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Scot Consultoria

Como negociar o boi?


Segunda-feira, 23 de novembro de 2009 - 11h59

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Vamos falar sobre as formas de se negociar boi gordo. Depois vamos refletir um pouco sobre os rumos futuros da negociação pecuária. Termino com uma sugestão de forma a complementar a realidade atual da negociação de bois. A mais tradicional, é claro, é a boa e velha ligação para o comprador do frigorífico. Cada um pergunta como o outro está, fala outras amenidades, como o tempo: "Tem chovido por aí?", e como tem passado de saúde, até que se entra nos detalhes do negócio. Os detalhes consistem basicamente no preço da arroba, na escala de abate e termina com o comprador indagando sobre o aspecto geral da boiada, como o peso e a raça. A conversa termina e mais uma compra é anotada no livro de escala de abate. Não sei há quanto tempo esse tipo de compra funciona, mas hoje esse sistema é tão comum quanto a compra do boi gordo na balança da fazenda. Esse sim é antigo. O comprador vai até a fazenda e pesa o gado. O animal já está previamente fechado no curral durante algumas horas. Faz-se a conta dos 52% de rendimento de carcaça e o pecuarista recebe o cheque para pagamento do gado com trinta dias ou, o que é mais comum, espera-se a confirmação do depósito do dinheiro no banco, à vista, pelo frigorífico. Só depois disso para se liberar o embarque dos bois. Provavelmente e praticamente todos os pecuaristas, filhos e netos de pecuaristas que lêem esse texto, já presenciaram uma das duas modalidades de negócio acima. O que nem todos sabem é que, nos últimos anos, outras modalidades de compra de bois surgiram. São práticas diferentes de se fazer negócio advindo das tradings de grãos. Estão se incorporando aos poucos no dia-a-dia dos negócios do boi. Ainda não representam muito no abate nacional de gado, mas a sua fatia vem crescendo ano a ano. Acredito que essas modalidades futuramente se tornarão a principal forma de negociação de boi. Essa é a razão de a gente ter que ficar ligado nisso e entender quais serão as oportunidades desse tipo de negócio e quais serão as consequências disso na oscilação em relação aos preços da arroba. Também é importante aqui começar a discutir quais serão os impactos dessa nova estrutura de mercado na comercialização de pequenos lotes de animais. Isso, acima de tudo, deve ser conversado com as gerações mais novas, com os filhos e netos dos atuais donos da fazenda. Não se pode correr o risco de mal prepará-los para as transformações que virão nesse negócio. Em uma única frase. O boi está virando frango. A idéia por trás disso é simples. A indústria possui muito mais poder do que o agregado de fornecedores, principalmente nos últimos anos, pois ela partiu para formar estoques reguladores próprios. É razoável dizer que a sua lógica industrial - padrão de acabamento, regularidade da oferta - aos poucos vai sendo assimilada pelos produtores e, aos poucos, a pecuária, que era uma atividade climática, sazonal, vai se tornando uma atividade industrial, regida pelo tempo, necessidade e lógica do “homo industrialis”. O Brasil é um país de capim. Ele representa praticamente 90% do nosso abate. Capim é exatamente a lógica da natureza, de safra e entressafra, coisa que naturalmente foge ao controle da lógica da indústria, que exige regularidade. A idéia do confinamento é estrategicamente importante, pois tem uma afinidade muito grande com o que a indústria quer e precisa (não se esqueça: a indústria quer previsibilidade e uniformidade), mas anos turbulentos como os últimos três que passaram nos mostram que essa é uma ferramenta que deve ser considerada com parcimônia, com cuidado. