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Scot Consultoria

Por que o uso do solo na Amazônia é extensivo?


Terça-feira, 6 de setembro de 2011 - 08h59

Amazônida, engenheiro agrônomo geomensor, pós-graduado em Gestão Econômica do Meio Ambiente (mestrado) e Geoprocessamento (especialização).


Semana passada o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Embrapa divulgaram o resultado do projeto TerraClass. O projeto mapeou o uso das áreas já abertas no bioma Amazônico. De acordo com o estudo 18% do bioma foi desmatado e está hoje ocupado com algum tipo de agricultura e, principalmente, cerca de 62% da área aberta, por pecuária. Participaram do anúncio dos dados a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o Ministro da Ciência e Tecnologia, Aluízio Mercadante e o diretor do Inpe, Gilberto Câmara. Segundo Câmara, os números mostram "que a pecuária ainda hoje é extensiva e precisa de politicas públicas para se intensificar e usar a terra que foi roubada da natureza. Não é, nem do ponto de vista econômico, um uso nobre das áreas." A Ministra Izabella engrossou o coro, segundo ela "está provado que a agricultura anual, consolidada, não é a responsável pelo uso das terras desmatadas da Amazônia". Para Izabella, "nós temos que ter políticas para dar eficiência, aumentar a produtividade da pecuária e dirigir essas terras que já estão destinadas para a pecuária com baixo uso para a produção agrícola." Para mim, que vivo na Amazônia, as palavras da Ministra Izabella Teixeira são espantosas. Durante meus trabalhos na Amazônia eu conheci o Seu Afonso Vieira Simões. Seu Afonso veio para Amazônia nos anos 70, comprou um naco de terra e recebeu um documento do antigo IBDF (antecessor do Ibama) autorizando o desmatamento de 50% da área conforme permitia a lei da época. Seu Afonso desmatou e plantou pasto. Nos últimos anos Seu Afonso transformou seus velhos pastos em área agrícola. Uma das fazendas de maior potencial produtivo que conheço. Sabe o que aconteceu? O Ibama, subordinado ao Ministério da Dona Izabella Teixeira, apareceu lá um dia, não encontrou os 80% de Reserva Legal exigidos pela lei hoje, multou o Seu Afonso, embargou a área agrícola e apreendeu toda a soja que estava armazenada nos silos da fazenda. As palavras da Ministra Izabella Teixeira são espantosas porque eu conheço a Fazenda Boa Sorte, em Paragominas. No início dos anos 90 o governo do Pará fez um esforço de política pública para transformar pecuária extensiva em agricultura – lembra-se das palavras da Ministra? "Nós temos que ter políticas para dar eficiência, aumentar a produtividade da pecuária e dirigir essas terras que já estão destinadas para a pecuária com baixo uso para a produção agrícola." – Pois é o governo do Pará fez isso na Fazenda Boa Sorte. Trouxe do sul agricultores com know-how e arranjou financiamento para o investimento na conversão dos velhos pastos em área agrícola. Sabe o que aconteceu? O Ibama, subordinado ao Ministério da Dona Izabella Teixeira, apareceu lá um dia, multou o dono da Fazenda Boa Sorte, embargou a área agrícola da fazenda e apreendeu toda a soja que estava armazenada nos silos. As palavras da Ministra Izabella Teixeira são espantosas porque eu, recém-formado, trabalhei com intensificação de pecuária na Amazônia. Eu adorava fazer aquilo. Chegava nas fazendas, fazia um diagnóstico inicial, planejava a intensificação, projetava os novos piquetes, as novas aguadas, a reforma dos pastos, adubação necessária às altas lotações, as etapas, conseguia financiamento, enfim. Cheguei a levar fazendas de 0,7 UA/ha/ano a 2,3 UA/ha/ano. Sabe o que aconteceu? Os ambientalistas de gabinete entraram numa histeria de que o governo estava financiando o desmatamento com recursos dos bancos públicos e o governo foi obrigado a encerrar a linha de financiamento para intensificação de pecuária que movia meu sistema de intensificação de fazendas. Várias das fazendas de altíssimo padrão de produção, foram multadas pelo Ibama porque não atendiam às exigências do Código Florestal. A maioria delas hoje está novamente presa ao sistema extensivo, sem licenciamento ambiental, algumas tiveram as matrículas canceladas, viraram posse e não podem mais receber financiamento porque não podem ser hipotecadas. Se o uso da terra na Amazônia hoje ainda é extensivo isso se deve em grande medida à forma histérica como o movimento ambiental aborta a questão amazônica. O Estado não consegue diferenciar ruralista bom, de ruralista ruim. Não conseguindo, persegue todos. Se um produtor rural do Pará for à Secretaria de Meio Ambiente pedir licença ambiental para transformar pasto degradado em agricultura de alto padrão ele não vai conseguir. Se for a um banco pedir recursos para levar sua fazenda de 0,5 cabeça por hectare para 3 cabeças por hectare, ele não vai conseguir. Se procurar assistência técnica para fazer a mudanças não vai conseguir. As palavras da Ministra Izabella Teixeira e de Gilberto Câmara são espantosas porque são irresponsáveis. Elas transferem a responsabilidade do mau uso das terras da Amazônia, deles próprios, do Estado, para o produtor rural. A opção do Governo Militar por ocupar a Amazônia nos anos 60 com pecuária extensiva foi deliberada. Era a forma mais eficiente de ocupar vastas áreas com os poucos recursos e as poucas pessoas disponíveis. Cidadãos brasileiros foram instados a irem para uma região inóspita, sem governança, sem estradas, sem luz elétrica, sem infraestrutura, sem escolas, sem hospitais. Muitos atenderam ao chamado do governo e morreram de malária, de calazar, de febre amarela, por falta de atendimento médico numa região sem estradas. As palavras da Ministra Izabella Teixeira e de Gilberto Câmara são irresponsáveis porque o cidadão da Amazônia é o ultimo culpado pelo uso inadequado das terras da região. Os cidadãos da Amazônia são heróis que deram e dão o sangue, a saúde, a força de trabalho à integração de uma região esquecidas pelos cidadãos do Brasil. Os cidadãos da Amazônia foram instados pelo Estado a usarem de forma extensiva as terras da região no passado, e forçados a continuar usando de forma extensiva as terras da região no presente pelo mesmo Estado. Os cidadãos da Amazônia são heróis, porque se 18% da floresta Amazônica foi destruída, significa que 82% da floresta Amazônica foi preservada. Quem mais fez isso no planeta? São Paulo fez isso? O Paraná fez isso? O Brasil fez isso? Os EUA fizeram isso? A Europa fez isso? Ninguém além dos cidadãos da Amazônia fez isso. Todos se refestelam num desenvolvimento construído sobre as cinzas dos seus biomas enquanto os cidadãos da Amazônia vivem na mais completa miséria florestal. Os cidadãos da Amazônia precisam ser tratados com respeito pelos cidadãos do Brasil, ou, o Brasil não merecerá a Amazônia. Quem faz uma nação é o povo que a ocupa, que nela vive, e nela enterra seus mortos. Se o Brasil acha que pode fazer da Amazônia um quintal, uma área de lazer, não se importando com as 25 milhões de pessoas que aqui vivem, o Brasil não merece a companhia desse povo entre os seus. Talvez seja necessário apartar da Amazônia a imposição de medidas alienígenas, tomadas nos gabinetes de Brasília, insensíveis e indiferentes às agruras do povo da Amazônia. A postura “ahistórica” da Ministra Izabella Teixeira e de Gilberto Câmara é um indício deste possível necessidade. Acorda Amazônia.
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