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Scot Consultoria

Uma nova capacitação para o desenvolvimento rural


Sexta-feira, 2 de julho de 2010 - 17h00

É engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


Por Polan Lacki e Luis Marcenaro Gastar em atividades ou investir em resultados? Problematizar as soluções ou solucionar os problemas? Os problemas externos às propriedades rurais não podem ser ignorados. Os produtores rurais tem razão em criticar: Os intermediários, agroindustriais e hipermercados porque muitos lhes impõem condições verdadeiramente cruéis na aquisição dos seus produtos, esquecendo-se que são estes os que iniciam e fazem possível a cadeia agroalimentar de agregação de valor da qual eles participam. Seus próprios governos porque não os protegem nem assumem a tarefa de contribuir para criar as condições mais adequadas para a maior competitividade do setor. Aos governos dos países desenvolvidos que praticam uma competição desleal nos mercados internacionais, gerando piores condições aos produtores do terceiro mundo. Mas... devemos priorizar as soluções que estão ao nosso alcance No entanto, sejamos realistas, nas últimas décadas as queixas e os protestos dos agricultores latino-americanos produziram resultados decepcionantes. Por esta razão eles deverão substituí-los por uma atitude mais construtiva, encarregando-se eles mesmos, de solucionar os seus problemas; porque eles dificilmente serão resolvidos pelos seus governos ou pelos outros integrantes das cadeias agroalimentares; pois estes últimos intervém nas referidas cadeias com o propósito de ganhar dinheiro e não de solucionar os problemas dos produtores rurais. Ante esta realidade, os próprios agricultores terão que corrigir as suas ineficiências produtivas. Também terão que organizar-se para assumir um maior protagonismo em toda a cadeia agroalimentar porque são estas duas distorções, ineficiência produtiva e falta de organização grupal e comunitária, ambas corrigíveis por eles mesmos, as principais causas elimináveis da falta de rentabilidade e de competitividade do setor rural. Visão equivocada do problema Muitos agricultores ainda continuam pensando que, para solucionar os seus problemas econômicos, necessitam que os governos lhes concedam créditos e renegociem as suas dívidas, garantam a comercialização das suas colheitas, reduzam a carga tributária, incrementem o valor do dólar, concedam subsídios e estabeleçam barreiras às importações de produtos agrícolas. Continuam acreditando nestas medidas porque ainda não se deram conta que elas não são viáveis de ser levadas à prática, nem são eficazes na solução dos seus problemas. As razões para esta afirmação, de aparente ceticismo, são as seguintes: Primeira razão: Os endividados e debilitados governos desta região, infelizmente, não estão em condições de conceder-lhes estas ajudas, mesmo que quisessem fazê-lo; adicionalmente enfrentam enormes dificuldades quando tentam impedir que os países ricos continuem subsidiando e protegendo os seus agricultores. Segunda razão: Mesmo que fossem viáveis, estas medidas não seriam eficazes nem suficientes enquanto os agricultores não eliminarem as duas causas mais imediatas da sua falta de rentabilidade. Estas duas causas são as seguintes: Causa 1: Como regra geral eles se dedicam exclusivamente a etapa pobre do negócio agrícola, que é a etapa de produção propriamente dita. Esta exige muito trabalho, expõe a permanentes riscos e gera pouca renda. As atividades da etapa rica (fabricação e revenda de insumos, processamento para incorporar valor e comercialização das colheitas) são realizadas por outros agentes do agribusiness; apesar de que poderiam ser executadas pelos próprios agricultores, se eles o fizessem de maneira associativa e gradual. Causa 2: Além de encarregar-se apenas da referida etapa pobre, muitos agricultores a executam com evidentes ineficiências, tal como o comprovam os baixos rendimentos médios da agricultura e da pecuária latino-americana, a inadequada ou insuficiente diversificação produtiva, o fato de dedicarem-se a cultivar espécies de baixa densidade econômica, etc. Esta afirmação não desconhece as importantes melhorias de produtividade de muitos setores e regiões; melhorias que demonstram que é possível crescer em quantidade e qualidade e melhorar na competitividade do setor. Ao acostumar-nos a conviver com um problema... deixamos de vê-lo Estas duas distorções estão tão generalizadas na agricultura latino-americana que, apesar de serem muito prejudiciais para a economia dos agricultores, são consideradas por muitos deles como se fossem normais e aceitáveis; a tal ponto que muitos produtores rurais nem sequer se dão conta, que a falta de rentabilidade é provocada principalmente por eles mesmos, ao adotarem os seguintes procedimentos: Os seus custos unitários de produção são desnecessariamente altos em virtude dos baixos rendimentos médios que eles obtém por unidade de terra e de animal; e dos altos preços que, devido ao seu individualismo, pagam na aquisição dos insumos e na realização de vários investimentos superdimensionados, que não deveriam fazê-los individualmente. Os preços de venda das suas colheitas são desnecessariamente baixos, porque outra vez, por não praticar o associativismo, os produtores comercializam os seus excedentes individualmente, sem incorporar-lhes nenhum valor e com o primeiro elo de intermediação diretamente nas suas propriedades. 