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Proibir a exportação de gado vivo pode gerar danos econômicos ao país

por Lorenzo Cracco
20/10/2025 - 18:00

Recentemente aventou-se a hipótese de que a proibição da exportação de gado vivo beneficiaria a pecuária de corte brasileira, pois o gado que seria exportado poderia ser processado internamente, gerando mais empregos, além do que exportaríamos um produto com valor agregado maior. 

Isso é verdade?

O mercado em setembro

Além da exportação de carne bovina in natura com bom desempenho em setembro – o melhor mês da história –, a exportação de bovinos também esteve forte. O Brasil exportou 138,3 mil cabeças – figura 1 –, onde o Marrocos comprou 25,1% desse total, com Iraque e Egito na sequência, com 18,7% e 17,0%, respectivamente. 

Figura 1.
Exportação em mil cabeças, por mês.

*5A: 5 anos.
Fonte: Secex / Elaboração: Scot Consultoria

Em setembro a exportação de bovinos foi a maior do ano e o terceiro maior volume da história, perdendo apenas para setembro de 2018 e dezembro de 2024. No acumulado do ano, são 790,9 mil cabeças – 15,9% maior na comparação com o mesmo período do ano passado, que foi um ano recorde.

Isso demonstra o apetite global não somente por carne bovina, mas também pelos próprios bovinos e a diversidade da demanda, já que a maior parte dos países compradores de gado vivo são de maioria islâmica, coisa que não acontece para a carne. 

“Convertendo” os bovinos exportados para carne bovina in natura, estimamos que esse setor representaria 6,7% do volume exportado de carne bovina em setembro, ou seja, seria algo em torno de 21,0 mil toneladas das 314,7 mil toneladas exportadas. 

Como parcela do gado exportado se tratava de bovinos para reposição, principalmente pela Turquia, e considerando o peso médio nacional do gado exportado em setembro, o cálculo faz sentido, já que o peso foi de 425,7 kg/cabeça. 

O Brasil também vende gado de reposição, que é um mercado “distinto” da carne

Considerando bovinos que foram exportados com menos de 315kg, o Brasil vendeu em 2025, 205,2 mil cabeças, ou 25,9% do total externalizado. Faturamos com esses bovinos US$153,3 milhões, o que representou 19,9% da receita com a venda de todas as categorias de gado vivo. 

Esse fluxo atende outra etapa da cadeia e não é substituível por caixas de carne in natura. Os países que precisam de bovinos magros buscam aproveitar insumos e subsídios locais e controlar o crescimento sob requisitos religiosos e sanitários próprios. 

Para o Brasil, a não exportação, significaria perder um canal de escoamento para a cria e introduzir ineficiências que desestimulariam o investimento na fase de cria. Reposição e carne são mercados distintos. 

Gado vivo tem prêmio sobre a carne in natura

Observe a tabela 1. Ela compara, por destino, os preços médios (US$/t) e os volumes (mil t) de carne bovina in natura e de gado vivo convertido em equivalente-carne. Essa comparação permite medir (i) o prêmio de preço pago pelo formato “vivo” e (ii) a participação relativa de cada modalidade nas compras de cada país.  

Tabela 1.
Preço médio (US$/t), volume de carne bovina in natura (mil t), prêmio pago pelo gado vivo, participação de cada modalidade nas compras de cada país e quantidade de cabeças adquiridas no período com mais de 400kg. 

Argélia Emirados Árabes Unidos Iraque Marrocos Turquia Jordânia Líbano
Preço "in natura" $5.291,94 $5.271,50 $4.791,88 $5.255,51 $5.136,30 $5.023,19 $6.013,84
Preço "gado vivo" $7.792,52 $5.767,32 $6.682,87 $7.193,44 $7.539,52 $6.367,97 $6.257,94
Prêmio "gado vivo" 47,3% 9,4% 39,5% 36,9% 46,8% 26,8% 4,1%
Vol. "in natura" (A) 34,0 27,0 3,5 1,8 14,5 9,9 16,2
Vol. "gado vivo" (B) 2,4 1,9 13,3 21,9 4,2 2,1 11,2
Taxa A/B 1428,4% 1442,5% 26,5% 8,1% 343,2% 479,6% 144,9%
Qntd. cabeças 11.762 7.900 78.953 130.085 25.277 13.238 58.430

