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Scot Consultoria

Reforma do Código Florestal: entenda a "anistia a desmatadores"


Segunda-feira, 23 de abril de 2012 - 16h50

Amazônida, engenheiro agrônomo geomensor, pós-graduado em Gestão Econômica do Meio Ambiente (mestrado) e Geoprocessamento (especialização).


Você que está buscando informações sobre a reforma do Código Florestal deve estar ouvindo e lendo por aí que o novo relatório do deputado Paulo "anistia desmatadores". Peço alguns minutos do seu tempo para tentar explicar o que exatamente a mídia está chamando de "anistia a desmatadores".

O Código Florestal vigente exige a recuperação de uma faixa de mata nas margens de cada rio existente no país, são as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margem de rio (existem outros tipos de APPs). A largura dessas faixas varia de acordo com a largura do rio. Na lei atual, vigente, as faixas são:


de 30m para os cursos de água de menos de 10m de largura;
de 50m para os cursos de água que tenham de 10 a 50m de largura;
de 100m para os cursos de água que tenham de 50 a 200m de largura;
de 200m para os cursos de água que tenham de 200 a 600m largura; e
de 500m para os cursos de água que tenham largura superior a 600m.


Essas APPs são áreas cuja preservação é extremamente importante à conservação dos recursos hídricos, elas evitam que as enxurradas levem terra para dentro dos cursos de água assoreando os rios. As faixas de mata conservadas nas margens dos rios fazem conexão entre maciços florestais eventualmente existentes, etc. São muitos os benefícios ambientais oriundos da preservação das APPs de beira de rio.

O problema é que o Código Florestal impõe o custo da recuperação e da preservação dessas APPs aos proprietários rurais. Alguns, os grandes e mais capitalizados proprietários rurais podem arcar com esse custo tranquilamente, mas quanto menor é a área do imóvel, pior é o efeito da imposição das APPs aos produtores rurais. Veja o exemplo do esquema abaixo:

Figura 1.  Desenho esquemático: rio (azul), APP (verde), grande fazenda A e pequeno imóvel B.


 


Suponha que o rio (azul) do esquema acima, em função das faixas de APP da lei vigente, obrigue os donos das fazendas A e B a recuperem a APP verde do esquema. Repare que área perdida na fazenda A, maior, em relação à área total da fazenda é relativamente pequena. Entretanto, a área perdida para a APP verde na fazenda B, menor, em relação à área total da fazenda é relativamente grande. Quanto menor é o imóvel, pior é esse efeito causado pelas faixas fixas de APP impostas pelo Código Florestal. Veja, por exemplo, o documentário abaixo:



Durante o processo de reforma do Código Florestal esse sempre foi um ponto nevrálgico e a razão disso é exatamente a importância ambiental das APPs de beira de rio que precisam ser preservadas e o efeito avassalador que a forma encontrada na lei vigente para preservá-las tem nos pequenos produtores rurais.

Nas negociações que ocorreram entre o deputado Aldo Rebelo e a ministra Izabella Teixeira durante a primeira passagem do texto pela Câmara dos deputados não houve acordo sobre esse ponto. A ministra Izabella não abriu mão das APPs de beira de rio sem se importar com o efeito que essa imposição tem nos pequenos produtores e o deputado Aldo Rebelo, comunista que é, se recusou a incluir em seu relatório algo que ele sabe claramente que prejudicará a agricultura nacional, mais os pequenos agricultores do que os grandes.

Dada a postura de certa maneira irresponsável da ministra Izabella Teixeira fechando a posição do governo em torno de uma matéria que prejudicaria pequenos produtores rurais, a solução foi encontrada então pelos deputados à revelia do governo. A Câmara aprovou a emenda 164 que remetia a definição da largura das APPs aos estados que deveriam então ponderar não apenas a largura do rio, mas também o tamanho de cada imóvel por ocasião do licenciamento ambiental.

Quando o texto passou pelo senado essa solução foi substituída novamente pelo estabelecimento de metragens fixas no artigo 62 do texto. O texto do senado então trouxe de volta as faixas (com outras metragens) e o efeito que elas têm sobre pequenos produtores rurais. O ministério do Meio Ambiente estima que a redação do senado levará a recuperação de 33 millhões de hectares de áreas verdes como a do esquema acima, que afetarão de forma distinta grandes e pequenos produtores. Por essa razão os deputados que defendem o setor rural na Câmara se recusaram a ratificar o texto do senado no final do ano passado e trouxeram o ponto novamente à discussão.

Diante de um novo impasse com a ministra Izabella Teixeira não abrindo mão das faixas de APP, a solução encontrada pelo novo relator da matéria na Câmara, o deputado Paulo Piau, foi excluir o artigo 62 que estabelece as tais faixas de APP de margem de rio. O efeito do artigo 62 entre os pequenos produtores de Minas Gerais é tão medonho que há quem diga que seria a morte político de Piau se ele tivesse agido diferente.

Com a redação dada por Paulo Piau ao Código Florestal, nem o produtor A, nem o produtor B, do esquema acima estarão mais obrigados a recuperar com seus próprios recursos a faixa verde de APP do esquema. Essa definição teria que ser feita posteriormente pelo governo através de Medida Provisória ou de um Projeto de Lei. É isso que a mídia, os fundamentalistas de meio ambiente e a própria ministra Izabella Teixeira, estão chamando "anistia a desmatadores".

No fundo "anistia a desmatadores" é um termo pejorativo, com o qual ninguém concorda, que os ambientalistas radicais estão usando para arrebanhar o apoio da sociedade à imposição do ônus da recuperação de APPs aos produtores rurais, o que arranhará grandes produtores, mas destruirá completamente os pequenos. A sociedade jamais apoiaria isso se os ambientalistas radicais não conseguissem associar o ato a uma coisa feia como "anistiar desmatadores". A imprensa, que ignora minúcias do Código Florestal, se presta a esse papel repetindo os chavões. Mas a atitude de Piau de retirar o artigo 62 não é mais irresponsável do que a atitude de Izabella de incluí-lo.

Razão do impasse e uma solução possível

Como já me referi acima, a razão do impasse nesse ponto do Código Florestal está na incontestável necessidade de se preservar as APPs frente ao efeito avassalador que a solução encontrada na lei vigente tem sobre a agricultura nacional. No fundo, a sociedade brasileira não pode ficar sem as APPs, muito menos pode chacoalhar a estrutura fundiária do país desfavorecendo pequenos agricultores. Estamos aprisionados entre duas soluções irresponsáveis, a dos ambientalistas que atocha de forma inconsequente o custo da preservação das APPs nos produtores rurais e a solução de Piau que não prevê a necessária preservação das APPs.

A saída talvez seja negar a solução de ambos. O governo deve impor aos produtores rurais as APPs, desde que forneça as condições de continuar no campo. O estado deve exigir a recuperação das APPs, mas com salvaguardas que assegurem a vida econômica dos agricultores brasileiros.

No atual estágio da reforma do Código Florestal não é mais possível alterar o texto para incluir uma solução. Minha sugestão é que o governo aprove o relatório de Piau, ou vete o artigo 62 de texto do senado caso este venha a ser aprovado. Depois envie uma Medida Provisória ou um Projeto de Lei que institua formas de recuperação de APPs e estabeleça incentivos e salvaguardas que defenda a agricultura nacional da irresponsabilidade do ambientalismo radical.



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