O corredor bioceânico - oficialmente denominado corredor Rodoviário Bioceânico de Capricórnio - e a ferrovia bioceânica são projetos estratégicos para a coesão logística da América do Sul. O empreendimento, desenvolvido pela Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), visa conectar a produção do Centro-Oeste brasileiro diretamente aos portos chilenos no Oceano Pacífico, oferecendo uma alternativa ao escoamento tradicional realizado pelo Porto de Santos e facilitando o acesso aos mercados asiáticos.
O trajeto da Rota passa por Porto Murtinho - MS, atravessa a região do Chaco Paraguaio e o norte da Argentina, transpondo a Cordilheira dos Andes até alcançar os portos chilenos de Antofagasta e Iquique. Com uma extensão planejada de 2.396 quilômetros, o eixo rodoviário do projeto tem a seguinte rota:
• No trecho de 430 km no Brasil, passa pelas cidades de Campo Grande, Sidrolândia, Nioaque, Jardim, até Porto Murtinho no Mato Grosso do Sul;
• No trecho de 559 km no Paraguai, percorre Carmelo Peralta, Mariscal Estigarribia, até Pozo Hondo;
• No trecho de 977 km na Argentina, segue por Misión La Paz, Tartagal, Jujuy, até Salta;
• No trecho de 430 km no Chile, cruza Sico e Jama, chegando finalmente aos portos de Antofagasta, Mejillones e Iquique.
O impulso decisivo para o projeto ocorreu com a Declaração de Assunção de 2015, que formalizou o compromisso político do Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, estabelecendo Campo Grande (MS) como o ponto de partida em território brasileiro.
A Ponte Internacional, obra de engenharia mais crítica do corredor, materializa a ligação entre brasileiros e paraguaios nesse eixo estratégico. Seu trecho estaiado será sustentado por torres de 125 metros de altura, e a obra terá 1.294 metros de extensão, restando apenas 18,0% para sua conclusão, de acordo com o último relatório técnico do Ministério de Obras Públicas e Comunicações (MOPC) do Paraguai referente a setembro de 2025. Financiada pela Itaipu Binacional, a ponte suportará um fluxo de 250 caminhões por dia, ligando Porto Murtinho (Brasil) a Carmelo Peralta (Paraguai), garantindo eficiência logística e segurança operacional para o transporte de cargas do trajeto.
A relevância estratégica do corredor é amplificada pelo peso do agronegócio e das commodities na pauta de exportações brasileiras como um todo, cujo principal destino é a China. O gigante asiático é o principal parceiro comercial do Brasil, responsável por 28,0% da balança comercial em 2024, percentual que se manteve no acumulado de janeiro a setembro de 2025.
A dependência do modal marítimo é evidente: das 634,5 milhões de toneladas exportadas, que geraram US$257,8 bilhões em receita, 53,5% foram escoadas por meio do transporte marítimo em 2025. Apesar da extensa fronteira terrestre brasileira, apenas 17,0% das exportações utilizaram o modal rodoviário, destacando o potencial de diversificação logística que um corredor eficiente como a Rota Bioceânica oferece.
Os principais produtos brasileiros destinados à China de janeiro a setembro de 2025, e que poderiam se beneficiar dessa rota, foram a soja (38,4%), os óleos brutos de petróleo (19,4%), o minério de ferro (18,2%), a carne bovina (8,0%), a celulose (4,8%) e os açúcares (1,8%). Esse grupo de commodities representou 90,7% do volume das exportações do Brasil para a China no período.
Com relação ao volume exportado pelo Brasil para todos os destinos, os produtos com maior participação foram a soja (14,5%), os óleos brutos de petróleo (12,9%), o minério de ferro (7,9%), a carne bovina (4,4%), o café não torrado (4,0%) e os açúcares (3,9%), que, somados, responderam por 47,6% do volume total das exportações para o mesmo período.
