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Scot Consultoria

O problema não é a ganância, mas o inchaço do Estado


Quarta-feira, 17 de dezembro de 2014 - 16h09

Problemas sociais - soluções liberais
Liberdade política e econômica. Democracia. Estado de direito. Estado mínimo. Máxima descentralização do poder.


Dia desses, discutíamos numa mesa de bar a corrupção endêmica na Petrobras quando alguém resolveu levantar o velho sofisma da ganância como causa principal do problema.  Por mais despropositado que nos possa parecer, este não é um argumento raro, nem está presente apenas na boca de energúmenos.  Gente do quilate de um Joaquim Barbosa, por exemplo, já andou dizendo platitudes do gênero.


De pronto, rebati aquela bobagem citando o economista Lawrance H. White, para quem "culpar a ganância dos agentes pelo problema é o mesmo que culpar a força da gravidade pela queda de um avião". Tal qual a gravidade nos eventos de natureza física, a ganância estará quase sempre presente nas interações dos indivíduos no mercado.  Perguntei então quem ali, de forma legítima, não optaria pelo preço que proporcionasse o maior lucro possível na venda de um carro usado?


Aqueles de nós que defendem o verdadeiro capitalismo, não raro costumam enfrentar esse tipo de argumento, onde a ganância de uns poucos privilegiados é responsável não apenas pelos mais diversos crimes, mas também pela pobreza atroz da humanidade e pelo aumento constante das desigualdades. Vejam a seguinte passagem, da lavra do papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:


"Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, a maioria está cada vez mais longe do bem-estar da minoria feliz. Esse desequilíbrio resulta de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Daí, negam o direito de controle dos Estados e sua aplicação para bem comum. Uma nova tirania invisível, por vezes virtual, que impõe, implacável e unilateralmente, suas leis e suas regras se instaurou... Tudo isso, adicionado a uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões globais. O desejo de poder e de ter não conhece limites. Neste sistema, que tende a engolir tudo a fim de aumentar os lucros, qualquer coisa que é frágil, tais como o ambiente, é impotente frente aos interesses de um mercado divinizado, convertido em regra absoluta."


Esta é a imagem que muitas pessoas têm do capitalismo ao redor do mundo, um sistema que privilegia a ganância das grandes corporações em detrimento de todo resto. Um sistema que pretende tirar poderes do Estado para facilitar a tirania do capital.


Embora o papa não esteja muito errado no seu diagnóstico a respeito do capitalismo praticado atualmente na maioria dos lugares, ele erra na solução: sua receita é dar mais poder e dinheiro aos governos, algo análogo a tentar curar um viciado com doses maciças de droga.


O papa provavelmente nunca parou para pensar nisso, mas existem basicamente duas maneiras de um empresário tornar-se bem sucedido - ambas movidas pela ganância. Na primeira, ele deve produzir bens ou serviços que atendam aos interesses do consumidor, gerando resultados desejáveis para a sociedade. Na outra, utiliza-se de meios políticos para obter do governo vantagens para o seu negócio.


Aqueles que, como Francisco, condenam o sistema de livre mercado normalmente o fazem considerando que exista apenas a segunda alternativa, e que tal modelo seja sinônimo de capitalismo liberal.  Não é!


O que existe hoje na maior parte do mundo nem de longe se assemelha ao capitalismo de livre mercado, mas algo completamente diferente.  Alguns chamam de "capitalismo de compadres", outros de "capitalismo de Estado".  Em resumo, trata-se de uma parceria predatória, que junta governo e grandes conglomerados, com o fito de extrair riqueza da sociedade para seus próprios benefícios.


O fato de que muitos sofram sob esse sistema perverso, como menciona o papa, entretanto, não deveria ser nenhuma surpresa. O cronismo predatório tem imperado ao longo da maior parte da história humana, tendo sido o principal obstáculo ao progresso econômico de muitos países, desde priscas eras, como tão bem relatam, com riqueza de detalhes, Daron Acemoglu e David Robinson no excelente "Por que as Nações fracassam".


Na verdade, pode-se argumentar que o cronismo é tão antigo quanto a história da humanidade, tendo sido o sistema dominante através dos tempos, com raríssimas exceções por curtos períodos (principalmente no Ocidente, nos Séculos XVIII e XIV). Como bem demonstram Acemoglu e Robinson, foi precisamente por causa do cronismo (que eles chamam de modelo extrativista) que a humanidade foi incapaz de alcançar progressos maiores na superação da pobreza.


O problema não está na ganância, que é algo inerente ao ser humano, mas na existência de modelos que a direcionem para a pilhagem da propriedade alheia.  Sempre que os governos detiverem poder tanto para levar empresários à fortuna quanto à ruína, o compadrio político será inescapável. Tocar um negócio num sistema competitivo, obtendo lucros exclusivamente através da troca voluntária de mercadorias e serviços, não é algo fácil e envolve imensos riscos. Obter benesses e contratos altamente lucrativos junto a políticos e burocratas é muito mais fácil.


Portanto, quanto maior e mais poderoso é o governo, especialmente quando o Estado se confunde com o próprio sistema econômico, mais os empresários sentir-se-ão incentivados a buscar rendas através do desvio de dinheiro público e dos favores especiais, e não pela eficiência, pela inovação e pela satisfação do consumidor. 


Por João Luiz Mauad



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