'As causas mais imediatas da falta de rentabilidade começam dentro das propriedades e comunidades rurais'. Estes antecedentes ilustram que os produtores rurais são vítimas principalmente das suas próprias ineficiências de produção, administração rural e comercialização. Ao contrário do que costuma afirmar-se, muitos dos seus problemas se devem à falta de conhecimentos técnico-gerenciais e de organização empresarial e comunitária, e não apenas a equivocadas políticas creditícias, cambiais, tarifárias e tributárias. Este é um problema central que devemos reconhecer com humildade e enfrentá-lo com realismo, objetividade e profissionalismo; porque as ineficiências provocadas pela falta de conhecimentos e de organização empresarial devem ser corrigidas com capacitação e não premiadas com subsídios. Isto não significa desconhecer os problemas estruturais da agricultura, porém se trata de não cair na 'armadilha' de não fazer aquilo que é possível e necessário, porque concentramos os nossos esforços em continuar reclamando pelas medidas que estão fora do alcance dos agricultores. Perguntas que nos doem... a todos E se tudo parece tão claro, cabe formular as seguintes perguntas: Por que as famílias rurais ainda não estão capacitadas para corrigir suas ineficiências produtivas e por que não estão organizadas em grupos para comprar insumos, incorporar valor às suas colheitas e comercializá-las em conjunto, em vez de continuar executando todas estas atividades individualmente? Como explicar a persistência destas distorções tão elementares se na América Latina existem dezenas de milhares de extensionistas e promotores de desenvolvimento rural que, com grande dedicação, têm atuado durante muitos anos nos mais diversificados Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (SATER); especialmente quando se considera que estes serviços foram criados exatamente para corrigir tais ineficiências e distorções? Como explicá-lo se durante mais de 50 anos estes serviços passaram por permanentes reestruturações e adotaram as mais variadas políticas, estratégias, enfoques e modelos de extensão rural? As reestruturações dos SATER foram mal enfocadas Isto ocorreu e continua ocorrendo porque tais reestruturações subestimaram e ignoraram três debilidades que jamais poderiam ter deixado de ser prioritárias; porque são elas as verdadeiras e mais profundas causas dos modestos resultados obtidos pelos SATER: 1. O extensionista não está suficientemente preparado para conseguir que os próprios agricultores corrijam as suas ineficiências e solucionem os seus problemas. 2. O SATER não proporciona as condições mínimas para que o agente de extensão permaneça permanentemente (a redundância é intencional) no campo e dedicado principalmente a atividades educativas e organizativas das comunidades. 3. O extensionista não utiliza, plena e racionalmente, eficazes estratégias, métodos e meios de extensão rural Estas debilidades, mais endógenas que exógenas, são as que estão produzindo um enorme dano à eficácia e eficiência dos SATER e conseqüentemente deveriam constituir a prioridade de qualquer reforma da extensão rural. Infelizmente, as múltiplas reestruturações efetuadas nas últimas décadas, não conseguiram eliminá-las. Tanto isto é verdade que, depois de cada reestruturação, os extensionistas locais continuaram fazendo praticamente o mesmo que faziam antes da reforma, sem mudanças técnico-metodológicas nem em suas atitudes. Isto aconteceu, entre outras razões, porque as referidas reestruturações: Em vez de começar a corrigir as crônicas debilidades técnicas, metodológicas e operativas que ocorrem nos escritórios locais de extensão rural, proporcionado-lhes as condições para que possam responder às necessidades concretas das famílias e comunidades rurais Preferiram o caminho mais cômodo de propor reformas em aspectos teóricos, conceituais e às vezes ideológicas do que corre nas cúpulas institucionais. Neste artigo se propõe reverter essa tendência e colocar ênfase exatamente naqueles aspectos concretos das atividades do SATER que são executadas no campo, as quais mesmo não dependendo de decisões políticas de alto nível tem um grande impacto nos resultados que podem ser conseguidos nas propriedades. Em outras palavras, se propõe começar as reformas de baixo para cima das estruturas dos SATER e de dentro para fora. Corrigindo apenas estas