A Rota Bioceânica coloca o agronegócio e a mineração diante de uma escolha estratégica: priorizar velocidade e menores custos ou manter a capacidade de alto volume da rota tradicional. Nesse contexto, a viabilidade do projeto depende da infraestrutura existente. O tempo médio de deslocamento terrestre pelo corredor está estimado em 31,5 horas, excluindo os procedimentos aduaneiros.
A principal vantagem da Rota Bioceânica reside na capacidade de otimizar dois recursos críticos no comércio global: tempo e custo logístico. Estudos acadêmicos e governamentais quantificam essa eficiência por meio de modelagens minuciosas. A análise comparativa entre o ponto de origem no Brasil (Campo Grande/MS) e o destino na China (Xangai) demostra uma redução significativa de custos e tempo em contraposição à rota tradicional via porto de Santos. Desenvolvida por Melo Filho e Castro (2024), com apoio de ferramentas da Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL) do Brasil, a tabela 1 apresenta a comparação detalhada:
Tabela 1.
Comparativo de distância, tempo e custo por diferentes rotas de exportação.
Rota | Distância Total (km) | Tempo de Viagem | Custo Total (US$/t) |
---|---|---|---|
Via Porto de Santos | 25.245 | 54 dias e 8 horas | 342,44 |
Via Corredor Bioceânico (Porto de Antofagasta) | 20.929 | 42 dias e 1 hora | 299,20 |
Diferença | - 4.316 km | - 12 dias e 7 horas | - $43,24 (12,6%) |
Fonte: Melo Filho e Castro (2024) / Elaborado por: Scot Consultoria
Outras estimativas apontam para reduções de 14 a 17 dias no transporte, projetando uma economia de 12,0% a 30,0% nos custos logísticos totais, uma vez que os trajetos marítimo e terrestre são encurtados de sete a oito mil quilômetros, aproximadamente, em comparação com as rotas tradicionais pelo Atlântico.
Além dos benefícios econômicos diretos, a Rota Bioceânica representa um avanço estratégico em diversos níveis de desenvolvimento regional. Ao reduzir significativamente os custos logísticos e a duração da viagem para o escoamento de produtos sul-americanos, ela fortalece a competitividade do Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, garantindo vantagens ao agronegócio e à indústria frente aos mercados da Ásia, Oceania e costa oeste das Américas.
Além disso, o trajeto cria fluxos comerciais, atrai investimentos e estimula o surgimento de novas cadeias produtivas, funcionando como uma plataforma para o desenvolvimento regional, o turismo e a integração de projetos aduaneiros. Embora seja predominantemente rodoviário, o corredor também incentiva a multimodalidade, englobando as redes hidroviária e ferroviária existentes e ampliando a eficiência do escoamento de mercadorias da região.
Catalisadora de uma revolução logística na América do Sul, a Rota Bioceânica já está transformando a infraestrutura de armazenagem e movimentação de cargas nos países envolvidos, antes mesmo de sua conclusão. O Mato Grosso do Sul concentra os maiores e mais detalhados investimentos, visando firmar posição como a porta de entrada terrestre para o Pacífico. A cidade de Porto Murtinho (MS) - que conecta o modal rodoviário à hidrovia Paraguai-Paraná e viabiliza o escoamento de produtos agrícolas, especialmente soja e milho - é o epicentro dessa transformação. Impulsionada pela expectativa do corredor, a infraestrutura local está em expansão, com a instalação de armazéns graneleiros ao longo da BR-267, a "Rodovia da Rota Bioceânica", em áreas anteriormente dedicadas à pecuária.
O complexo portuário da Rota Bioceânica integra portos com funções táticas distintas, mas complementares. Em Corumbá (MS), o Porto Seco complementa a rede logística na fronteira. Sua estrutura robusta inclui armazéns cobertos com 4,5 mil m² (exportação) e 1,5 mil m² (importação), além de 25 mil m² de armazenamento a céu aberto. O complexo tem capacidade para dar suporte a grandes volumes, com pátio para 550 caminhões e área ferroviária para 250 vagões, destacando sua importância como ponto de transbordo e inspeção. Seu papel conecta-se diretamente ao sistema hidroviário paraguaio, fato que amplia a capilaridade do projeto.
