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Georreferenciamento: o que muda com o prazo final de 2025

por Pedro Puttini Mendes
08/07/2025 - 06:00

O georreferenciamento de imóveis rurais tornou-se um tema central na pauta da regularização fundiária no Brasil, especialmente com a aproximação do prazo final para a regularização dos imóveis com menos de 25 hectares: 20 de novembro de 2025.

Georreferenciar um imóvel rural significa estabelecer com precisão os seus limites por meio de coordenadas geográficas oficiais, substituir antigas referências empíricas (árvores, rios etc.) por dados técnicos, conferindo segurança jurídica à propriedade, conforme diretrizes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

O processo é regulamentado pela Lei nº 10.267/2001 e pelo Decreto nº 4.449/2002, que também instituíram o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), com participação ativa dos engenheiros agrimensores e demais habilitados para o levantamento topográfico, produzindo planta e memorial descritivo que são submetidos ao INCRA.

A aprovação resulta na emissão do Certificado de Georreferenciamento, condição essencial para alterações futuras na matrícula do imóvel.

O prazo final para imóveis com menos de 25 hectares

O Decreto nº 4.449/2002 estabeleceu prazos escalonados conforme a dimensão dos imóveis. Para os pequenos imóveis — menos de 25 hectares — o prazo se encerra em 20 de novembro de 2025.

De acordo com o Censo Agropecuário 2017, mais de 2 milhões de estabelecimentos rurais brasileiros se enquadram nessa categoria (IBGE, 2017).

Embora não haja penalidades diretas e imediatas para imóveis não georreferenciados, a ausência do certificado inviabiliza operações como compra e venda, inventário, retificações, desmembramentos ou financiamento, podendo atrasar ou impedir regularizações futuras.

O alerta serve apenas para que os procedimentos de georreferenciamento realizados até o fim deste prazo não sejam feitos sem a devida técnica ou superfaturados em prejuízo do proprietário.

Ou seja, se o imóvel não será objeto de registro de nenhuma dessas operações no momento, não há penalidade por não estar georreferenciado. No entanto, a ausência do georreferenciamento pode inviabilizar ou atrasar qualquer tentativa futura de regularização ou transmissão.

Apesar da ausência de sanção imediata, a inércia pode inviabilizar negócios futuros. O aumento da demanda nos meses finais tende a sobrecarregar profissionais e sistemas, encarecendo os serviços.

Além disso, o georreferenciamento fortalece a segurança jurídica, ao eliminar sobreposições e disputas; valoriza o imóvel, pela maior clareza nos registros; facilita o acesso ao crédito rural, uma vez que bancos e instituições financeiras frequentemente exigem o Certificado de Georreferenciamento aprovado pelo INCRA, além do CCIR atualizado; e agiliza processos de regularização fundiária.

A governança fundiária e a crise da autodeclaração

O Brasil vive um paradoxo territorial. O território físico soma 850 milhões de hectares, mas o “território virtual”, ou seja, a soma dos registros fundiários sobrepostos, declarados em duplicidade ou com fraudes, que ultrapassa o território físico do país — ou seja, há cerca de 150 milhões de hectares em situação de duplicidade, omissão ou fraude (UGEDA; FARIAS, 2025). Isso revela um grave descompasso entre o espaço real e o espaço jurídico.

É um desafio estrutural da governança fundiária do Brasil: a desconexão entre o espaço físico e o espaço jurídico.

Essa crise é, em grande parte, consequência de um modelo baseado na autodeclaração de informações fundiárias, especialmente visível no Cadastro Ambiental Rural (CAR), cujos dados são prestados diretamente pelos proprietários ou posseiros, sem verificação técnica prévia.

O resultado desse modelo foi uma explosão de registros sobrepostos, irregulares ou fraudulentos. Segundo dados do Serviço Florestal Brasileiro, cerca de 139,6 milhões de hectares apresentam sobreposição de registros no CAR, o que corresponde a aproximadamente 16,0% do território nacional.

Em alguns casos extremos, uma mesma propriedade figura com até 50 registros distintos, com alterações em localização de corpos hídricos e tamanhos artificiais — muitas vezes com o intuito de ocultar desmatamento ou legitimar ocupações indevidas (Ugeda; Farias, 2025).

Esse cenário revela a ineficácia da autodeclaração como base de governança territorial, comprometendo não apenas a política ambiental e a regularização fundiária, mas também a integridade institucional do Estado brasileiro.

Essa falta de articulação institucional é agravada por um sistema fragmentado: estima-se que mais de 11 órgãos federais possuam atribuições fundiárias no Brasil, muitas vezes com cadastros distintos e não interoperáveis (CPI/PUC-Rio, 2023).

Essa complexidade compromete a segurança jurídica, gera ineficiências administrativas e dificulta a regularização de milhões de imóveis rurais, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.

Um estudo do Climate Policy Initiative (CPI) revela que menos de 50,0% das propriedades no Pará e no Piauí estão devidamente registradas em cartório, apesar de constarem no CAR.

Isso escancara a distância entre a posse socialmente reconhecida e a propriedade formalizada, o que alimenta conflitos, reduz investimentos e favorece práticas ilícitas como a grilagem.

Em resposta a essa fragilidade, o governo federal tem promovido a integração entre os sistemas SIGEF (gestão fundiária do INCRA) e a Receita Federal.

A ideia é conectar a matrícula georreferenciada dos imóveis com dados fiscais (CPF/CNPJ), padronizando a base cadastral e eliminando divergências entre declarações e registros.

