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Scot Consultoria

Em termos simples, como a crise começou e como vem afetando o sistema agrícola?


Segunda-feira, 24 de novembro de 2008 - 14h53


Podemos comparar a economia a uma gangorra: se estiver indo para cima e para baixo é “divertido”, mas se estiver parada não tem graça. O “efeito gangorra” é o que acontece com empréstimo de dinheiro e promissórias, onde as transações envolvendo estes dois fatores geram o chamado CRÉDITO. A compra de uma casa é um bom um exemplo. Casas são caras, por isso os compradores acabam por pagar mais do que emprestam, devido à cobrança de juros através de mensalidades ou promissórias. Ao emprestar dinheiro, os bancos pedem algo em troca como garantia de pagamento, geralmente um imóvel ou bem, fazendo surgir as famosas HIPOTECAS, que tanto se tem ouvido falar desde os rumores da crise imobiliária Norte Americana. A casa comprada é na realidade do banco e o comprador só passa realmente a ser “o dono” quando quitar as dívidas. Até que isto aconteça, todo mês ele tem que pagar uma parcela de sua dívida. Como existem os juros nesta jogada, os bancos coletam mais dinheiro do que eles emprestaram no começo. Lucro para eles. Os investimentos funcionam mais ou menos da mesma forma. As empresas precisam de um capital inicial para começar sua atividade, manter ou aumentar investimentos. É aí que o banco vende as promissórias, liberando o crédito para as empresas. Para essas duas vias de crédito, existem dois tipos de banco: os bancos comerciais, que emprestam dinheiro por promissórias, e os bancos de investimentos, que vendem promissórias por dinheiro. Nos Estados Unidos existia uma lei formulada pelo governo depois da Grande Depressão em 1929, que estipulava que essas linhas de crédito deveriam ser independentes. Em 1999, a chamada lei do "Serviço Financeiro para um Ato Moderno" eliminou essa regra e agora as instituições financeiras podem trabalhar com as duas linhas de créditos. Aí vem a questão: como os bancos imaginavam que todo mundo poderia pagar o que havia emprestado por meio de promissórias, passaram a querer ajudar também as pessoas com menor poder aquisitivo, através das chamadas linhas de crédito subprime. Para que isso fosse possível os valores iniciais do investimento foram reduzidos. Assim as camadas mais pobres da população também passaram a utilizar os financiamentos para compra de imóveis. O “porém” desta história é que a relação de compra X construção de casas foi desproporcional, ou seja, havia mais pessoas querendo comprar do que casas que poderiam ser construídas. Seguindo a lei da oferta e da procura, os preços dos imóveis decolaram. Nesta situação, os bancos que passaram a acumular um maior montante de promissórias, começaram a repassá-las para os investidores que achavam que com a alta das casas poder-se-ia ganhar muito dinheiro no futuro. Mas este sistema dependia do PAGAMENTO das promissórias, o que não estava ocorrendo. Com isso, as taxas de juros das mensalidades subiram para compensar os “calotes” e elevaram mais ainda as mensalidades. Resultado: mais compradores não conseguiam pagar seus empréstimos. Com o não pagamento das promissórias os moradores tiveram que abandonar seus imóveis, sobrando casas no mercado e derrubando os preços das mesmas. Além disso, como a garantia do pagamento (hipoteca) era a própria casa financiada, os bancos absorveram toda a perda do valor do imóvel. Para se ter uma idéia, uma casa que há 10 anos valia US$400 mil agora passa a valer a metade resultando em um prejuízo de US$200 mil para o banco. Foi esta a onda que afetou o setor de investimentos. Como os bancos dispunham de um menor número de promissórias para serem negociadas, tiveram que emprestar seu próprio dinheiro para investidores. A fonte minguou e os bancos foram obrigados a fechar as portas. O governo americano está com um plano de US$700 bilhões para ajudar os "donos de casa", bancos e investidores, mas ainda não decidiu quanto cada parte irá receber. Pela sua experiência com produtores na Califórnia quais efeitos a crise financeira no país tem gerado no setor agropecuário? Os produtores em geral estão se esforçando para terminar este ano com uma boa liquidez e começar o próximo ano, pelo menos, sem dívidas. Nós estamos sugerindo aos produtores que adquiram empréstimos a longo prazo e a juros fixos, mesmo que esta opção gere taxas mais altas que os empréstimos a curto prazo, pois assim o produtor poderá ter um melhor controle de seus gastos. Além disso, os produtores devem pensar em começar a juntar forças, através de cooperativas ou alianças, as quais poderão aumentar seus poderes de compras e ainda diluir custos e riscos de manejo. Eu acredito que agora é uma boa oportunidade para fazerem das suas produções as mais eficientes possíveis. Há de se lembrar que a máxima produção não á a mesma coisa que máximo lucro! O programa Agência de