Uma mudança nas regras do IBAMA para o desembargo de áreas embargadas tem dificultado a regularização ambiental e a conformidade ambiental para fins de desbloqueios comerciais, principalmente na negociação de gado e grãos.
A Instrução Normativa nº08, de 2024, redefiniu critérios para a cessação dos efeitos do embargo ambiental, exigindo que seja demonstrado não apenas a regularização da área afetada pela infração, mas também a regularidade ambiental de toda a propriedade rural.
Tradicionalmente, o embargo é aplicado como medida repressiva ou preventiva diante de infrações ambientais, com o objetivo de cessar a atividade lesiva e garantir a recuperação da área afetada, ou seja, uma penalidade imposta quando se verifica uma infração ambiental, como desmate irregular ou uso indevido do solo, impedindo continuidade das atividades na área embargada até que haja regularização.
O Decreto Federal 6.514/2008 e a IN IBAMA 19/2023 já regulamentavam esse instrumento. No entanto, a IN 08/2024 adiciona camadas adicionais de exigência, tornando obrigatória, por exemplo, a apresentação de Certificado de Inscrição e Aprovação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a adesão formal ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e outros documentos relacionados à totalidade do imóvel.
Essa exigência amplia consideravelmente o escopo das análises. Mesmo que a infração tenha ocorrido em apenas um fragmento da fazenda, é necessário provar que o imóvel inteiro está em conformidade com as normas ambientais.
O problema central reside na desconexão entre a norma e a realidade administrativa dos estados, pois apesar de o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ter sido concebido como ferramenta essencial à implementação do Código Florestal, sua operacionalização tem enfrentado entraves que o transformam de solução em obstáculo à regularização ambiental das propriedades rurais.
Segundo relatório do Climate Policy Initiative e do Observatório do Código Florestal (2023), até o fim daquele ano, mais de 7,24 milhões de imóveis estavam inscritos no CAR, mas apenas 2,9% dos cadastros haviam sido efetivamente analisados. Isso evidencia uma profunda assimetria entre o volume de registros e a capacidade técnica dos estados para processá-los.
Estados como Minas Gerais, Bahia e Pará concentram milhões de cadastros, mas enfrentam gargalos estruturais, como escassez de equipe técnica, falhas no sistema Sicar e baixa articulação entre órgãos ambientais e produtores.
Em São Paulo, por exemplo, mesmo com o uso de ferramentas automatizadas, mais de 90,0% dos cadastros analisados requerem retificações, e cerca de 30,0% sequer têm o número do imóvel declarado - o que impossibilita o andamento do processo sem nova interação com o proprietário.
Essa lentidão torna praticamente inviável o cumprimento do requisito imposto pelo inciso I do artigo 4º da IN 08/2024, que exige a apresentação do Certificado de Inscrição e Aprovação do CAR para o levantamento do embargo.
De fato, ao condicionar o desembargo a um documento cuja emissão depende de um sistema emperrado, a norma incorre em exigência de cumprimento impossível, violando os princípios da razoabilidade e da eficiência administrativa.
A situação é agravada pela instabilidade institucional do próprio sistema. Em 2023, a responsabilidade pela gestão do Sicar foi transferida do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão e Inovação, o que gerou ainda mais incerteza quanto à governança nacional da política ambiental.
Em paralelo, o Programa de Regularização Ambiental (PRA), também exigido pela IN 08/2024, apresenta cenário igualmente precário: dos 27 estados brasileiros, apenas 17 implementaram seus PRAs de forma efetiva, e em alguns deles o sistema ainda não permite a celebração de Termos de Compromisso com os produtores.
Segundo o Observatório do Código Florestal, estados como Espírito Santo, Maranhão e Alagoas estão entre os poucos que conseguiram avançar na estruturação e operacionalização do PRA, ainda que de forma tímida. Já em outros, como Rondônia, Mato Grosso e Amazonas, sequer há mecanismo funcional que permita ao produtor aderir voluntariamente ao programa, embora ele seja formalmente previsto.
Isso reforça a crítica de que a exigência de regularidade plena do imóvel imposta pela IN 08/2024 desconsidera o grau de maturidade institucional e regulatória dos estados, penalizando o produtor rural por uma inércia que não lhe compete.
O resultado é uma paralisia normativa: de um lado, o produtor precisa cumprir exigências federais para regularizar sua situação; de outro, os instrumentos exigidos - como a aprovação do CAR ou a adesão ao PRA - estão indisponíveis ou travados nas esferas estaduais. Trata-se de um impasse federativo com graves repercussões econômicas, ambientais e jurídicas.
A situação é agravada pelo fato de que a Lei Complementar nº 140/2011 atribui aos estados a competência para conduzir a regularização ambiental e o licenciamento.
Ao exigir a regularidade total da propriedade com base em cadastros e programas cuja gestão é estadual, o IBAMA parece ir além do que está autorizado por lei, criando um filtro federal que se sobrepõe ao conjunto de leis que compartilha competências dos órgãos de fiscalização. Na prática, isso tem inviabilizado pedidos de desembargo mesmo em casos tecnicamente regularizáveis.
Para agravar a situação, há também casos em que o IBAMA mantém embargos mesmo quando o processo já deveria ter sido encerrado por inatividade. Em um exemplo recente, um produtor teve seu pedido de desembargo negado apesar de o processo estar parado há mais de três anos - o que caracteriza prescrição e deveria encerrar a sanção.
Além disso, o IBAMA exigiu a reparação da área como condição para o desembargo, confundindo a punição administrativa (como multas e embargos) com a responsabilidade de restaurar o meio ambiente, que é uma questão civil e cabe ao Ministério Público. Essa confusão compromete a legalidade e dificulta a solução de casos legítimos de regularização.
Embora a proposta do IBAMA de buscar uma regularização mais abrangente seja lógica sob a ótica da gestão ambiental integrada, o efeito é de insegurança jurídica, aumento de passivos e entrave ao cumprimento voluntário de obrigações ambientais.
Em vez de estimular a regularização, a norma estimula judicializações e cria um ciclo de morosidade ainda maior.
A prática ambiental moderna exige fiscalização eficaz, sim, mas também exige regras claras, proporcionais e viáveis. O embargo é um instrumento importante, mas não pode ser transformado em um bloqueio generalizado por questões burocráticas externas ao fato infracional.
A regularização ambiental é um caminho de mão dupla: depende da boa-fé do produtor e da coerência normativa dos órgãos ambientais. O cenário aponta para um novo patamar de exigência no campo da regularização ambiental, que exigirá atenção redobrada à gestão documental e jurídica dos imóveis rurais.
Referências
CLIMATE POLICY INITIATIVE; OBSERVATÓRIO DO CÓDIGO FLORESTAL. Relatório de Execução 2023. Rio de Janeiro: CPI/PUC-Rio, 2023. Disponível em: https://www.observatorioflorestal.org.br. Acesso em: 30 jun. 2025.
OBSERVATÓRIO DO CÓDIGO FLORESTAL. Observatório do Código Florestal atualiza status de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) nos Estados. 2023. Disponível em: https://observatorioflorestal.org.br. Acesso em: 30 jun. 2025.