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Scot Consultoria

Mais uma na conta da agricultura


Terça-feira, 8 de setembro de 2009 - 16h42

No dia 28 de agosto, sexta-feira, o caderno Ciência do jornal A Folha de São Paulo trouxe uma reportagem sobre a ameaça do gás hilariante ou óxido nitroso ou N2O e os malefícios para a camada de ozônio. A manchete não podia ser pior para a agricultura: “Gás emitido pela agricultura ameaça camada de ozônio”. E a matéria manteve na linha costumeira do caderno, resumindo alguma pesquisa ou estudo publicado por especialista. O artigo descrevia o histórico, as conquistas e as ameaças que ainda persistem sobre a camada de ozônio. Na linha de argumentação, os articulistas lembraram que, com o objetivo de conservar a camada de ozônio que protege a Terra contra os raios ultra-violetas, em 1987 as Nações Unidas assinaram o Protocolo de Montreal, que baniu a produção de CFCs, ou clorofluorcarbonos. Mas, segundo a matéria, não proibiram as emissões do óxido nitroso – gás hilariante. Com a redução da emissão de outros gases, que eram originados de processos industriais ou de alguns produtos (como sprays, por exemplo), é evidente que a importância de outros gases acaba aumentando proporcionalmente. Neste caso, o outro gás é o óxido nitroso. A matéria atende a proposta do caderno Ciência. Mas, infelizmente, a forma com que foi colocada desinforma mais do que informa. Por exemplo, quando fala da proibição da emissão dos outros gases, a reportagem taxa que “o gás hilariante, porém, ficou de fora” destas proibições. Também não explica como é emitido o óxido nitroso pela agricultura. Da forma como são colocadas ambas as afirmações, fica a impressão de que as emissões são voluntárias, negligentes e poderiam ser evitadas por algum decreto. Embora os dados sejam reais, a falta de informação, e colocações mal explicadas, acabam por levar o leitor a conclusões erradas sobre a agricultura e as emissões do óxido nitroso. A principal forma de emissão deste gás pela agricultura se dá através da adubação nitrogenada. Aplica-se nitrogênio e as reações químicas acabam por produzir o gás, que será perdido para a atmosfera. No simpósio de Nitrogênio e Enxofre, realizado em Piracicaba em 2006, Carlos Clemente Cerri, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), estimou que para cada 100 kg de nitrogênio aplicado por hectare, ocorre uma liberação de 1,96 kg de óxido nitroso para a atmosfera. O setor agropecuário é atento a essas emissões. Sabe-se que em termos de aquecimento da atmosfera, o óxido nitroso equivale a 296 vezes o gás carbônico. Por isso os efeitos do óxido nitroso na agricultura são contabilizados na forma de balanço de carbono. O balanço do carbono é hoje o tema central das questões ambientais e emissões gasosas para atmosfera. Sendo assim, para cada 100 kg de nitrogênio, aplicado via adubação, haveria uma emissão de 580 kg de equivalente gás carbônico na atmosfera. Como o carbono representa 27,2% do gás carbônico, as emissões de óxido nitroso, para cada 100 kg de nitrogênio aplicado ao solo, equivaleriam a 158 kg de carbono emitido. Por sua vez, quando se aplica fertilizantes nitrogenados, há o aumento considerável na produção vegetal, ou seja, há também o seqüestro de carbono. Considerando uma participação média de 2% de nitrogênio nas plantas, cada 100 kg de nitrogênio aplicado deveriam ser suficientes para proporcionar 5 toneladas de matéria seca vegetal. Matéria seca é o volume total produzido descontando a água. Com base no aumento da produção de massa verde (ou massa seca), e na relação entre carbono e nitrogênio na matéria seca, pode-se esperar que a adição de nitrogênio ao sistema melhore o seqüestro de carbono. Em média, 60% da composição da matéria seca das plantas é carbono. As plantas mais eficientes em produção (milho, pastagens, cana-de-açúcar, sorgo) possuem relação carbono/nitrogênio (C/N) alta. Estas relações são em torno de 40/1 (carbonos para cada nitrogênio) até 60/1. Quando materiais ricos em carbono (como estas plantas citadas anteriormente) são adicionados ao solo, melhoram-se as condições para a atividade de microrganismos. No entanto, a falta de nitrogênio pode limitar essa atividade microbiológica. A melhor relação carbono/nitrogênio seria entre 33/1 e 17/1. Nestes casos, a