três deficiências, os SATER estarão em condições de contribuir realmente a promover uma profunda transformação no desempenho dos agricultores. Mesmo que os governos continuem sem conceder aos produtores os créditos, os subsídios nem as garantias de comercialização que eles tanto reivindicam. Felizmente a correção da maioria destas debilidades não depende de decisões externas ao SATER e, portanto poderá ser executada pelos seus próprios executivos e por todos os seus extensionistas. Nesta proposta de reforma endógena a 'decisão pessoal' de cada executivo e de cada extensionista do SATER é mais importante que a 'decisão política' do governo. Em sentido contrário, enquanto estas três debilidades não forem corrigidas não tem muito sentido continuar formulando sofisticadas teorias acadêmicas sobre políticas, enfoques e modelos de extensão rural, reformulando organogramas e fluxogramas, incluindo temas de moda nos seus programas ou dando nomes novos aos problemas antigos. Porque o problema não está tanto nas políticas, nos modelos ou nos enfoques e sim na inadequada capacitação técnica e metodológica dos extensionistas; e na falta de agilidade operativa dos SATER para proporcionar-lhes as condições de permanência no campo, dedicados principalmente a trabalhar na capacitação e organização das famílias e comunidades rurais. Três debilidades a superar e estratégias a desenvolver Debilidade A: o extensionista não está suficientemente preparado para conseguir que os próprios agricultores corrijam as suas ineficiências e solucionem os seus problemas. A globalização da economia e a redução ou eliminação dos serviços estatais de apoio à agricultura estão exigindo um novo extensionista com visão executivo-empresarial, que tenha as seguintes atitudes e aptidões: 1. Deverá estar consciente de que, nos países pobres, o modelo paternalista de desenvolvimento rural baseado em créditos, subsídios e garantias oficiais de comercialização está esgotado. O referido modelo é uma utopia que já não tem nenhuma possibilidade real de ser levada à prática. O extensionista que ignore esta realidade fracassará na sua missão como promotor de desenvolvimento rural; porque as suas orientações estarão baseadas em recursos que não existem e em soluções que os agricultores, simplesmente, não podem adotar. Países pobres com muitos agricultores também pobres necessitam de um agente de extensão que saiba "produzir mais e melhor com menos recursos"; um extensionista que seja capaz de ajudar a solucionar os problemas dos agricultores, contando, inicialmente, apenas com os recursos que já estão disponíveis nas suas propriedades e comunidades, e não com os que seriam desejáveis que estivessem disponíveis. Este é o princípio básico para um extensionismo de resultados. 2. Deverá partir da premissa de que a família rural é o mais importante agente potencial de desenvolvimento rural; e que a sua missão como educador consiste em transformar cada família em um agente real de desenvolvimento, da sua propriedade e da sua comunidade. Para que isto seja possível a ação do extensionista deverá preocupar-se em conseguir que as próprias famílias e comunidades rurais adquiram a vontade e a capacidade de tomar, em suas próprias mãos, a correção das suas ineficiências e a solução dos seus problemas. Considerando que os governos não podem "fazer tudo por todos os agricultores sempre", o extensionista deverá ser conseqüente com esta realidade e adotar uma estratégia de desenvolvimento que seja educativo-emancipadora. Nas atuais circunstâncias este é o único caminho possível para que os agricultores se tornem menos dependentes das ajudas dos governos e menos vulneráveis nas suas relações com os intermediários, agroindustriais e supermercados, e sejam menos afetados pelos subsídios e medidas protecionistas dos países ricos. Os produtores rurais latino-americanos necessitam de um extensionista que saiba aplicar o antídoto mais eficaz contra as dependências e vulnerabilidades antes descritas. Este antídoto é a eficiência tecnológica e gerencial dos agricultores e a fortaleza organizativo-empresarial das suas comunidades. Este é o melhor "remédio" para uma agricultura que praticamente já não conta com ajudas governamentais. 