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Scot Consultoria

Análise do novo Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados: pontos positivos e aprimoramentos


Segunda-feira, 11 de julho de 2011 - 08h14

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Neste documento, a RedeAgro analisa dez pontos centrais do texto do novo Código Florestal, aprovado na Câmara dos Deputados, que afetam o setor agropecuário e florestal. A intenção da RedeAgro é contribuir para as discussões que ocorrerão no Senado, bem como esclarecer a opinião pública sobre as implicações do Código proposto para os agricultores e para a sociedade brasileira. Ao final do documento, apresentamos algumas definições de conceitos relacionados ao Código Florestal. SÍNTESE DOS PONTOS POSITIVOS O novo Código traz inovações em relação ao Código vigente. Ele se baseia no princípio de que é preciso trazer os agricultores para dentro da lei como forma de garantir o seu cumprimento – regularização ambiental e reconhece que a obrigação de cada agricultor é dada pela lei vigente à época em que o desmatamento ocorreu – temporalidade da lei. O novo Código dá um voto de confiança condicionado aos agricultores, porque a oportunidade de regularização não vem a custo zero. Todos os agricultores deverão se adequar às regras do Código, ou seja, deverão recompor Áreas de Preservação Permanente (APPs) e recompor ou compensar Reservas Legais (RL). Mesmo no caso das propriedades de menor porte (até 4 módulos fiscais), seus proprietários continuam obrigados a manter a vegetação remanescente em pé. Embora o novo Código admita, apenas para fins de regularização dos passivos de RLs, o desconto de APPs existentes e conservadas, ele mantém as obrigações de cada agricultor no que tange à conservação ambiental. Ao obrigar os agricultores a aderirem ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) cadastro obrigatório de registro da situação ambiental das propriedades como condição à regularização, a nova lei contribuirá para a redução dos desmatamentos ilegais. Outro benefício do CAR é que ele obriga os estados e a União a cumprirem suas funções de monitoramento e controle. Além disso, o CAR possibilitará o conhecimento da situação de cada propriedade rural no Brasil, além de possibilitar o acompanhamento e a avaliação das etapas rumo à adequação ambiental. A nova lei reconhece a existência de certas atividades produtivas que, embora sejam desenvolvidas em APPs, devem ser consolidadas, em vez de eliminadas. Esses casos, que contemplam atividades desenvolvidas há anos nas áreas às margens de rios e topos de morros, são considerados ilegais no Código vigente. O novo Código não admite desmatamento de APPs. A nova lei torna viável a compensação de RL, que serve como alternativa no processo de adequação dos agricultores, já que elimina a necessidade de recomposição daquelas em áreas de produção, e contribui para conservar áreas que poderiam ser legalmente desmatadas. SÍNTESE DOS PONTOS PARA APRIMORAMENTO Para promover a adequação das atividades produtivas em APPs, a lei cria o Programa de Regularização Ambiental (PRA). Os PRAs serão implementados pela União e pelos estados e caberia à União estabelecer os requisitos mínimos a serem seguidos na elaboração dos PRA estaduais. Ademais, é fundamental que todos os estados estejam devidamente aparelhados em termos de infraestrutura e recursos humanos para que os PRAs possam ser efetivamente implementados. Para evitar que a consolidação de atividades produtivas em APPs comprometa as funções ecológicas destas, o novo Código precisa estabelecer critérios mais objetivos para as APPs consolidadas. Atividades produtivas nessas áreas devem ser exceção. As propriedades de até 4 módulos fiscais só devem ser isentas de recomposição ou compensação dos passivos de RLs nos casos em que a recomposição implique suspensão de atividades produtivas ou naqueles em que a renda do agricultor impossibilite o financiamento da recomposição/compensação. ANÁLISE DOS PONTOS CENTRAIS DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL 1) REGULARIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES RURAIS O que significa: é dada a oportunidade para todos os agricultores regularizarem suas propriedades ao permitir a consolidação da ocupação pré-existente até 22 de julho de 2008. Por que é necessária: os proprietários terão fortes estímulos a aderirem ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), o qual trará para legalidade a maioria das propriedades e aumentará o controle e o conhecimento do Estado sobre o uso da terra no País. Contrapartidas exigidas dos produtores: agricultores continuam com as obrigações de recompor passivos de APPs e recompor ou compensar passivos de RL (condicionados aos novos termos definidos na lei). 2) IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL (PRA) O que significa: programas governamentais (União e Estados) que trarão detalhes sobre como se dará a regularização das propriedades (recomposição de vegetação natural de APPs), uma vez inseridas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Porque é necessário: É o instrumento fundamental para verificar se os agricultores estão de fato se adequando as exigências nas APPs. Permite aos agricultores entrar em um processo de adequação de modo compatível com as necessidades das atividades produtivas (acesso a crédito, certificações, evitar barreiras ao comércio, entre outras). Pontos para aprimoramento: Cabe à União estabelecer o conjunto de requisitos mínimos que devem ser seguidos nos PRAs estaduais. Não há prazos para aprovação dos PRAs, o que traz insegurança jurídica. É preciso definir punições para os agricultores que não cumprirem a contento os compromissos assumidos no PRA. 3) SUSPENSÃO DAS MULTAS O que significa: suspensão das multas mediante a adesão ao PRA e assinatura do termo de adesão e compromisso. Porque é necessária: O histórico do Código Florestal e a falta de uma política de uso da terra mostra que autuação não leva ao cumprimento da lei. Para dar a chance aos agricultores anteriormente autuados finalizarem seu processo de adequação ambiental. A suspensão das multas é uma troca pela adequação e não um perdão. Pontos para aprimoramento: Não cumprimento a contento do PRA deverá ser objeto de punição. 4) CONSOLIDAÇÃO DE ATIVIDADES PRODUTIVAS EM APPs O que significa: o novo Código isenta de recomposição casos específicos de atividades produtivas localizadas em APPs. Porque é necessária: Reconhece que atividades produtivas há anos realizadas em APPs e que não oferecem riscos ambientais, tais como, café em Minas Gerais, maçã em Santa Catarina, banana em São Paulo, arroz irrigado em várzeas no Rio Grande do Sul e cana-de-açúcar em estados do Nordeste, entre outras, poderão ser reconhecidas pelos estados e devem ser consolidadas, sem que a suspensão da produção seja necessária. Pontos para aprimoramento: O texto precisa ser mais preciso, para deixar claro quais atividades poderão, de forma excepcional, ser consolidadas em APPs de morros e hídricas. Tem como premissa que a recomposição de APPs é uma atividade complexa e, portanto, optou-se pela consolidação como alternativa de regularização. Excluídas as exceções (por exemplo, os casos citados no item anterior), os demais casos deveriam ser destinados à recomposição ou à regeneração natural. Os artigos 8º (emenda 164), 10º e 35º apresentam inconsistências entre si e dificultam a interpretação de seus efeitos. Pelo artigo 10º, atividades de APPs de morro como frutas, café, cana-de-açúcar no Nordeste, pastagens naturais, etc., já foram contempladas. Já o novo artigo 8º, que é mais geral do que o 10º, procura acomodar todos os casos de atividades produtivas em APPs, tornando o artigo 35º sem propósito (uma vez que ele se refere apenas a atividades agrosilvopastoris em APPs hídricas e, portanto, foi feito para acomodar o caso de atividades desenvolvidas nas margens dos cursos d’água). Os artigos 8º e 35º impõem como contrapartida à consolidação a observância a critérios técnicos de conservação de solo e água. Tais critérios poderiam ser mais bem definidos de acordo com as funções ecológicas das APPs. 5) RECONHECER A MUDANÇA DA LEI NO TEMPO O que significa: quem desmatou seguindo a lei vigente à época não será obrigado a recompor a RL de acordo com as obrigações da nova lei. Porque é necessária: é questão de justiça reconhecer que os agentes econômicos agem no presente de acordo com a lei vigente, e não de acordo com uma lei futura e ainda desconhecida. Pontos para aprimoramento: a implementação desse artigo é o maior problema, não somente para os agricultores, que precisam comprovar a temporalidade, como também para os órgãos ambientais, no que se refere ao rápido julgamento dos documentos apresentados e à legítima observância da temporalidade. 