imobilização tende a ser igual a mineralização do nitrogênio. Acima de 33/1, o processo de imobilização do nitrogênio é superior a mineralização. Abaixo de 17/1, a mineralização do nitrogênio é superior à imobilização. Imobilização é a transformação do nitrogênio da forma mineral para o nitrogênio em formas orgânicas. Mineralização é a transformação do nitrogênio orgânico para formas minerais, mais disponíveis às plantas. Grosso modo, nos restos de plantas de relações altas em C/N os microorganismos tendem a “roubar” nitrogênio do solo para o processo de decomposição. Em relações C/N baixas, há maior disponibilidade de nitrogênio para o processo e, na falta de carbono e microorganismos, esse nitrogênio é perdido para a atmosfera. Neste processo, de decomposição por mineralizacão, os microrganismos usam os materiais orgânicos como fontes de energia e de carbono. Os produtos finais são gás carbônico, água, sais minerais e alguns compostos nitrogenados. A decomposição da matéria orgânica vai ocorrendo até que se atinja a relação carbono/nitrogênio próxima de 10/1, que é a relação natural existente na matéria orgânica do solo, ou do húmus propriamente dito. A partir daí a velocidade de decomposição reduz-se significativamente. Portanto, é de se esperar que, quanto maior a quantidade de nitrogênio no sistema, maior será a quantidade de carbono fixado no solo, para que se mantenha a relação. Ao mesmo tempo, as condições do solo melhoram num processo inverso ao que ocorre quando se queima a matéria vegetal (queimadas) e quando se revolve o solo. O revolvimento do solo oxida (queima) a matéria orgânica. Para analisarmos se é viável ainda aplicar nitrogênio nas plantações, do ponto de vista ambiental, transformamos todas as emissões de óxido nitroso em equivalente carbono. Foram usadas as proporções citadas anteriormente para a equivalência de carbono, ou seja, cada 100 kg de nitrogênio aplicado tende a emitir o equivalente a 158 kg de carbono por hectare. Foram usados dois parâmetros para comparar o efeito inverso, ou seja, a expectativa de seqüestro de carbono na área: seqüestro potencial e efetivo de carbono, os quais estão descritos a seguir. Em média, há 20 kg de nitrogênio em cada tonelada de matéria seca vegetal e há também 600 kg de carbono. Sendo assim, para cada 100 kg aplicados em nitrogênio, espera-se a produção potencial de 5 toneladas de matéria seca, das quais 3 toneladas serão carbono. Considerando aquela relação ideal de carbono/nitrogênio na formação do húmus, pode-se considerar que serão devolvidos entre 40% a 60% de todo o carbono para atmosfera, sendo o restante seqüestrado efetivamente passando a compor a composição do solo. Lembre-se que aquele carbono que volta à atmosfera já estava anteriormente na própria atmosfera. Pela fotossíntese, a planta foi transformando o carbono do gás carbônico em carbono orgânico. A figura 1 apresenta o potencial de seqüestro de carbono nas plantações, a estimativa mais pessimista para o seqüestro efetivo de carbono e as emissões diretas em formas de óxido nitroso, segundo dados de pesquisa e médias de perdas de nitrogênio nas adubações na forma de óxido nitroso. Observe que para cada quilo de equivalente carbono emitido na forma de óxido nitroso, serão seqüestrados 6,2 kg de carbono em matéria vegetal que será convertida em húmus. Ainda pode-se considerar a quantidade de carbono nas raízes ou aprimorar ainda mais os cálculos. Mesmo alterando as proporções de nutrientes na planta, que variam de acordo com as espécies ou mesmo com as condições gerais do ambiente, o saldo ainda será positivo. Por isso é válido reforçar a necessidade de se informar corretamente como acontece este processo na agricultura. A base de toda boa solução é um bom diagnóstico. E não há meio de se produzir um bom diagnóstico com informações de má qualidade. A melhor forma de se reduzir as emissões de óxido nitroso pela agricultura é melhorando a eficiência no aproveitamento do nitrogênio aplicado. E não há maior interessado nesse aumento de eficiência do que o próprio produtor. Cada unidade de óxido nitroso que vai para a atmosfera representa prejuízo para o produtor. Há como reduzir as emissões. Para tanto é preciso pesquisas, divulgação e receptividade por parte dos agricultores.
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