3. O agente de extensão deverá estar consciente de que a principal causa do subdesenvolvimento rural é a insuficiência e inadequação dos conhecimentos, habilidades e atitudes que possuem as famílias rurais; e não tanto a falta de recursos financeiros e de decisões políticas. Conseqüentemente as soluções que ele formule deverão depender muito mais de medidas técnico-educativas que político-creditícias. Na sua condição de profissional de ciências agrárias e não de ciências políticas, o extensionista deverá abordar, em primeiro lugar, aqueles problemas que são solucionáveis com as ferramentas da sua profissão; em vez de continuar esperando que outras instituições compensem, através de subsídios, as conseqüências e os efeitos das ineficiências produtivas e comerciais da agricultura. O extensionista deverá começar a solucionar os problemas rurais, de dentro para fora das propriedades e comunidades rurais e não necessariamente de fora para dentro das mesmas. De baixo para cima e não necessariamente de cima para baixo. A partir do micro e não do macro. Desde o simples e não desde o complexo. Deverá fazê-lo iniciando com aquelas medidas que, ao ser de baixo ou zero custo, não necessariamente requeiram de recursos adicionais aos que os agricultores já possuem, nem de decisões políticas de alto nível. Possuindo esta atitude e esta aptidão de descomplicar e desmistificar a complexidade da problemática rural, o extensionista estará em melhores condições para contribuir a solucionar os problemas, em vez de continuar apenas problematizando as soluções. 4. A fim de tornar viável a estratégia de desenvolvimento endógeno, proposta no item anterior, o extensionista deverá ser capaz de: a) Identificar os erros que os agricultores cometem, com maior freqüência, na produção, na administração das propriedades, na aquisição dos insumos e na comercialização dos produtos, porque, como regra geral, são estes erros, e não tanto a falta de políticas e de créditos, as principais causas das baixas rendas das famílias rurais. O agente de extensão deverá ter a objetividade e o pragmatismo de identificar, em primeiro lugar, aquelas ineficiências que possam ser corrigidas e eliminadas pelos próprios agricultores, pois do contrário de pouco serviria identificá-las. b) Priorizar aqueles problemas que possam ser solucionados pelas próprias famílias rurais, com uma menor dependência de ajudas externas às propriedades. Os diagnósticos obsoletos que enfatizam os problemas que não são solucionáveis pelos próprios agricultores rebaixam, em vez de elevar a auto-estima das famílias rurais e desestimulam em vez de estimular as suas iniciativas. Tais diagnósticos as conduzem à passividade e ao fatalismo porque lhes dão uma sensação de incapacidade e impotência para transformar a sua realidade adversa. Enfatizar tais diagnósticos significa praticar a anti-extensão rural; pois um importante papel do extensionista moderno consiste em simplificar a solução dos problemas, para conseguir que os agricultores percebam que eles mesmos podem resolvê-los. c) Identificar aqueles problemas que normalmente são invisíveis para os agricultores, tais como: custos ocultos, investimentos superdimensionados e recursos ociosos, atividades e/ou despesas improdutivas, terras e animais com baixa produtividade, perdas durante e depois da colheita, etc. Infelizmente estes problemas invisíveis estão muito generalizados nas propriedades rurais latino-americanas. O extensionista deverá fazê-los "visíveis" aos agricultores e posteriormente torná-los solucionáveis pelos próprios agricultores e suas comunidades. d) Identificar os recursos e potencialidades de desenvolvimento que já estão disponíveis nas propriedades e comunidades rurais, priorizando o seu aproveitamento racional, antes de identificar debilidades e restrições, especialmente se estas não podem ser corrigidas pelo produtor nem pelo extensionista. Primeiro deverá utilizar o que existe e recém depois reivindicar, com maior autoridade, o que não existe. Por exemplo: se o agricultor possui uma vaca que produz 4 litros de leite por dia e um terneiro a cada 22 meses (médias latino-americanas), podendo produzir 20 litros por dia e um terneiro a cada 12 meses, a prioridade é produzir forragem para alimentá-la e melhorar o seu manejo sanitário e reprodutivo, antes de adquirir vacas adicionais; pois do contrário o mais provável será que o produtor se endividará desnecessariamente e as vacas adicionais apenas compartilharão a fome com a primeira. e) Formular propostas para resolver os problemas, através de medidas que sejam compatíveis com as reais possibilidades dos agricultores em adotá-las. De pouco servirá que o extensionista proponha excelentes "receitas" se os agricultores não dispõem dos "ingredientes" necessários para levá-las à prática. O agente de extensão deverá descomplicar os problemas com o propósito de facilitar e tornar viável a sua solução. Deve buscar propostas simples e seguras, de baixo custo e bons resultados comprovados. f) Gerar verdadeiros desafios nas famílias e comunidades rurais, demonstrando-lhes que normalmente existe uma boa margem de progresso, dependendo apenas de uma melhor utilização dos seus próprios recursos, por mais escassos que aparentemente sejam. Neste sentido se pode afirmar que um bom extensionista é um 'desafiador', alguém que gera condições para que os agricultores tenham vontade de inovar e progredir, que tenham uma ambição sadia e adquiram um forte desejo de superação. g) Saber executar, com as suas próprias mãos, as principais atividades e tarefas agrícolas (semear, podar, regar, operar e regular maquinaria, inseminar, ordenhar, transformar e comercializar colheitas, etc.). Não é suficiente que o extensionista possua excelentes conhecimentos teóricos sobre agricultura e desenvolvimento rural. O agricultor será permeável às suas propostas depois que o técnico demonstre que 'sabe fazer coisas e resolver problemas'. Com este pragmatismo e estas atitudes proativas, o novo extensionista deixará de ser um mero reivindicador de soluções e assumirá a função, muito mais frutífera e construtiva, de solucionador dos problemas existentes nas propriedades e comunidades rurais. Este é o extensionista que a agricultura moderna está necessitando. 