Esta interoperabilidade representa o paradigma: a terra como um ativo jurídico-fiscal, cuja existência válida depende da identificação precisa de seu titular e da aderência às normas técnicas e tributárias.

A falta dessa governança integrada alimenta também outros problemas sistêmicos: grilagem, fraudes em financiamentos, sobreposição com terras indígenas e unidades de conservação, evasão fiscal, lavagem de dinheiro, e uso de terra por organizações criminosas.

Como alertado no Atlas Fundiário do Imaflora e na análise do INCRA, a concentração fundiária sob titularidades múltiplas e pouco rastreáveis reforça os mecanismos de exclusão e conflito no campo (IMAFORA, 2020; IBGE, 2017).

A situação é ainda mais crítica em áreas de fronteira, onde o georreferenciamento deveria ser requisito para a ratificação de títulos de domínio, mas conforme relatório oficial do INCRA, centenas de processos permanecem paralisados por ausência de estrutura para vistoria, conflitos sobre dominialidade e dispensa técnica indevida do georreferenciamento para imóveis de até 15 módulos fiscais.

A consequência é uma fragilidade crônica da soberania fundiária nessas regiões, que ficam vulneráveis a ocupações especulativas e ações de organizações criminosas. A presença de terras públicas mal demarcadas e títulos precários amplia a urgência de uma governança baseada em dados confiáveis e verificáveis.

Portanto, o georreferenciamento de imóveis rurais não deve ser visto apenas como uma exigência técnica, mas um trabalho que deve ser feito com excelência para segurança jurídica e territorial, baseada em dados técnicos verificáveis, interligados e auditáveis. 

Dados que reforçam boas práticas de governança territorial

A construção de uma governança territorial sólida e eficiente no Brasil passa pela compreensão e integração de dados confiáveis sobre uso, ocupação e titularidade das terras.

Um exemplo emblemático é o mapeamento realizado pela Embrapa Territorial a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o qual demonstrou que os imóveis rurais brasileiros preservam internamente 218 milhões de hectares de vegetação nativa, o que corresponde a 25,6% do território nacional (EMBRAPA, 2018).

Quando somadas às Unidades de Conservação integral e às Terras Indígenas, esse número chega a 423 milhões de hectares dedicados à proteção ou preservação ambiental — equivalente a 49,8% da área do país.

Por isso, boas práticas de governança fundiária requerem dados atualizados, interoperabilidade entre cadastros (como CAR, SIGEF e Receita Federal) e ampla transparência sobre a titularidade, uso e destinação das terras.

Georreferenciamento e prazo final: o que fazer

Como mencionado, embora o prazo de 20 de novembro de 2025 marque o fim da exigência escalonada prevista no Decreto 4.449/2002, a obrigatoriedade do georreferenciamento é condicional à existência de atos registráveis, de forma que a ausência do certificado inviabiliza esses atos, criando um obstáculo indireto, porém prático, à segurança jurídica do imóvel.

Se o imóvel com até 25 hectares possui intenção de realizar alguma operação jurídica que implique alteração da matrícula, como compra e venda, inventário, retificações, desmembramentos, o ideal é iniciar o processo de georreferenciamento.

O primeiro passo é compreender a situação jurídica atual, o que significa seguir alguns passos:

1. Consultar a matrícula no cartório de registro de imóveis: verificar se o imóvel está registrado, se há sobreposições, pendências ou retificações anteriores. Muitas vezes o nome do proprietário pode não estar atualizado, ou há inconsistências quanto à área declarada.

2. Verificar o código do imóvel nos sistemas do INCRA e Receita Federal: a integração dos cadastros fundiário e fiscal exige que o imóvel esteja corretamente vinculado ao CPF/CNPJ do titular. Essa etapa é essencial para garantir que as informações inseridas no SIGEF estejam alinhadas com os dados do Imposto Territorial Rural (ITR) e do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR).

3. Contratar profissional habilitado: o levantamento de campo deve ser realizado por engenheiro agrimensor ou engenheiro civil com registro no CREA, habilitado para elaborar a planta georreferenciada e o memorial descritivo exigido pelo INCRA.

4. Organizar a documentação fundiária: é necessário reunir títulos de propriedade, contratos de compra e venda, documentos de partilha ou herança, plantas antigas e qualquer outro histórico documental do imóvel.

5. Prever custos e prazos: além dos honorários técnicos, pode haver despesas cartorárias e de submissão ao INCRA. O tempo médio de finalização do processo pode variar entre 3 e 12 meses, dependendo da complexidade da área, da demanda local por profissionais e da fila de análise dos órgãos envolvidos.

Além desses cuidados, é prudente dialogar com eventuais coproprietários, vizinhos confrontantes e familiares, já que muitas disputas territoriais nascem da ausência de consenso interno ou de limites mal definidos, o que pode inviabilizar o registro no SIGEF. Portanto, além de garantir segurança jurídica, o georreferenciamento pode também ser um instrumento de pacificação fundiária.

Por fim, é importante lembrar que, com a integração dos cadastros fundiário, fiscal e ambiental, imóveis que não estejam georreferenciados tendem a ser vistos como de maior risco jurídico, o que pode comprometer sua comercialização e seu uso como garantia em operações de crédito.

Em um país onde quase um quarto das terras públicas da Amazônia Legal está ocupada irregularmente (CPI/PUC-Rio, 2023), o georreferenciamento não é apenas um requisito técnico, mas um garante institucional da propriedade legítima, essencial à valorização do imóvel e à estabilidade jurídica no campo.