Serviço à Fazenda (Farm Service Agency) esta oferecendo certeza em empréstimos para produtores. Isso está sendo feito para balancear a falta de crédito e confiança dos bancos. Outro fator que esta atingindo o setor agrícola é a mudança do hábito alimentar americano, ocasionado pelo alto custo dos alimentos e da gasolina. O americano está acostumado a comer fora de casa, mas com a alta dos preços, este hábito está reduzindo. E isso afeta diretamente o lucro dos restaurantes que diminuem a compra de alimentos do atacado, que reduz as compras de carne e grãos dos produtores, que por sua vez, vão reduzir a produção. E o ciclo pode continuar se os preços continuarem a subir. No setor da carne, a alta dos preços causou um grande impacto no consumo deste alimento. A carne bovina é uma das mais caras (R$24,5/kg) no setor e os consumidores, optam por carnes mais baratas, como frango e suíno. O mesmo efeito em cadeia explicado acima pode se aplicar ao setor produtivo de carne bovina: os produtores estão reduzindo suas margens de lucro cada vez mais. Nós acreditamos que as Alianças Mercadológicas são uma boa solução para integrar o sistema de produção e agregar valor ao produto final. Como a crise pode afetar os países em desenvolvimento em um futuro próximo? Podemos reformular essa pergunta como: "A crise pode gerar fome no mundo?". E a resposta é “sim”. Durante uma reunião em Roma no dia 15 de outubro de 2008, Jacques Diouf, diretor geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) chamou a atenção dos países desenvolvidos para que NÃO parem de financiar as nações em desenvolvimento, evitando um protecionismo fatal para o agravamento da crise mundial. Diouf, na ocasião disse "A maior incerteza no comércio internacional atual é a ameaça que a crise possa causar nos países, que podem adotar um comportamento protecionista agravando a recessão mundial." Diouf disse também que a crise econômica combinada com os preços dos grãos resultou em um adicional de 75 milhões de pessoas com fome e pobreza em 2007. Ele comentou que uma "crise de comida" esta por vir independente do recorde atingido pela colheita de cereais deste ano nos Estados Unidos (aumento de 4,9%). Além disso, os preços das commodities estão caindo em ritmo lento. Este movimento pode estar sendo provocado por projeções de altas colheitas nos próximos anos, mas também pelo "esfriamento" da economia aliado a outros fatores. Um exemplo de um país que está sentindo os impactos da crise financeira mundial é a Austrália que, mesmo sendo desenvolvido, começa a ter dificuldades na exportação das carnes bovina e ovina, especialmente dos cortes de maior valor agregado para os Estado Unidos e Japão, os dois maiores mercados daquele país para estes produtos. Como reflexo disto, o preço da carne australiana no mercado interno começa a cair, podendo afetar em um futuro próximo a lucratividade dos produtores. Quais outros setores na agricultura podem ser afetados pela crise? Um exemplo bem interessante é a de venda de tratores agrícolas, pois as mesmas empresas que produzem tratores e implementos para a agricultura também produzem equipamentos para construção urbana, setor em que começou a crise. Empresas como Deere & Co, CNH e Agco estão perdendo investidores e suas ações já caíram cerca de 65% nos últimos seis meses. Terry Darling, analista da Goldman Sachs acha que o bom desempenho atual é "insustentável", porque "o enfraquecimento no preço das commodities agrícolas deve reduzir a renda dos produtores", o que desestimularia a compra de novos tratores e colheitadeiras, que chegam a custar mais de US$300 mil. Mesmo sendo lógico, é importante lembrar que a compra de implementos agrícolas é feita por produtores e não consumidores. E isso implica que a compra de tratores está relacionada com a lucratividade do produtor. Para finalizar, as tendências para 2009 são pessimistas. Com a queda de 49,5% no preço do milho comparado a junho deste ano, de 46,9% nas cotações da soja comparadas a julho e 29% no trigo no mercado futuro para os últimos cinco meses, as empresas estão prevendo uma redução na venda de implementos agrícolas. A empresa J.P. Morgan, por exemplo, já esta prevendo que para 2009 somente produtores com terra própria venham a ter lucros. Como a bovinocultura de corte esta respondendo aos efeitos da crise e a alta nos preços das commoditties? Antes de responder esta pergunta, gostaria de situar o leitor para a situação agrícola atual. Os principais determinantes de preços das commodities são os fatores que afetam a produção e a competição pelo produto entre homem e animal. O secretario da Agricultura Norte Americana anunciou na reunião mundial de preços dos alimentos que com o crescimento não equilibrado da população mundial, a produção mundial de alimentos terá que dobrar até 2050. Em resposta a esse comentário o presidente e diretor chefe executivo da Bunge Norte Americana disse “Eu me sinto