5- O agente de extensão deverá ter a versatilidade necessária para desempenhar-se com agricultores de diferentes níveis de disponibilidade de recursos produtivos, porém muito especialmente, com aquela grande maioria de produtores afetados pela adversidade físico-produtiva e pela escassez de recursos de capital. Esta grande maioria necessita de um extensionista que seja capaz de começar a solucionar os seus problemas, mesmo que ela não tenha acesso: ao crédito, porque existem muitas e muito eficazes tecnologias que para serem adotadas não o requerem às sementes híbridas, começando com boas sementes de variedades às rações balanceadas, produzindo os seus principais ingredientes e elaborando-as nas propriedades à maquinaria moderna, constituindo grupos para adquiri-la e utilizá-la em conjunto aos animais de alto potencial genético, uma vez que a alimentação e o manejo sanitário e reprodutivo adequados podem compensar, ao menos parcialmente, a menor qualidade genética às garantias oficiais de comercialização, reduzindo custos, diversificando, escalonando e transformando ou processando a produção. Este pragmatismo de 'partir do possível para chegar ao desejável' é praticamente um imperativo para atingir o desenvolvimento rural com equidade; porque as seis restrições recém mencionadas estão presentes na maioria das propriedades rurais latino-americanas. O técnico que não é capaz de atuar com este realismo, simplesmente não pode ser extensionista em um país subdesenvolvido, porque não está em condições de responder às necessidades dos seus clientes. 6- O extensionista deverá priorizar a correta utilização de insumos intelectuais e tecnologias de processos (como fazer) sobre os insumos materiais e as tecnologias de produtos (com o que fazer). Os primeiros, ao depender apenas de conhecimentos, são de menor tempo e custo e não se gastam ao ser aplicados; enquanto que os segundos, ao depender de recursos materiais e financeiros, são de maior custo e se gastam cada vez que são utilizados. Nos países subdesenvolvidos, os agricultores e os governos têm uma crônica insuficiência de recursos financeiros. É devido a esta importantíssima restrição que: os fatores de desenvolvimento agrícola que são caros e escassos deverão ser um complemento no processo de modernização produtiva e não um condicionante para começá-la ou uma escusa para não começá-la. O extensionista deverá conseguir que os agricultores solucionem os seus problemas por etapas. Esta 'gradualização" poderá ser vertical (começando a resolver os problemas de solução mais fácil e de menor custo) ou horizontal (iniciando a tecnificação em pequenas superfícies ou com poucos animais e ir avançando a uma maior quantidade de hectares e de animais). 7- Finalmente, o extensionista deverá ter uma visão integral do negócio agrícola. Ao visualizá-lo em seu conjunto compreenderá que o êxito econômico do agricultor depende de que exista eficiência e racionalidade em todas as atividades e etapas: na aquisição de insumos, na produção propriamente dita, no processamento e na comercialização dos produtos. Também com prenderá que algumas destas atividades ou etapas simplesmente não podem ser executadas, com eficiência econômica, se os agricultores as realizam individualmente. Por esta razão o extensionista deverá partir da premissa de que o agrupamento dos pequenos agricultores é uma medida imprescindível para que eles possam sobreviver como produtores rurais. Através do referido agrupamento os próprios agricultores poderão ir assumindo, de maneira gradual, outras etapas do negócio agrícola; e desta maneira beneficiar-se eles destes ingressos adicionais, e não os agroindustriais e comerciantes. Em outras palavras, a eficiência não poderá ser parcial, terá que ser integral, nos aspectos técnicos, gerenciais e organizativos, avançando até onde seja possível na cadeia agroalimentar. No entanto não devemos desconhecer que em muitos casos, agricultores bem sucedidos como produtores rurais enfrentaram grandes problemas quando, por exemplo, incursionaram na indústria processadora das suas colheitas. Isto não é fácil e nem é a panacéia. Requer-se boa organização e crescimento gradual da capacidade de gestão; por esta razão em certos casos, antes