recepcionados por Mitzy Capriles, esposa de Antonio Ledezma, prefeito de Caracas detido pelo exército bolivariano sem mandado de busca ou prisão, sob a acusação tentar promover "um golpe de estado", nas palavras do próprio Maduro, em pronunciamento logo após o episódio. Também esteve presente na recepção o embaixador brasileiro na Venezuela, Rui Pereira. Todavia, por motivos não esclarecidos, o embaixador preferiu não acompanhar a visita. A comitiva brasileira, porém, não chegou nem perto de se encontrar com presos políticos ou mesmo com autoridades venezuelanas. Ao contrário, a van que levaria os senadores ao encontro de Leopoldo López, outro oposicionista preso pelo regime bolivariano, foi cercada e atacada por militantes pró-Maduro ainda nas cercanias do Aeroporto de Caracas. A ação foi filmada e divulgada nas redes sociais pelos senadores. Também uma importante avenida próxima ao aeroporto foi bloqueada pela Polícia Nacional Bolivariana, em ato orquestrado para bloquear a passagem da comitiva brasileira. Após mais de 6 horas esperando, sem sucesso, suporte do governo venezuelano, os senadores decidiram retornar ao Brasil.


Embora o tratamento dispensado aos parlamentares deva ser considerado um grave incidente diplomático, não se pode dizer que tenha causado estranheza. É fato que a Venezuela vive uma falsa democracia há tempos. Nicolás Maduro, ainda que eleito (ao que consta) democraticamente, ostenta ares de ditador. Atenta constantemente contra a liberdade de imprensa, seja cancelando vistos de trabalho de profissionais da CNN, seja proibindo a cobertura jornalística em locais estratégicos como a Assembléia Nacional, obrigando os outros veículos a retransmitir o sinal gerado pela VTV, emissora estatal, como aconteceu em janeiro passado quando foi ao congresso discursar sobre projeções futuras. Em atitude ainda mais grave, requisitou junto aos parlamentares venezuelanos a aprovação da "Lei Habilitante", cuja aprovação pelo congresso (de maioria governista) garantiu amplos poderes para Maduro governar por decreto, em assuntos de segurança e defesa, até o final de 2015. Maduro, tal qual seu antecessor e mentor Hugo Chávez, não aparenta ter limites na ganância pelo poder. Não se contenta com a posição alcançada. Deseja, cada vez mais, ser voz uníssona no país vizinho. E qualquer um que discorde de qualquer ponto ou aspecto das suas idéias é imediatamente considerado ameaça à nação.


Porém o fato mais grave constatado, não só no episodio em questão, mas ao longo dos últimos anos, é a condescendência do governo brasileiro frente às atitudes antidemocráticas e ditatoriais recorrentes naquele país. Enquanto o mundo assistiu estupefato à violentíssima repressão por parte do governo aos protestos do povo venezuelano, resultando em dezenas de mortos, em 2014, o planalto se manteve calado, como se não tivesse como nação o direito, e como maior território, maior economia e maior população da América Latina, o dever de questionar o governo venezuelano a respeito dos direitos humanos, tão defendidos pela bancada petista no congresso. Em fevereiro, quando no episódio da prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, o PT declarou apoio a Maduro e "repúdio a quaisquer planos de golpe contra o governo de Nicolás Maduro", em nota assinada pelo presidente do partido, Rui Falcão.


O argumento para tamanha conivência, à época, poderia ser de que o Brasil não estava sendo diretamente afetado. Pois bem, desde junho esse argumento não é mais legitimo. Houve, de fato, repressão aos parlamentares brasileiros em Caracas, que tiveram inclusive sua integridade física comprometida . A Venezuela, enquanto membro do Mercosul, tinha a obrigação de garantir a segurança da comitiva brasileira, conforme o Protocolo de Ushuaia.


Passadas 24 horas do ocorrido, o posicionamento do Itamaraty se limitou a uma nota em seu site oficial lamentando os fatos. Em alguns dos principais blogs de noticias políticas do país, o comentário era de que a presidente não teria ficado nem um pouco satisfeita com o "constrangimento causado pelos senadores". Segundo ela, a visita da comitiva brasileira teria sido uma afronta à soberania da Venezuela. No entanto, o que Dilma, do alto de sua arrogância, não se deu conta é que não se tratava de uma turba paga a pão e mortadela. Gostemos deles ou não, os brasileiros presentes em Caracas eram representantes do povo brasileiro em cargos dos mais importantes da república, eleitos democraticamente e em pleno exercício de seus mandatos. E levados até lá em avião da FAB! O governo federal tinha obrigação de se posicionar firmemente, o que, como sabemos, não aconteceu em nenhum momento. E tudo indica que, pelo menos enquanto Dilma lá estiver, não acontecerá!