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”, diz o ditado. Haja vista o estrago que ocorreu e os desvios de comportamento que esses anos trouxeram para os preços da arroba. A lógica da indústria aos poucos vai sendo assimilada pela produção, como disse, mas não rápido o bastante. Claro, afinal, um frigorífico médio hoje no Brasil abate por mês mais animais que o maior pecuarista brasileiro abate por ano, então somente confinamento não é o bastante. A sede por se assegurar de oferta é muito maior. Muito maior do que a gente pensa. Surgiram outras formas de se negociar bois exatamente com o intuito de se assegurar essa oferta. Aqui estamos falando dos contratos a termo que estão muito populares nos últimos anos. Imagino que todos saibam o que é contrato a termo, mas vou explicar assim mesmo. É a maneira que o pecuarista tem de vender seu animal bem antes de ele estar gordo. Assim: ele vende hoje o gado de maio de 2010, por exemplo. Ele já negocia antecipadamente, se quiser, até o preço. Se quiser também, o frigorífico pode até antecipar parte do dinheiro que ele iria receber lá na frente! Esse é o contrato a termo. Outra forma mais recente de compra de boi é por um contrato de fidelidade. Funciona assim: o pecuarista se compromete a vender, por exemplo, mil cabeças para o frigorífico durante um período de doze meses. Ele informa, grosso modo, ao comprador mais ou menos as épocas em que ele venderá os bois. A fidelidade tem em contrapartida um bônus em porcentagem a mais sobre o preço da arroba do momento. Tipo uns 2% - 1% para a fidelidade em si e 1% pela distância da fazenda até a planta de abate. Há casos de bônus maiores, até por raça de animal, mas a idéia é a mesma. Outra forma de comercialização que tomei conhecimento recentemente é a seguinte. Você precisa comprar sal mineral para o gado, mas está sem dinheiro no momento. Você tem boi no pasto, mas eles ainda não estão gordos. O frigorífico adianta para você o dinheiro que você precisa. Você fica devendo em arrobas. Na hora de vender o gado gordo, o frigorífico desconta o saldo devedor antecipado para o sal mineral, devidamente convertido em arrobas lá no início, mais juros, e te devolve o restante do dinheiro. Essa forma de negociação é a que, imagino, crescerá no futuro, pois isso casa-se perfeitamente com a lógica do confinamento. Claro, o maior custo do confinador é o próprio boi magro. Se ele puder sair desse custo, lhe resta somente ser competente na engorda do cocho. Se ele conseguir fazer 3%, 4% ou 5% na engorda, em três meses, quanto dá isso de juros ao ano? Ou seja, se a arroba engordada custar R$70,00 e ele vender o boi por R$72,00 já é um lucro razoável. Seguindo essa lógica, o que impede o frigorífico de financiar também a ração do gado? De financiar o operacional? Aqui é que entramos na lógica da integração do frango. Escutei esse outro negócio essa semana. O frigorífico foi na fazenda do pecuarista e comprou os seus bois gordos, os pesou na balança da fazenda e já pagou pelo gado o preço da arroba do boi gordo, mas não embarcou o rebanho. Não. Ele combinou com o pecuarista para ele enviar os animais em meados de janeiro, onde ele prevê que lhe faltará animais gordos de um modo geral. Olha a lógica da indústria - previsibilidade de oferta - atuando. "Se o problema é em janeiro", ele detecta, "então por que não já sair comprando os bois, estocá-los nas próprias fazendas e em janeiro ir encaminhando os bois ao abate? Assim, eu diminuo o meu problema de fluxo de oferta, não é?" Sim. Vamos parar um pouco para respirar. Todas essas modalidades recentes de negócio trazem benefícios para ambas as partes, porém é inegável que, de um modo geral, o maior beneficiário da previsibilidade é a indústria. A falta de previsibilidade é que faz os preços oscilarem, caro leitor. O excesso de previsibilidade mata na raiz a necessidade de se "pagar para ver" até onde a arroba pode ir. Não quero julgar aqui e nem está implícito que a indústria faz isso por mal. Longe disso. Se fosse um frigorífico provavelmente estaria preocupado com o meu negócio, então não sou eu quem dirá como eles devem tratar suas contas e seus custos. Ocorre que em um mercado pulverizado como a pecuária, é notável ver essas modalidades refazendo rapidamente o cenário de preços da arroba de uma forma não detectável, pelo menos, nos últimos 20 anos. Isso quer dizer que nos últimos três anos o mercado se comportou, a meu ver, de uma forma que seria irreconhecível para a pecuária nessas últimas duas décadas. Essa não é uma transformação que deve ser entendida levianamente. Algumas ponderações devem ser postas na mesa. É claro que esse é um processo contínuo. Aqui estamos somente notando o que vem acontecendo e tentando timidamente enxergar o que poderá ser isso no futuro. Talvez estejamos passando pelo pico de oferta de bois confinados no