No Paraguai, a hidrovia Paraguai-Paraná contribuirá com portos como o de Concepción para apoio logístico a 200 km da fronteira brasileira. O país preencheu uma lacuna de infraestrutura com a reativação e modernização do porto, onde foram investidos US$7,5 milhões, segundo o Ministério da Indústria e Comércio do Paraguai. O porto atingiu uma capacidade de armazenamento estático de 34 mil toneladas - distribuídas em quatro silos verticais e um silo armazém -, constituindo uma capacidade operacional de descarga de caminhões de até 500 toneladas de grãos por hora e uma elevação de 1,4 mil toneladas por hora.
Enquanto o Paraguai avança na modernização portuária, a realidade da Argentina apresenta um contraste significativo. O trecho argentino é o que apresenta os maiores desafios do projeto, devido à infraestrutura rodoviária insuficiente com cerca de 26 quilômetros de estrada sem pavimentação. Além disso, destaca-se a menor prioridade política e econômica do governo central em Buenos Aires, que privilegia investimentos no porto da capital, refletindo uma tradição histórica.
Diante das fragilidades argentinas, os portos chilenos assumem ainda mais relevância, pois representam a ligação efetiva com o mercado asiático. O Porto de Iquique, localizado na região de Tarapacá, destaca-se por sua posição geográfica estratégica, funcionando como uma saída natural para o cone Sul do hemisfério. Administrado pela Empresa Portuária Iquique (EPI), o porto movimentou 227,7 mil toneladas em exportações e 211,6 mil toneladas em importações em 2024. No mesmo período, a cabotagem registrou 883,0 mil toneladas embarcadas e 49,2 mil toneladas desembarcadas.
De janeiro a agosto de 2025, o porto de Iquique exportou 270,2 mil toneladas. Seu plano de desenvolvimento, com horizonte para 2030, prevê a expansão da infraestrutura portuária e da conectividade rodoviária e ferroviária, visando absorver o novo fluxo de cargas provenientes do corredor.
Paralelamente, o Porto de Antofagasta, operado pela Empresa Portuária de Antofagasta (EPA) e por terminais de concessão, movimentou em 2024 um total de 1.072,8 mil toneladas em exportações e 1.127,1 mil toneladas em importações. No segmento de cabotagem, embarcou 1,2 mil toneladas e desembarcou 140,7 mil toneladas no mesmo período. De janeiro a agosto de 2025, o porto de Antofagasta exportou 666,5 mil toneladas.
Ainda que os portos chilenos estejam preparados para receber o aumento do escoamento, fatores externos como clima e questões aduaneiras continuam sendo gargalos ao longo do corredor. As geografias do Pantanal, da Cordilheira dos Andes e do Deserto do Atacama são fatores de complexidade ao longo do trajeto. Durante o inverno, nevascas podem fechar a fronteira entre Argentina e Chile por dias, interrompendo o fluxo de veículos. A integração aduaneira entre os quatro países é um obstáculo crítico, com procedimentos lentos e burocráticos que precisam ser superados para garantir a fluidez do transporte de cargas.
De fato, o corredor Rodoviário Bioceânico de Capricórnio é um projeto transformador para a logística sul-americana, e tem potencial para redefinir os fluxos comerciais do continente. Ao criar um eixo terrestre direto entre o coração produtivo do Brasil e os portos do Pacífico, o corredor otimiza tempo e custos e consolida uma rota estratégica que amplia a competitividade global das exportações de commodities.
A materialização dessa iniciativa representa, portanto, um passo decisivo na integração física e econômica dos países membros. A partir de uma coordenação política efetiva e investimentos sustentados em infraestrutura, o corredor consolidará a posição da América do Sul como protagonista do mercado global.
Bibliografia consultada:
MELO FILHO, C. R; CASTRO, J. C. P. Corredor rodoviário bioceânico: modelagem de tempos de viagem, estrutura de custos logísticos e a constituição de um observatório regional. Observatorio de la Economía Latinoamericana, v. 22, n. 9, DOI: 10.55905/oelv22n9-179, 2024.