A oposição que se esperava do governo Brasileiro, no entanto, deverá vir de uma capital mais ao sul. E ao som de tango. Mauricio Macri, ex-presidente do Boca Juniors, prefeito de Buenos Aires e recém eleito presidente da Argentina, promete ser a pedra no sapato de Nicolás Maduro. Já no dia seguinte à eleição, durante sua primeira coletiva após confirmado o resultado das urnas, Macri reafirmou o compromisso de buscar a suspensão da Venezuela do Mercosul por conta das inúmeras acusações de abusos de direitos e perseguições a políticos da oposição por parte do governo bolivariano de Maduro. "É evidente que a cláusula (democrática) do bloco deve ser invocada porque as acusações são claras e sem dúvidas não foram inventadas", disse Macri aos presentes. A cláusula democrática em questão prevê a punição de governos antidemocráticos com o isolamento do grupo. "Há poucos dias mataram um dirigente da oposição. O que acontece na Venezuela rompe com o espírito democrático referente aos direitos humanos, ao respeito dos opositores, à intervenção das forças armadas no governo. E é dever da Argentina dizê-lo", disse Marcos Peña, chefe de gabinete do governo Macri, em entrevista aos jornais Argentinos.


A proposta do agora presidente deve ser formalizada tão logo ele seja empossado no cargo, o que ocorre já no dia 10 de dezembro. Macri alega que a democracia não é plena na Venezuela, uma vez que opositores ao regime do Presidente Nicolás Maduro estão presos. O governo brasileiro, porém, parece não estar muito entusiasmado com as pretensões do "hermano". Ao que tudo indica, para a presidente Dilma Rousseff as barbáries ocorridas na Venezuela, por si sós, não são suficientes para invocar a Cláusula Democrática do Mercosul para que seja proposta a suspensão do seu quadro de membros. "É preciso haver fatos qualificados para fundamentar a proposta, não cabem acusações genéricas", argumenta a presidente. Dilma, pasmem os senhores, também declarou esperar por uma reconsideração de Mauricio Macri sobre a Venezuela. Sim, a mesma Dilma, do mesmo PT. Eles mesmos, que classificam qualquer critica ao seu capenga e agonizante governo como "golpismo, elitismo, perseguição" e outras imbecilidades do gênero. Aos companheiros, a conivência, a Petrobras, o BNDES, os cargos de confiança, os mensalões e petrolões e outras maracutaias mais. Aos inimigos, nem a lei. Vide a disparidade no tratamento dispensado aos caminhoneiros quando esses, dias atrás, decidiram paralisar as rodovias, em relação ao seu braço armado Movimento Sem Terra (MST), tão acostumado a promover balbúrdias Brasil afora.


Se o Itamaraty não vê motivos para se preocupar em relação às barbáries ocorridas recentemente na Venezuela, o povo brasileiro vê! Talvez por solidariedade aos vizinhos, talvez por enxergar aqui um reflexo do que já aconteceu por lá.


Nossa vizinha Argentina daqui em diante terá muito mais a nos oferecer que somente o maior clássico futebolístico do mundo, seus excelentes Malbecs e temporadas de neve a poucas horas de voo. Mais do que (não só) isso, tem esperança a oferecer. Não a nós, brasileiros, mas a toda a América Latina, tão molestada pelos membros do Foro e suas ideologias falidas. Obviamente, é preciso aguardar o desenrolar dos fatos.


Como o leitor está cansado de saber, o politico é o animal com melhor olfato na fauna da democracia. Basta um mínimo sopro indicando mudança de interesse do povo e lá estão eles, defendendo bravamente o que dias antes ignoravam completamente. Espero sinceramente que, dessa vez, não seja o caso.


Voltando à historia contada no inicio desse texto, a presidente Dilma (para ser bondoso) está atualmente em situação semelhante a do velho pescador. Não desfruta de muito crédito entre seus pares, e há tempos não dá mostras que indiquem perspectiva de melhora. Não se trata somente da passividade a respeito dos incidentes acontecidos na Venezuela. A inflação, velha conhecida, está de volta ao nosso cotidiano e cada vez maior. A perspectiva de crescimento a curto prazo, mesmo entre os mais otimistas, é nula. A realidade atual é como minimizar o estrago. Previdência e segurança publica são tragédias diárias, cada uma à sua maneira.


Em O Velho e O Mar, Santiago, o pescador, após dias à deriva lutando contra o espadarte e a natureza, consegue finalmente levar o peixe até a praia. Para sua desgraça, o que sobrou foi somente a espinha do bicho. Dilma não apresenta sinais de que levará o barco que comanda de volta à terra firme. Se o fizer, certamente não será com melhor sorte que o velho Santiago. E o estômago brasileiro já está roncando!


Por Marlon Reguelin 



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