6) COMPUTAR ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NA RESERVA LEGAL O que significa: as APPs com vegetação nativa ou em processo de regeneração poderão ser computadas para o cálculo de área necessária para fins de recomposição ou compensação da RL. Porque é necessária: Faz com que a lei seja mais facilmente observada, já que reduz as exigências de RL na propriedade, medida que beneficia pequenos produtores e aqueles cujas propriedades possuem extensas áreas destinadas às APPs. Incentiva a regeneração de APPs, sobretudo entre os produtores que têm elevado passivo de RL. Pontos para aprimoramento: o texto não prevê prazo para recuperação das APPs, como no caso da RL, que é de 20 anos. 7) CONSOLIDAR A VEGETAÇÃO REMANESCENTE EM IMÓVEIS DE ATÉ 4 MÓDULOS RURAIS PARA FINS DE RL O que significa: a RL ficará restrita à vegetação natural existente na propriedade em 2008. Porque é necessária: É correto criar um mecanismo de regularização para propriedades de menor porte e, em muitos casos, menor renda, não somente porque elas representam a maioria das propriedades do País, mas também porque, se mantida a necessidade de recomposição de RL prevista na lei vigente, a adesão pela via da regularização certamente cairá. Pontos para aprimoramento: As propriedades de até 4 módulos fiscais apenas deveriam ser isentas de recomposição ou compensação dos passivos de RLs nos casos em que a recomposição implique retirada de atividades produtivas ou a renda do agricultor impossibilite o financiamento da recomposição/compensação. Reconhecer que essa medida, mais do que qualquer outro item do novo Código, impõe maior ônus aos agricultores que já estão regularizados, ao anistiar todos aqueles com até 4 módulos. 8) COMPENSAÇÃO DE RL: COTA DE RESERVA AMBIENTAL (CRA) E SERVIDÃO FLORESTAL O que significa: reconhecendo que existe um significativo passivo de RL nas propriedades, o novo Código viabiliza a compensação no bioma como mecanismo de adequação ambiental, que evitaria a perda de áreas produtivas consolidadas. Porque é necessária: Permite a proteção de áreas além das APPs e da RL, que poderiam ser legalmente desmatadas. Dados os elevados passivos de RL existentes, e os elevados custos de recomposição com espécies nativas, em comparação com a rentabilidade de algumas atividades produtivas, a demanda por CRAs pode viabilizar a criação de um mercado florestal, remunerando a RL excedente e garantindo a conservação futura destas áreas. 9) EFEITOS DA NOVA LEI NO USO FUTURO DA TERRA NO BRASIL O que significa: o novo Código determina também as restrições para futuras supressões de vegetação natural e, nesse sentido, mantém inalteradas todas as exigências do Código em vigor. Pontos positivos: O CAR, aliado ao PRA, desde que implementados com diligência, serão ferramentas fundamentais para se conhecer o uso da terra em propriedades privadas e poderão subsidiar o monitoramento das mudanças no uso da terra e das escolhas de políticas públicas relacionadas. A adesão ao CAR contribuirá para reduzir o desmatamento ilegal e, portanto, para o aumento da eficiência produtiva dos setores que ainda apresentam produtividades correntes muito abaixo das potenciais. Auxilia o Brasil no cumprimento de compromissos internacionais em relação à redução de desmatamento e conservação da biodiversidade. O novo Código, por dar a oportunidade de regularização aos agricultores, pode ser utilizado como um instrumento para o desenvolvimento de políticas de ordenamento eficiente do uso da terra no Brasil. 10) CONTRAPARTIDAS DO ESTADO BRASILEIRO A nova lei regula o uso da terra em propriedades privadas, com viés conservacionista, sobretudo com as exigências de manutenção da RL. A lei pressupõe mecanismos sofisticados de controle, fiscalização e estímulo ao cumprimento por parte dos órgãos oficiais. A nova lei dá, por meio do CAR e do PRA, a oportunidade para o Estado brasileiro exercer suas funções de fiscalização, controle e aplicação de punições, que jamais foram cumpridas à contento. Da mesma forma, por meio da CRA, o Estado pode induzir os agricultores a se adequarem à nova lei e, ao mesmo tempo, contribuir para a conservação ambiental. Uma lei complexa exige um Estado aparelhado e capaz de sinalizar aos agentes privados que ele reconhece os bem intencionados e pune os oportunistas. A forte presença do Estado será especialmente necessária – e de difícil implementação – na Amazônia, dado as peculiaridades