A pecuária brasileira é um pilar da economia nacional e figura entre os maiores produtores globais de carne bovina. Segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rebanho bovino no Brasil encerrou 2023 com 238,6 milhões de cabeças, um aumento de 1,6% em relação a 2022. Com base nas tendências do rebanho brasileiro, estimativas recentes apontam para uma redução de 0,9% no rebanho em 2024 e de 2,5% em 2025 em relação a 2024, chegando ao número estimado de 230 milhões de cabeças em 2025, em decorrência do abate observado no ciclo pecuário recente.
Em meio a esse cenário de evolução constante, destaca-se o estado do Pará, que detém o segundo rebanho do país e vem se consolidando como referência em iniciativas de sustentabilidade. Lançado em dezembro de 2023 durante a 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP28) e formalizado pelo Decreto no 3.533, de 27 de novembro de 2023, o Programa de Pecuária Sustentável do Pará estabelece metas ambiciosas de rastreabilidade individual. Até dezembro de 2025, 100% do trânsito de animais e 100% das propriedades com Cadastro Ambiental Rural (CAR) validados deverão estar rastreados; até dezembro de 2026, todo o rebanho paraense será identificado individualmente por meio da Internet das Coisas (IoT) e blockchain.
Ao antecipar essas exigências, o Pará se prepara para atender à nova legislação europeia. Desde 29 de junho de 2023, está em vigor o Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR 2023/1115). Essa legislação estabelece que produtos como bovinos e seus derivados (incluindo carne e couro) só poderão ser comercializados no mercado europeu se estiverem livres de desmatamento ocorrido após 31 de dezembro de 2020 e acompanhados de um processo rigoroso de due diligence, que exige a geolocalização precisa das fazendas de origem. Inicialmente, o regulamento previa que as grandes empresas deveriam estar em conformidade até 30 de dezembro de 2024. No entanto, em atualização oficial de junho de 2025, a União Europeia postergou os prazos. As grandes empresas deverão cumprir integralmente o regulamento a partir de 30 de dezembro de 2025, e as micro e pequenas empresas terão até 30 de junho de 2026 para se adequar.
Para viabilizar esse avanço, o programa conta com linhas de crédito que incluem o FNO Pecuária Sustentável do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - com até R$1,2 bilhão à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) –1,5% ao ano, prazo de até 12 anos e carência de 4 anos - o Crédito Agro Estadual do Banco do Estado do Pará (BEP), com taxa fixa de 4% ao ano e carência de 2 anos, e incentivos do Programa de Incentivo à Atividade Seguradora (PIAS), que oferecem desconto de até 20% no spread para projetos certificados, abrangendo desde cercas inteligentes até drones e blockchain.
Paralelamente, foram criados mecanismos específicos para pequenas propriedades: a Linha de Microcrédito Agropecuário do Governo do Pará (via Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia / Secretaria de Estado da Fazenda – SEDEC/SEFA), com financiamento de até R$100 mil por produtor a 2% ao ano, prazo de 5 anos e carência de 6 meses; integração ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) Custeio e PRONAF Mais Alimentos (MDA), com limites de crédito de até R$200 mil a taxa Selic+1% ao ano e carência de até 12 meses; e fundos de garantia solidária que permitem acesso a crédito sem exigência de garantias reais.
Além disso, o programa oferece assistência técnica gratuita por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR-PA) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-PA), capacitando o pequeno produtor em boas práticas de manejo, registro digital de animais e acesso cooperativo a insumos e comercialização. Para proteção contra riscos climáticos, o Seguro Agroclimático Integrado, subsidiado em 50% pelo estado e baseado em indicadores do US Drought Monitor, protege o produtor contra perdas de até 80% do valor da arroba em regiões de maior risco, com contratação simplificada para propriedades de até 100 hectares.
O Fundo de Carbono Rural, por sua vez, permite ao pecuarista gerar créditos de carbono no mercado voluntário, criando uma fonte de receita. A inovação tecnológica é peça-chave nesse processo: sensores de alta precisão desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Universidade Federal do Pará (UFPA) oferecem rastreamento em tempo real, drones realizam inspeção de pastagens em larga escala e plataformas em blockchain garantem a imutabilidade de todos os registros de origem. Algoritmos preditivos complementam esse ecossistema, antecipando variações de produtividade e riscos climáticos.
Com isso, cortes nobres como picanha e fraldinha recebem o selo “Deforestation-free Pará”, abrindo portas para mercados premium nos Estados Unidos e na Ásia, enquanto coprodutos como o couro ganham certificações voluntárias (Rainforest Alliance, Global Animal Partnership), ampliando margens de lucro. Segundo estudo conjunto da The Nature Conservancy Brasil e do World Economic Forum, a aplicação plena da rastreabilidade pode agregar até US$ 1 bilhão ao valor anual da produção paraense até 2028, elevando-o dos atuais US$ 2 bilhões para US$ 2,9 bilhões - resultado que se distribui em US$ 160 milhões no mercado interno, US$ 230 milhões em exportações, US$330 milhões pela redução de práticas ilegais e US$ 224 milhões em ganhos de produtividade.
Além dos benefícios econômicos diretos, espera-se que esse movimento gere milhares de novos empregos na cadeia produtiva, atraia investimentos em infraestrutura e inovação, e aumente a arrecadação fiscal do estado por meio de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e contribuições sociais.
Na véspera da COP30, o Pará demonstra que é possível conciliar produção em larga escala com conservação ambiental, antecipando requisitos regulatórios internacionais e criando valor econômico e social. O Programa de Pecuária Sustentável do Pará compõe sustentabilidade e rentabilidade, transformando o estado em exemplo mundial de pecuária responsável.
Referências: consultar a Scot Consultoria.