de executar as atividades posteriores à colheita será melhor que os agricultores se organizem para negociar melhores condições de venda com os compradores tradicionais dos seus excedentes. No mundo moderno a capacitação dos extensionistas já não é tão onerosa nem tão difícil Para atingir este perfil mais pragmático, mais empresarial e mais executivo, descrito nos sete itens precedentes, os agentes de extensão não necessitam adquirir conhecimentos muito profundos ou sofisticados. Conhecimentos e habilidades bastante elementares serão suficientes para que eles possam corrigir os erros e solucionar os problemas (ambos geralmente também elementares), que ocorrem com maior frequência na maioria das propriedades e comunidades rurais. Por esta razão, em uma primeira etapa, a capacitação dos extensionistas não necessariamente deverá consistir em cursos muito teóricos, de alto custo e longa duração que normalmente os distanciam ainda mais da realidade concreta do setor produtivo rural; quando na verdade é necessário acercá-los cada vez mais à referida realidade. O mais importante é que os conteúdos da capacitação sejam aplicáveis e eficazes na solução dos problemas que os extensionistas enfrentam, com maior frequência, nas suas atividades cotidianas. Requer-se de uma verdadeira reciclagem profissional que além de atualizar os conhecimentos técnicos e metodológicos promova uma mudança na mentalidade e nas atitudes dos extensionistas, que consiga levantar o seu ego, a sua auto-estima e a sua auto-confiança. Com tal propósito será necessário demonstrar-lhes que eles são capazes de ajudar a solucionar os principais problemas dos agricultores, utilizando basicamente os insumos intelectuais da sua profissão e as potencialidades latentes das famílias e comunidades rurais. Isto poderá ser realizado através de uma capacitação na ação, de modo que os extensionistas aprendam a corrigir as ineficiências dos agricultores, corrigindo-as; e aprendam a solucionar os problemas da agricultura, solucionando-os. Nas capacitações tradicionais para extensionistas normalmente se lhes ensina antes para que apliquem depois e o que se propõe é passar a um modelo de capacitação durante. Em outras palavras, é a capacitação em terreno, executando-a lá onde estão os problemas e no momento em que eles ocorrem, utilizando métodos ativos a partir da discussão e resolução de casos concretos. Depois de receber este tipo de capacitação, os extensionistas deverão ser remunerados de acordo com a sua capacidade de resolver problemas e de gerar renda adicional para os agricultores; e não apenas de acordo com a sua capacidade de executar atividades. Por outro lado existem, e é recomendável recorrer a elas em caráter complementar, várias alternativas de capacitação de baixo custo e reconhecidamente de fácil acesso, como por exemplo: cursos à distância, páginas web, organização de pequenas bibliotecas e videotecas nos escritórios locais ou regionais de extensão rural, visitas às estações experimentais, às propriedades dos agricultores eficientes, e a grupos associativos bem sucedidos, às agroindústrias, etc. Isto indica que, graças às facilidades do mundo moderno, a escassez de recursos orçamentários e a falta de decisões de alto nível não necessariamente devem constituir-se em restrições para que os extensionistas sejam capacitados e/ou se auto-capacitem. Em resumo, é necessário e possível desmitificar a complexidade da problemática rural; e para isto se requer, como primeiro passo, pragmatizar e descomplicar os conteúdos dos programas de capacitação dos extensionistas; substituindo aqueles que são desnecessariamente complexos, muito teóricos, abstratos e descontextualizados da realidade rural, por outros mais práticos e que sejam utilizáveis pelos extensionistas na solução dos problemas das famílias e comunidades rurais. O extensionista que adquira o perfil descrito nos sete itens precedentes estará apto a solucionar os problemas mais imediatos que afetam a maioria das famílias rurais; mesmo que se mantenham todas as conhecidas restrições e adversidades que afetam os agricultores. Em relação à formação e capacitação de profissionais e para-técnicos, atuais e futuros, cabe um parágrafo especial sobre as escolas agrotécnicas e faculdades de ciências agrárias. Ambas deveriam executar atividades de extensão rural em caráter permanente e diretamente em terreno; não apenas para ensinar e difundir inovações, mas também para 'mergulhar' na realidade rural concreta e, a partir dessa atualização e retroalimentação, adequar os conteúdos educativos e os seus métodos pedagógicos. Esta medida permitiria uma reciprocidade de benefícios entre os agricultores e as mencionadas instituições; estas últimas passariam a ser mais realistas e mais úteis às primeiras. Por outro lado, estágios de estudantes nas propriedades rurais constituiriam uma importante colaboração para as atividades dos SATER. Tal