A pecuária de corte no Brasil caracteriza-se por uma produção predominante extensiva. Com a chegada da estação seca, os desafios sanitários nos sistemas produtivos se intensificam. Mais do que reforçar as estratégias nutricionais, há um conjunto de insumos considerados "invisíveis" - por não serem direcionados à alimentação - mas que são determinantes para o desempenho zootécnico e econômico da atividade. Vacinas, antiparasitários, medicamentos, sanitizantes e outros insumos voltados ao controle sanitário e biosseguridade no campo são exemplos desses insumos.
A sanidade do rebanho, ainda que fundamental, costuma ser subestimada em muitos sistemas de produção, especialmente quando comparada à alimentação, cujos resultados são mais facilmente mensuráveis.
Ao investir em suplementação, por exemplo, o pecuarista considera quanto foi gasto e compara com os ganhos obtidos pelo rebanho. Com isso, o custo-benefício é mais palpável. O mesmo ocorre com o investimento em pastagem, a reforma ou a recuperação se traduz em alojar mais bovinos por hectare.
No entanto, quando trazemos o olhar para a sanidade, a percepção de retorno não é tão clara, pois nem sempre esse grupo gera ganhos diretos. Vacinas, por exemplo, protegem contra doenças, que geram impactos importantes quando ocorrem. Nesse sentido, devem ser vistas como um seguro, com custo menor, frente a um sinistro (emprestando o termo das seguradoras) com custo maior.
Para elucidar o impacto que negligenciar a sanidade do rebanho pode ter, usaremos a imunização contra botulismo, que é feita por meio de uma vacina contra clostridioses.
Para a análise, considerando a média da cotação do boi magro nas praças pecuárias paulistas monitoradas pela Scot Consultoria, de janeiro ao início de julho, o preço médio foi de R$4.206,98 por cabeça.
Já o custo médio de uma dose da vacina contra clostridioses, segundo levantamento da Scot Consultoria, é de R$2,96 por cabeça. Esse é o preço anual da imunização, considerando que não se trata da primovacinação (primeira vacinação). No caso da primovacinação, que exige uma dose de reforço, o custo dobra, chegando em R$5,92 por cabeça.
Dessa forma, o preço de mercado de um boi magro (R$4.206,98/cabeça) seria suficiente para custear a vacinação anual de aproximadamente 1,42 mil bovinos. No caso da primovacinação, esse mesmo preço cobre o custo da imunização de 710 bovinos.
A contaminação por botulismo ocorre pela ingestão da toxina presente na água, em alimentos ou até mesmo no consumo de ossos, em sistemas que não fazem o descarte correto das carcaças de bovinos mortos. A deficiência mineral pode exibir o comportamento da ingestão de ossos, conhecido como osteofagia.
A ocorrência de surtos da doença pode resultar em mortalidade elevada, com casos em que mais da metade do lote pode ser perdido. Para entender o potencial do prejuízo, em um lote de mil bois magros, uma mortalidade de 1% representa a perda de dez animais - ou seja, equivale a um prejuízo de mais de R$42 mil, com o óbito dos bovinos, sem considerar os custos indiretos como mão de obra, perda de produtividade e controle sanitário emergencial (figura 1).
Figura 1.
Preço (em mil reais) de um lote com mil bois magros (12,5@), em São Paulo, considerando diferentes taxas de mortalidade.
Fonte: Scot Consultoria
Em um cenário de mortalidade de 50% em um lote de mil bois magros, o prejuízo financeiro seria ainda mais expressivo: cerca de R$2,1 milhões, correspondente à perda de 500 animais. Em contrapartida, o investimento anual com vacinação preventiva (anual) contra botulismo para todo o lote seria de apenas R$2.960,00.
Uma perda de apenas 1% dos animais já resultaria em um prejuízo equivalente ao custo da vacinação anual de quase 14,2 mil bovinos, considerando que o rebanho do exemplo era composto por apenas mil cabeças.
Os exemplos apresentados demonstram que a sanidade animal, embora subestimada e invisível no dia a dia do campo, é essencial para garantir a eficiência e a produtividade da pecuária de corte. O investimento em prevenção, por meio da vacinação e do manejo sanitário adequado, representa um custo muito menor às perdas provocadas por doenças evitáveis. Mais do que reduzir mortalidades, manter o rebanho saudável significa assegurar melhor desempenho produtivo e econômico, protegendo o “ganha-pão” do pecuarista. Assim, a sanidade deve ser encarada não como um gasto, mas como um investimento estratégico indispensável para o sucesso da atividade.
Referências:
BARBOZA, M. M. O.; SANTOS, N. F.; SOUSA, O. V. Surto familiar de botulismo no Estado do Ceará: relato de caso. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 44, n. 3, p. 400-402, mai-jun, 2011.
SCOT CONSULTORIA - Banco de dados.
SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DE PRODUTOS PARA SAÚDE ANIMAL. Mercado. Disponível em: https://sindan.org.br/mercado/. Acesso em 4 de julho de 2025.
VIEIRA, G. A. Análise dos fatores que impactam a produção do boi China: mudanças no sistema produtivo e manejo nutricional com uso de suplementos auxiliam a produção a atingir os padrões estabelecidos. Arquivos Brasileiros de Medicina Veterinária, v. 7, n. 2, jul/dez 2024.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Botulism. Disponível: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/botulism. Acesso em 3 de julho de 2025.