A mosca-dos-chifres (Haematobia irritans) é um dos ectoparasitas mais persistentes e prejudiciais à bovinocultura brasileira, tanto do ponto de vista produtivo quanto econômico. Hematófaga e altamente adaptável, encontra condições ideais para sua multiplicação na maior parte do território nacional.
O ectoparasita é agressivo. Cada mosca realiza em média 25 a 40 picadas doloridas ao longo do dia, concentrando-se em regiões de difícil acesso para os movimentos defensivos dos animais, como o cupim, dorso, ventre e os membros.
As infestações por H. irritans comprometem o desempenho zootécnico, com reduções no ganho de peso, na produção de leite, no consumo diário e na conversão alimentar, além de desvalorizar o couro devido às lesões cutâneas. Em casos graves, a infestação prolongada pode levar a quadros clínicos severos e até a morte.
O parasitismo provoca intenso estresse nos animais, resultando em maior gasto energético, redução no tempo de pastejo e ingestão de água. Esses fatores, combinados, levam a atrasos no ganho de peso e, consequentemente, ao aumento da idade ao abate, afetando a rentabilidade da pecuária de corte.
Além dos prejuízos descritos, o H. irritans também é vetor de patógenos, como os agentes do carbúnculo hemático, leucose bovina, anaplasmose, além do helminto Stephanofilaria sp., também das miíases.
Em 2014, os prejuízos econômicos causados por esse parasita ao rebanho bovino brasileiro foram estimados em US$2,56 bilhões. Corrigindo esse valor pela inflação até 2025, as perdas ultrapassariam os R$13,1 trilhões, destacando a magnitude das perdas.
Diante de prejuízos tão expressivos, é imprescindível a realização de uma análise econômica das estratégias de controle, com foco em seu custo-benefício. Essa abordagem permite ao produtor compreender cada etapa da atividade pecuária, identificando os principais pontos de estrangulamento do processo produtivo e direcionar investimentos para práticas eficientes.
Diversos estudos demonstram os impactos produtivos e econômicos causados pela infestação por H. irritans na pecuária.
Drumond et al. (1988) estimaram que em bovinos expostos à mosca-dos-chifres por um período de 120 dias, uma redução no ganho de peso diário de 0,09kg em animais em fase de engorda, 0,04kg em bezerros e de 0,13 a 0,19kg em vacas adultas. Esses efeitos são atribuídos ao estresse contínuo provocado pelas picadas e à menor ingestão de alimento. De forma semelhante, Winslow (1992) constatou que, em bovinos europeus, as constantes e dolorosas picadas de H. irritans provocam estresse e desconforto, fazendo com que os animais se alimentem e descansem inadequadamente. Como consequência, perdas de até 225g no ganho de peso diário e redução de até 20% na produção de leite podem ocorrer.
O impacto negativo da infestação foi evidenciado também por Steelman et al. (1991), que verificaram que vacas com menores níveis de infestação, independentes da raça, desmamam bezerros mais pesados do que vacas com alto nível de infestação. Os autores estimaram que a presença de 100 moscas-do-chifre por animal cause uma redução de aproximadamente 8,1kg no ganho de peso ao longo de um ano.
Já Burns et al. (1975) definiram o limiar econômico de infestação em 200 moscas por bovino, o que representa uma perda anual de cerca de 16kg de peso vivo por animal. Em casos severos, Horner e Gomes (1990) observaram que animais com uma infestação média anual de 500 moscas continuamente, pode chegar a uma perda de 40kg/animal/ano. Desses, apenas 2 a 3kg são atribuídos à perda direta de sangue, enquanto o restante decorre dos efeitos indiretos, como o estresse e a constante irritação causados pelas picadas.
A eficácia das medidas de controle foi demostrada por Brethour et al. (1987) em novilhas cruzadas Angus x Hereford que utilizaram brincos impregnados com mosquicidas apresentaram ganho de peso 6% maior em relação àquelas que não receberam nenhum tipo de controle contra a mosca-dos-chifres.
Além dos impactos sobre o desempenho ponderal, a H. irritans também interfere negativamente nos índices reprodutivos. Bianchin et al. (1995) observaram que vacas infestadas por H. irritans e submetidas ao tratamento com inseticida apresentaram taxas de prenhez superiores em 5%, 16%, 26% e 12%, do primeiro ao quarto ano do estudo, quando comparadas àquelas infestadas e não tratadas. As diferenças nos índices reprodutivos são atribuídas, em parte, ao estresse sofrido pelos touros, que durante o período experimental apresentaram altas infestações, ultrapassando 500 moscas por animal ao dia.
Em situações extremas, Kunz et al. (1984) relataram que novilhos criados em regime extensivo podem apresentar perdas de até 14% do peso corporal, com redução de até 1kg/dia, quando submetidos à infestação de 700 moscas ou mais por animal.