medida também contribuiria a re-orientar as atividades das faculdades e escolas agrotécnicas no sentido de formar egressos preparados para o auto-emprego e para a geração de oportunidades de trabalho no campo. Debilidade B: O extensionista não permanece suficientemente no campo. Lá estão os problemas e lá terão que ser solucionados. O extensionista deve poder atuar permanentemente nas propriedades e comunidades rurais; porque estes são os locais ideais para conseguir que os agricultores avancem nos objetivos de saber, poder e querer produzir com eficiência. Solucionando problemas diretamente no campo, agricultores e extensionistas adquirem mais confiança pessoal e recíproca. Atuando desta maneira, ambos confirmam na prática que muitos problemas podem ser solucionados por eles mesmos, sem depender tanto dos governos ou de outras ajudas externas. Este requisito de permanecer em terreno, que parece tão óbvio, infelizmente não está presente na maioria dos SATER latino-americanos. A faltas de veículos, combustíveis e diárias é uma importantíssima causa do fracasso da extensão rural. Inexplicavelmente, durante as últimas décadas, esta debilidade foi subestimada e quase aceita como se fosse aceitável. No entanto é necessário que nos questionemos acerca das razões desta situação, inclusive ante uma passividade quase total por parte dos agricultores e das suas representações sindicais. É necessário ter a humildade de reconhecer que nem sempre nos SATER foram conseguidos resultados tão importantes que ao diminuir as suas atividades tenham surgido reações em defesa do serviço. O primeiro passo para solucionar as restrições de recursos para as atividades do SATER consiste em demonstrar claramente que ele é capaz de produzir resultados, repetimos RESULTADOS. Estes devem ser concretos, medíveis e coerentes com as necessidades dos agricultores e com os objetivos e metas dos programas de trabalho dos SATER. Esta restrição de recursos pode e deve ser eliminada em curto prazo. Em primeiro lugar porque está produzindo um enorme dano à eficácia dos SATER e à eficiência dos agricultores. Em segundo lugar porque existem várias alternativas, de fácil adoção e reconhecida eficácia, através das quais ela pode ser eliminada. Isto é, não existem razões insuperáveis para continuar convivendo com ela. No entanto, para fazê-lo é necessário 'cranear' soluções inovadoras, que extrapolem o cômodo caminho de solicitar recursos adicionais ao estado. Se o SATER não pode proporcionar ou financiar ao extensionista a aquisição do veículo convencional (motorizado de quatro rodas), deverá atuar com realismo e adotar outros meios de transporte que sejam compatíveis com as suas disponibilidades orçamentárias; ou alternativamente deverá oferecer estímulos para que o extensionista resida na própria comunidade e não desperdice o seu escasso tempo fazendo longos percursos nas estradas. Finalmente, se estas alternativas não são aplicáveis, o SATER deverá adotar a medida radical de reduzir a sua estrutura operativa; e com as economias obtidas, dispor dos recursos necessários para garantir a permanência dos extensionistas nas comunidades. É muitíssimo melhor ter 70 ou 80 extensionistas resolvendo os problemas no campo que manter 100 burocratizando e frustrando-se nos escritórios. A solução mais eficaz e definitiva consiste em eliminar todas as causas, motivos e escusas para que os extensionistas não permaneçam em terreno. Enquanto convivemos com este duplo desperdício (de tecnologias ociosas e extensionistas encerrados nos escritórios), os agricultores fracassam exatamente porque não aplicam as tecnologias e porque existe insuficiente presença dos extensionistas no campo. O mais lamentável é que os empobrecidos governos fizeram o mais caro e mais difícil (gerar as tecnologias e formar os extensionistas) e agora sub-utilizam este valioso investimento porque não proporcionam as condições objetivas para que os agentes de mudanças permaneçam no campo e transfiram os conhecimentos para quem eles foram gerados. A situação recém descrita produz a seguinte contradição; o que em aparência é uma insuficiência de recursos na realidade é um desperdício dos mesmos. Este desperdício é provocado pelo seguinte erro, grave, porém infelizmente muito generalizado nos SATER latino-americanos: não respeitar o limite, considerado como razoável, de gastar menos de 70% do orçamento em salários e encargos sociais. Quando tal limite é ultrapassado, os extensionistas permanecem encerrados nos seus escritórios, não tanto porque os recursos orçamentários sejam insuficientes, mas sim porque são mal distribuídos ao destiná-los ao pagamento de uma excessiva quantidade de funcionários, sejam técnicos ou administrativos. Debilidade C: O extensionista não utiliza, plena e racionalmente, eficazes estratégias, métodos e meios de extensão rural. A correção das debilidades A e B serão suficientes apenas para