confiante e tranqüilo sobre a nossa habilidade em dobrar a produção de alimentos. Mas a maneira como faremos isso e quanto suavemente ela poderá ocorrer, é outra questão.” Atualmente nos Estados Unidos, o milho é a commodity que está ditando o preço dos alimentos, pois 30% da sua produção total vem sendo destinada à produção de etanol. E esta porcentagem tende a aumentar para os próximos anos. Com o investimento do governo para a produção de etanol, as áreas produtoras de soja, trigo e outros grãos estão se transformando em lavouras de milho, o que resulta numa falta de alimentos tanto para consumo humano quanto para o animal. Este déficit de alimentos aumenta o custo para produção animal e eleva o preço dos alimentos para os consumidores. A associação de produtores de etanol relatou que desde 2000 pra cá a produção de milho aumentou 2,7 bushel/acre, mas a demanda de etanol aumentou em 5,7 bushel/acre. Baseado nos dados publicados pelos confinadores para o mês de setembro, o peso vivo médio de entrada de novilhos em confinamento foi de 337,5kg e peso vivo final foi de 587,3kg. O tempo médio de confinamento foi de 166 dias, com um ganho médio diário de 1,5kg e custo de engorda de US$2,17/kg. Para novilhas os resultados observados foram pesos médios de entrada de 295,7 kg, peso final de 519,3 kg, ganho diário de 1,33kg/d, tempo médio confinado de 168 dias, com um custo de US$2,26/kg engordado. Confinadores estimaram uma perda de US$30,00 a US$40,00 por cabeça. Há um ano as estimativas eram positivas e esperava-se que o lucro ficasse entre US$10,00 a US$20,00 por cabeça. O custo médio da tonelada da dieta na matéria seca era estimado em US$280,00 e US$300,00. Agora que o leitor está situado nas condições atuais, vou responder a sua pergunta. Eu acredito que com a alta do preço do milho devido a uma elevada demanda para a produção de etanol, os produtores começam a perceber que poderão obter lucro (ou pelo menos reduzir as perdas), deixando seus animais por um período mais longo no pasto e colocando-os no confinamento com pesos mais elevados. Dave Latta, gerente da Pratt Feeders-LLC, possui um confinamento localizado no estado de Kansas e fez o seguinte comentário: “o ganho de um quilo diário está causando um aumento no custo de produção, ao invés de baratear (diluir o custo), como acontece normalmente.” Esta inversão no custo de ganho tem sido a razão principal para iniciar animais mais pesados em confinamento. Durante o congresso de confinadores (Beef Feedlot Conference), o professor Ron Plain da Universidade de Missouri comentou que “A alta do petróleo causou a alta nos combustíveis que, por conseqüência, elevou as cotações do etanol e do milho” e completou afirmando que “A cada US$0,10 no aumento no preço do milho, há uma desvalorização de US$6,00 a US$9,00 no valor do animal confinado”. Isso significa que quanto mais caro o milho, há redução nos interesses dos confinadores em comprar animais leves, pois gastariam mais para engordá-los. Por outro lado, os consumidores americanos e alguns dos importadores de carne bovina dos Estados Unidos, apreciam a maciez e o sabor da carne do animal alimentado com alto grão, tradicionalmente confinados por 120-180 dias. A entrada de animais mais pesados no confinamento significa que estes permaneceram por mais tempo em pastagem, esta mudança em dieta modifica a composição corporal e propriedades qualitativas da carne desses animais. Segundo dados apresentados na mesma conferência, animais confinados por menos de 100 dias podem ter diminuição no rendimento de carcaça, redução no marmoreio, gordura amarela (principalmente pela maior ingestão de pastagens), mudança no gosto e maciez da carne, além de uma menor produtividade por animal. No entanto, na atual circunstância, mesmo com estes potenciais efeitos negativos a redução no custo de produção ainda fala mais alto. Por isso, a palavra de ordem do momento é que os animais sejam confinados por pelo menos 60-70 dias, mesmo com os possíveis efeitos negativos. Para finalizar, posso resumir a atual situação em uma frase: “A agricultura Norte Americana esta fornecendo combustível para uma população mundial faminta.” O que você recomenda para os leitores interessados nesta área? Para o leitor interessado nesta área eu sugiro a participação no “II Simpósio Internacional de Nutrição de Ruminantes” o qual será realizado nos dias 24 e 25 de Abril de 2009, em Botucatu/SP. O simpósio esta sendo organizado pelo NUTRIR (Grupo de Nutrição de Ruminantes), e tem o objetivo de informar estudantes, professores, pesquisadores e produtores sobre a situação atual nos confinamentos brasileiros e norte americanos. Para maiores informações acesse: www.gruponutrir.com.br . Gustavo Cruz - Zootecnista formado em 2005 na UNESP-Botucatu. Membro fundador do Grupo NUTRIR. Mestre em Ciência animal pela Universidade da Califórnia-Davis.
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