Além dos prejuízos zootécnicos, o parasitismo impacta também a indústria de couro. Peles com elevado número de lesões têm a aparência depreciada, pois acarreta uma reação local na pele podendo torná-la grossa e inflexível, sendo necessário processos de acabamento mais cuidadosos e especializados. As manipulações de acabamento aumentam o custo unitário e total do couro ao contrário daqueles melhores classificados para os quais não foi exigido material e nem mão de obra especializada para o processamento.
Diante desses impactos produtivos e econômicos, é recomendável avaliar o custo-benefício das estratégias de controle, comparando os investimentos preventivos com os prejuízos decorrentes da ausência ou ineficácia do manejo sanitário.
Cenário 1: sem controle ou com controle ineficaz
Suponha uma propriedade no estado de São Paulo comprou em julho/25 100 bezerros de ano, anelorados, com 240kg, recriados sob sistema extensivo. O produtor planeja manter esses animais nessa condição por um ano, mas enfrenta uma infestação média contínua de aproximadamente 500 moscas-dos-chifres (Haematobia irritans) por animal.
De acordo com dados da Scot Consultoria, em julho de 2025, o preço médio da arroba do bezerro de ano no mercado paulista está em R$365,00.
Com base em Honer e Gomes (1990), uma infestação desse nível pode causar uma perda anual de até 40kg por animal. Aplicando essa estimativa ao rebanho, a perda total de peso ao longo de um ano seria de 4 mil kg, o que corresponde a aproximadamente 266,66 arrobas.
Considerando o preço médio da arroba, o prejuízo econômico anual da propriedade seria de R$97,3 mil. Isso representa uma perda de R$973,33 por animal ao ano - ou cerca de R$81,11 por animal por mês.
Cenário 2: prevenção estratégica com pour-on
Imagine o mesmo cenário do quadro anterior, porém, neste caso, o produtor optou pelo controle preventivo estratégico do rebanho.
Para isso, ele adota o uso de um ectoparasiticida pour-on à base de fipronil, conforme recomendação da indústria farmacêutica veterinária. O produto deve ser aplicado na dose de 1ml para cada 10kg de peso vivo (ou seja, 10ml para cada 100 kg), distribuído sobre a linha média superior (dorso-lombo) dos animais no espaço compreendido entre a cernelha (cruzes) até a articulação lombo-sacral.
Como a propriedade está em região com histórico de alta infestação, foi adotado um manejo estratégico com três aplicações anuais, conforme cronograma exposto na tabela 1.
Tabela 1.
Manejo estratégico em casos de regiões com histórico de alta infestação por moscas-dos-chifres (Haematobia irritans).
ETAPA | MÊS | OBJETIVO |
---|---|---|
1ª aplicação | setembro/outubro | Começo da estação chuvosa, quando a população de moscas ainda está abaixo do limiar econômico (~200 moscas/animal). |
2ª aplicação | novembro/dezembro | Reaplicação em cerca de 45 a 60 dias após a primeira. |
3ª aplicação (avaliar) | janeiro/fevereiro | Áreas de infestação intensa ou com histórico de alta pressão, pode-se considerar uma terceira aplicação no fim da estação chuvosa. |
Fonte: Coamo Agroindustrial Cooperativa / Elaborado por Scot Consultoria.
Para um animal com peso médio de 240 kg, a dose por aplicação é de 24ml. De acordo com dados da Scot Consultoria, o preço médio de um galão de 1.000ml de fipronil pour-on em julho de 2025 era de R$187,83. Assim, o custo por aplicação por animal é de R$7,82, totalizando R$23,47 por animal ao ano. Para o lote de 100 bezerros, o custo total do manejo estratégico, considerando apenas o produto, seria de R$2.347,87.
Ao comparar essa despesa com os R$97,3 mil de prejuízo estimado no cenário sem controle, o retorno econômico da prevenção é evidente. O controle preventivo representa um custo muito menor em função das perdas evitadas, resultando em um retorno sobre o investimento (ROI) de aproximadamente 4047,68%. Ou seja, para cada R$1,00 investido no controle com fipronil, o produtor evitou R$40,47 em perdas econômicas no rebanho.
Além da economia, o controle preventivo com pour-on traz outros benefícios, como a manutenção do bem-estar animal, a melhoria da eficiência alimentar e a simplificação do manejo. Também reduz a necessidade de tratamentos corretivos emergenciais, que costumam ser caros e têm maior risco de falha devido à resistência dos parasitas aos princípios ativos.
Controlar a mosca-dos-chifres de forma estratégica não é apenas uma medida sanitária, mas uma decisão econômica inteligente. Em um cenário de margens apertadas na pecuária, ignorar o manejo desse parasita representa abrir mão da rentabilidade e eficiência produtiva.
Referências:
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