Brasil? Será que uma oferta entre 2 a 3 milhões de cabeças está sendo "demais" para o nosso mercado aguentar? Talvez sim. Talvez não. Pode ser que a oferta atual já esteja sendo uma amostra da virada para baixo do ciclo pecuário? Quão forte estão sendo as reduções das exportações a ponto de se tornarem o fator principal da queda da arroba? Não compartilho da mesma opinião que as exportações, e o dólar, por assim dizer, são os principais vilões dessa história. Para mim há, hoje, mais oferta de gado que o mercado consegue absorver, internamente ou externamente, com crise ou sem crise. Simples assim. Esse é um cenário que vai persistir? Acho que não. Tudo que cai um dia sobe. Estamos historicamente nos piores preços da pecuária e já entrando no vermelho nas contas de engorda dos invernistas, os principais fornecedores das indústrias, previsibilidade ou não. Há ainda espaço para a arroba cair? Sim, mas não ficaria surpreso de vê-la parar de cair ao redor dos níveis que já estamos praticando atualmente. Agora que demos uma respirada, vamos voltar ao assunto principal. Gostaria de deixar minha contribuição e sugestão para o que imagino ser outro modelo, outro sistema de negociação. Para mim seria um bom sistema a somar com os atuais. Confesso que me pego divagando sobre o dia em que essa modalidade será possível. Você vende seu gado para o frigorífico, mas não negocia preço algum. O frigorífico, no primeiro momento, somente procede com o abate e você fica com o crédito em arrobas junto a ele pelo tempo que você quiser. É como se o frigorífico se tornasse um híbrido de armazém/banco. É claro que existiria um custo de manutenção desse saldo, mas não vem ao caso aqui, agora. Um belo dia você acha que o preço da arroba está bom e liga para o frigorífico avisando que gostaria de sacar parte de seu crédito em arrobas no preço do dia. Você pode, obviamente, sacar parte do crédito ou a totalidade, assim como você faria com seu saldo bancário. Mas o frigorífico iria ficar com essa carne estocada? É claro que não. Haverá algum estoque mínimo que ele deverá deixar resguardado por precaução, mas o restante ele provavelmente já vendeu, já negociou. O que você tem com ele, no final, é um crédito financeiro em arrobas. Um sistema desses resolve dois problemas. O primeiro é que você não precisa carregar boi gordo nos pastos. Você vende esse animal quando ele está biologicamente pronto. O segundo é que você não precisa mais especular os preços da arroba com o animal no pasto. Você carrega arrobas. Percebe a lógica do processo? É razoável dizer que há risco nessa questão. Afinal, já é difícil nas atuais circunstâncias deixar um crédito por trinta dias nas mãos de outra pessoa, mas há formas possíveis de se garantir um saldo desses através de seguros bancários e lastros financeiros em garantia. Até a própria carne do estoque é garantia. Qual a vantagem disso para o frigorífico? Não precisar pagar imediatamente em até trinta dias as suas compras. Assim como um saldo bancário, é possível que parte dessas arrobas não seja sacada imediatamente, gerando um saldo líquido permanentemente disponível nas mãos do frigorífico. Isso é mais dinheiro em caixa para ele, pois ele venderá a carne e estocará esse dinheiro, podendo utilizá-lo da forma que achar mais interessante. Em um sistema destes, pode-se até gerar um mercado spot (mercado físico disponível) de arrobas de boi, se isso for possível. Aí provavelmente em paralelo ao mercado de boi, mas sendo o mercado de arrobas, negociado uniformemente, formalmente, balizando os preços Brasil afora. Ou seja, você negociaria diretamente o crédito de suas arrobas junto ao frigorífico na bolsa, e ele atuando como o fiel depositário ou garantidor do negócio, algo similar como hoje é feito com ações ou ouro. Naturalmente a idéia do indicador Esalq/BM&F teria que ser repensada nessa hipótese, mas aqui já estou divagando demais... É isso, caro leitor. Esta é a minha humilde contribuição para o debate dos rumos da pecuária nacional. Não que o sistema atual seja ruim. Muito pelo contrário. É que na falta de idéias originais de como poderia ser um sistema diferente para negociação de bois, está aí uma idéia que nunca ouvi de ninguém antes. Me deu vontade de escrever sobre isso.
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