Para essa análise, consideramos somente gado que foi exportado com mais de 400kg, o que, em teoria, é um gado que estaria pronto para abate no destino.
Além disso, consideramos somente os bovinos comercializados com Argélia, Emirados Árabes Unidos, Iraque, Jordânia, Líbano, Marrocos e Turquia, que no total representaram 99,9% do gado exportado com mais de 400kg.
Sendo assim, analisamos 325,6 mil cabeças, representando 41,2% do total exportado e 51,2% do faturamento.
Os dados referem-se as compras desses países no acumulado de 2025, até setembro, segundo dados da Secex.
Índices zootécnicos utilizados: rendimento de carcaça: 55,0%; conversão carcaça/carne: 64,0% carne e 36,0% outros.
Fonte: Secex, Scot Consultoria, USDA / Elaboração: Scot Consultoria

Os dados mostram um padrão consistente: o gado vivo carrega prêmio de preço em todos os destinos analisados. Na média ponderada pelos volumes, o preço por tonelada equivalente do vivo fica cerca de 28,7% acima da carne in natura. Por país, os prêmios variam de 4,1% no Líbano e 9,4% nos Emirados Árabes Unidos até a faixa de 26,8% a 47,3% em Jordânia, Iraque, Marrocos, Turquia e Argélia. 

No agregado de volumes, há mais carne bovina do que gado vivo, mas a composição é heterogênea entre mercados. Iraque e Marrocos se destacam como compradores de gado vivo, enquanto Argélia, Emirados Árabes Unidos, Turquia, Jordânia e Líbano compram majoritariamente carne in natura, tratando o gado vivo como nicho, ainda assim, pagando prêmio. 

Em termos econômicos, converter integralmente o que hoje é embarcado como vivo para carne, aos preços médios de cada destino, implicaria perda de receita bruta da ordem de US$90,0 milhões, refletindo justamente a renúncia ao prêmio do vivo (com base apenas nos dados da tabela 1). 

Do ponto de vista comercial, onde o vivo é preferido por questões de ritual ou hábito de consumo, a tendência é perder clientes para outros fornecedores de gado vivo. Nos mercados em que o vivo é minoritário, parte do fluxo pode migrar para carne, mas sem o prêmio e possivelmente em menor volume. Em síntese, restringir ou proibir a exportação de gado vivo reduziria a receita média por tonelada, encolheria a demanda em países-chave e elevaria o risco de deslocamento de mercado. 

Assim...

Impedir a exportação de gado vivo tenderia a reduzir a receita e causar danos à pecuária nacional. O Brasil se destaca na exportação de carne bovina in natura, possuindo escala, eficiência industrial e logística consolidada. No entanto, mesmo assim, alguns destinos escolhem deliberadamente importar gado vivo. 

Em outras palavras, quando esses países não adquirem a carne brasileira, não é por falta de capacidade nossa, mas porque preferem o produto na forma viva, por preferência de abate, requisitos religiosos e outros motivos. Forçar a conversão integral desse fluxo em carne exigiria renunciar ao prêmio por tonelada e perder clientes que têm preferência definida. 

Do ponto de vista de externalidades, a exportação de bovinos vivos acarreta custos que vão além de quem vende e compra – há riscos de estresse, maus tratos e mortalidade durante as viagens. Esses eventos são reais e não devem ser ignorados, entretanto, quando as operações são bem realizadas, são casos isolados. 

Assim, o dilema da política pública não é simples – ao proibir totalmente a prática, pode-se mitigar o dano ao bovino, mas isso vem com o custo de empregos, renda e investimentos em toda a cadeia (cria, recria e engorda). 

Cabe aos legisladores avaliarem se o benefício de “eliminar” o dano animal por meio do banimento compensa os custos econômicos e sociais de fechar esse canal comercial. Em outras palavras, decidir quanto de bem-estar animal se ganha e quanto de emprego se perde. Uma opção com menor custo social é permitir o canal de gado vivo sob salvaguardas rigorosas: padrões maiores de bem-estar, auditoria independente, metas e limites de mortalidade com penalidades e sanções efetivas para infratores. 

Se, ainda assim, certos fluxos não alcançarem o nível requerido, que sejam impostas restrições específicas, em vez de uma proibição geral.