da região (maior percentual exigido de RL, carência de infraestrutura, etc). PARA ENTENDER OS CONCEITOS LIGADOS À REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APPs: são áreas protegidas dentro das propriedades, cobertas ou não por vegetação nativa, que visam a proteger a água, a biodiversidade, o solo, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São áreas ao longo dos rios e cursos d´água, encostas e morros, restingas. RESERVA LEGAL - RL: é a área localizada no interior de uma propriedade com a função de promover a conservação da biodiversidade e auxiliar na conservação e na reabilitação dos processos ecológicos. A RL deverá assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais, ou seja, não pode ser considerada uma área intocada, como é o caso das APPs. Na Amazônia Legal, o percentual exigido de RL é 80% no bioma Amazônia e 35% no Cerrado, sendo que esse percentual cai de 80 para 50% quando existe zoneamento ecológico-econômico (ZEE). Nas demais regiões do País, a RL exigida é de 20% da propriedade. ÁREA RURAL CONSOLIDADA: área de imóvel rural desmatada até 22 de julho de 2008; o conceito é adotado pelo novo Código como uma data de corte a fim de determinar regras específicas para quem desmatou até 2008 (APPs, RL); quem desmatou após essa data seguirá as regras gerais sobre APPs e RL. CADASTRO AMBIENTAL RURAL – CAR: será um registro público eletrônico, criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, que conterá informações ambientais sobre as propriedades e posses rurais (APPs, RL, áreas produtivas, áreas degradadas, o que os produtores irão fazer para se regularizar). Na medida em que os produtores se cadastrem, servirá como uma ferramenta de controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, e combate ao desmatamento. O CAR permitirá que o Brasil tenha, pela primeira vez, uma base de dados confiável e detalhada do uso da terra. PROGRAMAS DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL – PRAs: como o novo Código deve ter na regularização das propriedades sua base, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão implantar programas de regularização ambiental que estipulem detalhes sobre a adequação das propriedades, levando em consideração as regras previstas pelo Código. RECOMPOSIÇÃO e RESTAURAÇÃO: ocorre quando espécies da vegetação nativa são plantadas com o objetivo de recompor ou restaurar uma área, seja uma APP, uma RL ou qualquer outra área. Exige investimentos para plantio de mudas de espécies nativas do bioma, e para manejar a área até que a vegetação cresça. REGENERAÇÃO: deixar de utilizar uma área, ou delimitar uma área e permitir o crescimento natural da vegetação para cumprir com as obrigações da APP ou da RL, é fazer a regeneração natural. É uma técnica que pode ser usada pelos proprietários ao invés de plantar espécies nativas. COMPENSAÇÃO: áreas com vegetação nativa que não sejam APPs e as áreas de RL poderão ser utilizadas para compensar passivos de RL de outras propriedades, desde que no mesmo bioma. A compensação poderá ser feita por meio do arrendamento ou da compra de uma Cota de Reserva Ambiental (CRA) ou da Servidão Ambiental. COTA DE RESERVA AMBIENTAL - CRA: será um título que representa uma área de vegetação nativa que poderá ser utilizada para compensar a obrigação da RL. Quando uma propriedade tiver vegetação nativa além do exigido, poderá arrendar ou vender essa área para compensar a RL de outra propriedade. SERVIDÃO AMBIENTAL: quando um proprietário possui APPs e RL além dos limites mínimos exigidos, pode instituir servidão ambiental, pela qual renuncia ao direito de usar aquela área, mantendo os recursos naturais e a vegetação nativa. Essa área pode ser arrendada ou vendida, e deverá obrigatoriamente ser preservada. Sobre a RedeAgro Rede de Conhecimento do Agro Brasileiro Iniciativa que tem como objetivo debater temas complexos, multidisciplinares e atuais que hoje desafiam o agro e o relacionamento dele com a sociedade, por meio da produção de conteúdo, estudos, participação em debates e promoção de diálogo construtivo. Coordenada pelo Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais – ICONE, a RedeAgro é conseqüência do reconhecimento dos desafios coletivos do agro. Cabe à Rede tratar dos temas comuns do agro com abordagem técnica, responsável, fundamentada em dados e em premissas verificáveis.
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