melhorar a eficácia do SATER em benefício daquela minoria de agricultores que já recebe algum tipo de assistência. No entanto a referida minoria é inferior a 10% dos produtores rurais desta região e o desenvolvimento rural com equidade, requer beneficiar aos outros 90% atualmente excluídos. Evidentemente que os governos não dispõem de recursos para decuplicar a quantidade de extensionistas e de veículos, tampouco este seria o caminho correto, pois os SATER deverão buscar alternativas para trabalhar dentro das restrições dos nossos empobrecidos países. Por estas razoes será necessário buscar alternativas mais realistas e inovadoras, como por exemplo: a) Incorporar para-técnicos nas atividades dos SATER. Devidamente capacitados, nos aspectos técnicos e metodológicos, eles podem produzir um grande efeito multiplicador nas ações dos atualmente insuficientes extensionistas, como por exemplo: os professores das escolas fundamentais rurais, os agricultores bem sucedidos, os líderes rurais, os estudantes de ciências agrárias e os promotores de outras instituições relacionadas com o desenvolvimento rural. b) Envolver em suas atividades a outras instituições que possam ampliar e sinergizar as ações dos SATER, como por exemplo: cooperativas e associações de agricultores, empresas industriais e comerciais relacionadas com o negócio agrícola, etc. O êxito econômico de todas elas depende de que os agricultores melhorem a sua eficiência e incrementem a sua renda. Por estas razões está no interesse das referidas instituições executar, apoiar ou financiar as atividades de capacitação. É evidente que os financiarão com a condição de que os SATER corrijam as suas atuais debilidades; e lhes demonstrem que ao financiá-los estarão fazendo um investimento que lhes proporcionará bons lucros. O "gastar para executar atividades" deverá ser substituído pelo "investir para produzir resultados e solucionar problemas". Os SATER que não o fizerem ficarão cada vez mais desfinanciados. 3) Estabelecer estímulos para que o setor privado constitua empresas de assessoramento técnico capacitando e contratando profissionais agrários que atualmente estão desempregados. Outro exemplo de desperdício dos escassos recursos públicos é o altíssimo percentual de profissionais e técnicos em ciências agrárias que atualmente estão desempregados. Isto acontece não porque os agricultores não necessitem do seu assessoramento, mas sim porque o perfil dos referidos profissionais, muito teóricos e disfuncionais, é totalmente inadequado às suas necessidades. Estes profissionais desempregados desejariam e deveriam receber uma capacitação muito funcional e prática que os habilitasse “auto empregar-se”. Efetivamente, essa capacitação deveria desenvolver treinando os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para conseguir que os produtores rurais desenvolvam a sua capacidade para "ganhar dinheiro fazendo uma agricultura verdadeiramente eficiente". Através desta medida se solucionariam, simultaneamente, os problemas dos profissionais desempregados e dos agricultores carentes de uma eficiente assistência técnica. d) Incrementar e "eficientizar' o uso dos métodos e meios de extensão de maior cobertura e eficácia, tais com as demonstrações de resultados, as parcelas ou propriedades demonstrativas, as excursões técnicas, os dias de campo, os programas de rádio e televisão, as páginas web, etc. Antes de solicitar recursos públicos adicionais para ampliar a sua cobertura, os SATER deveriam mostrar mais e melhores resultados, dinamizando e organizando os produtores rurais e utilizando na plenitude das suas potencialidades, os métodos e meios de baixo custo e de grande efeito multiplicador, que estão disponíveis, porém inexplicavelmente sub-utilizados. Como exemplo podemos mencionar o rádio; infelizmente são pouquíssimos os extensionistas que aproveitam este meio, apesar de ser de baixo custo, fácil utilização, grande cobertura e notável chegada aos agricultores. e) Sem deixar de continuar dedicando-se à sua atividade tradicional de capacitar os seus próprios extensionistas e as famílias rurais, o SATER oficial poderia encarregar-se da capacitação (nos aspectos técnicos e metodológicos) dos extensionistas e para-técnicos de todos os demais organismos de extensão, promoção e desenvolvimento rural do seu respectivo país. Seria uma maneira muito interessante e eficaz de melhorar a eficiência e ampliar a cobertura de todos os organismos que integram o sistema nacional de ATER. Vários SATER latino-americanos ainda possuem excelentes e muito vivenciados extensionistas cuja sabedoria deveria ser aproveitada para perpetuar as experiências bem sucedidas do passado, repassando-as às novas gerações de agentes de extensão. Estes antigos extensionistas deveriam ser os "catedráticos" dos cursos de capacitação dos novos agentes de extensão rural.
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