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Família Zebu


Terça-feira, 9 de maio de 2006 - 16h28


Capital do zebu. Assim é conhecida Uberaba, no triângulo mineiro, cidade que se orgulha de sediar a Expozebu, símbolo da pecuária mundial. Tecnologia e negócios se misturam há 72 anos. Uma história de sucesso. Por detrás dela, a ABCZ, Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, a mais querida representação rural do país. A entidade agrega 15 mil associados, responsável pelo registro genealógico de 10 raças, entre elas o Nelore. O cerne da pecuária nacional. O gado zebuíno se origina na Índia. Importações de animais trouxeram o primeiro surto de crescimento do rebanho no início do século passado. Falecido na Índia em 1918, com apenas 27 anos de idade, o pecuarista João Borges é pioneiro e mártir dessa verdadeira epopéia. A empreita não era difícil apenas pela travessia dos mares. Desencadeou-se na época uma inusitada disputa entre paulistas e mineiros. Os pecuaristas de São Paulo defendiam a seleção do gado Caracu, de origem européia, enquanto que os mineiros aprovavam o boi indiano. Virou a guerra do zebu. Durante quase duas décadas, políticos e pecuaristas brigaram por uma causa insólita. Os conservadores, que combatiam a vinda do gado “selvagem”, perderam a parada. Os audaciosos mineiros, aventurados pelo exterior atrás de genética nova, triunfaram. Sorte do Brasil. O zebu pode ser facilmente reconhecido pelo cupim, uma protuberância que a rês ostenta no dorso, corcova inexistente no gado de origem européia. Mas foi a rusticidade e boa fertilidade que levaram à supremacia das raças zebuínas. Na expansão da fronteira agrícola, adentrando-se nos cerrados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, o gado sagrado mostrou sua força. Acontece que, na Índia, o consumo de carne bovina é proibido por motivos religiosos. Da vaca se aproveita apenas o leite, bebido como elixir. Do boi, gosta-se de seu muque. Assim, a seleção milenar criou animais fortes, acostumados ao trabalho e ao transporte. Deu certo por aqui. Cruzado com o debilitado rebanho tupiniquim, os descendentes zebuínos mostraram excelente desempenho e adaptação ao clima tropical. Nesse quesito, a raça Nelore se sobressaiu. Originada do sul da Índia, região mais quente, bastou ser aprimorada para corte e deslanchar. O grande marco na evolução do zebu brasileiro foi fincado entre 1960 e 1962, com a última grande importação de animais. Pecuaristas empreendedores, como Torres Homem da Cunha, Veríssimo Costa, Rubico Carvalho e Celso Cid, formaram uma quadra de ases nesse período. Seu descortino jamais será esquecido. Alguns animais ficaram mais famosos que gente nessa história do Nelore. O maioral chama-se Karwadi, um tesouro genético descoberto pelo Dico, vaqueiro despachado para a Índia para escolher, no olho, reprodutores campeões. Junto com o touro, virou lenda. Venerados, os valentões indianos reinavam absoluto. Com a chegada da inseminação artificial, então, seu valor subiu nas alturas. Pudera, a coleta de esperma permite aproveitar ao máximo o potencial genético do bom reprodutor. Touros consagrados geraram acima de 100 mil doses de sêmen, espalhando bezerros por aí afora. Imperava o machismo no rebanho. As vacas, porém, viraram o jogo. Com a técnica da transferência de embriões, descoberta na década de 80, rompeu-se o ciclo reprodutivo natural da fêmea, cuja gestação é idêntica à humana, de 9 meses. Provocando nela, quimicamente, uma superovulação, seguida de inseminação artificial, vários óvulos são fecundados simultaneamente. Com poucos dias, são coletados e transferidos para as chamadas “vacas de aluguel”, que emprestam a barriga para procriar bezerro alheio. Nesta última década, com a fertilização in vitro (FIV), a técnica foi aprimorada. Multiplicou o rendimento. Cada vaca, selecionada pela excelente genética, passou a gerar 30, 50 até 100 bezerros num único ano. O touro ficou enciumado. Essa artimanha da tecnologia explica a enorme valorização das matrizes nos leilões de elite da pecuária, conforme se viu nesses dias em Uberaba. Ao contrário do passado, quando somente se valorizava o boi, as fêmeas passaram a se sobressair, valendo fortunas. As melhores ultrapassam um milhão de reais. Muita gente pode pensar que os pecuaristas ganham rios de dinheiro. Não é bem assim. Primeiro, há o diletantismo e a esnobação típica da elite. Empresários poderosos e artistas famosos ganharam dinheiro noutros negócios e agora investem em gado fino. Isso é positivo, mostra um ruralismo atraente, embora crie certa granfinagem. Segundo, os leilões de gado com alta genética representam o top da tecnologia, operando na fronteira do conhecimento. Por esse prisma, se assemelham à Fórmula Um. Os carros de corrida não têm preço. Servem de laboratório para invenções mecânicas que, mais tarde, atingem os automóveis comuns. Os pecuaristas inovadores não tiraram o pé-do-chão. Sentem-se, com razão, pilotos do círculo do progresso. Sabem que as vantagens adquiridas na cabeceira descem para a rabeira da atividade, beneficiando novos criadores, atingindo os pequenos. Basta andar pelo Brasil e conferir a performance recente do setor. Gado ruim vai cedendo lugar às raças aprimoradas. Adeus pé-duro. Orestinho Prata, talentoso presidente da ABCZ, ensina que o zebu forma uma família. É verdade. Exibe tradição, tem história. Melhor, alia qualidade com quantidade. Afinal, 80% do rebanho nacional, de 190 milhões de cabeças, se faz com o boi de cupim. Os indianos ficaram para traz.
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