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Risco de punição em dobro na recuperação ambiental

por Pedro Puttini Mendes
26/06/2025 - 06:00

Com a edição do Decreto nº 12.189, de 2024, surgiu uma nova infração administrativa no campo ambiental: o artigo 83-B foi incluído no Decreto nº 6.514/2008 para punir quem não cumprir as obrigações impostas depois de uma autuação.

Ou seja, mesmo após ter sido multado por um dano ambiental, quem não fizer o que foi exigido - como recuperar uma área degradada, pagar indenização ou demolir uma construção irregular - pode ser novamente autuado. E essa nova multa pode chegar a até R$ 50 milhões.

A proposta, na teoria, pode até fazer sentido: garantir que as obrigações ambientais sejam levadas a sério. Mas na prática, a medida carrega problemas jurídicos e riscos concretos de injustiça, especialmente para quem tenta se adequar.

A começar pela forma como essa nova infração foi criada. No Brasil, quem define obrigações e punições é a lei. E lei, no sentido jurídico, é aquilo que passa pelo Congresso Nacional.

Decreto é um instrumento do Poder Executivo, usado apenas para regulamentar o que já está previsto na lei. Quando um decreto cria um tipo de infração por conta própria, ele ultrapassa esse limite.

É aí que mora o problema: o artigo 83-B não tem previsão direta em nenhuma lei aprovada pelo Legislativo. Foi incluído por regulamento e isso pode ser considerado inconstitucional.

Além do vício jurídico, há o lado prático. Muitas vezes, o cumprimento das obrigações impostas por órgãos ambientais não depende só de boa vontade.

Existem fatores técnicos, climáticos e até burocráticos que podem dificultar ou atrasar o processo. Um exemplo: uma área degradada que precisa ser recuperada com espécies nativas.

Se o plano não for executado no prazo - por seca prolongada, falta de mudas ou outros fatores - já seria possível aplicar uma nova multa com base nesse artigo.

Outro caso comum são as construções antigas em áreas de preservação permanente. Em muitos municípios, benfeitorias consolidadas há décadas são alvo de exigências de demolição, sem análise técnica adequada. Quem não cumprir pode ser penalizado novamente, mesmo que esteja tentando regularizar ou comprovar a legalidade da obra.

Cito o exemplo de localidades em que houve pressão por termos de ajustamento de conduta em cidades pesqueiras, o caso sul-mato-grossense das margens do Rio Aquidauana e os pesqueiros das cidades e distritos de Aquidauana, Dois Irmãos do Buriti, Camisão e Piraputanga, em que alguns proprietários provaram a consolidação das benfeitorias e outros, sem assistência jurídica e técnica foram compelidos à demolição, situações já comentadas em artigos anteriores¹.

Também há situações que desafiam a técnica ambiental, sendo que em determinado acordo para termo de compromisso já foi exigida recuperação de vegetação em dois anos, quando estudos técnicos demonstram que esse processo pode levar décadas.

O caso ocorreu no estado de Mato Grosso do Sul, onde foi exigida a recuperação de 2 (dois) hectares de uma propriedade rural em prazo máximo de 2 anos, rejeitando manifestação jurídica de que o cronograma de PRADA é estabelecido pelo órgão ambiental em termo de compromisso nos termos do artigo 16 do Decreto nº 7.830/2012.

A fiscalização entendeu que o prazo de 20 (vinte) anos para recomposição/regeneração vegetal de uma área seria “estipulação máxima, não sendo definido de forma absoluta, sendo possível, portanto, estabelecimento de prazo menor”.

Como a discussão extrapolou a ciência jurídica, invadindo ciências florestais, foi apresentado parecer técnico fundamentado e referenciado, acompanhado da emissão de anotação de responsabilidade técnica, ressaltando que:

“não é plausível que uma área de vegetação secundária obtenha resultados suficientemente satisfatórios na recuperação em dois anos de cronograma de PRADA” e que “considerando toda a complexidade climática, do solo, a biodiversidade e variação das formas de recuperação da vegetação no cerrado e a legislação ambiental em vigor, reforça-se a inviabilidade de recuperação de uma área degrada no cerrado em um cronograma de apenas dois anos”.

Foi embasado também que:

“Mesmo em casos em que o imóvel possui uma boa capacidade de regeneração natural, ainda é esperado que ela demore no mínimo 10 anos para que a área comece a ter características de uma vegetação secundária e aproximadamente 30 anos para atingir seu estágio clímax”.

O que se observa é um risco real de o novo artigo servir mais para reforçar a punição do que para garantir a recuperação ambiental. E isso acontece num cenário já marcado por sanções rígidas, onde a responsabilidade é objetiva e, muitas vezes, o produtor responde mesmo sem ter causado o dano diretamente.

Na prática, a medida pode levar a um acúmulo de penalidades sobre o mesmo fato ou sobre dificuldades legítimas de execução - um caminho que ignora princípios básicos do bom direito, como a proporcionalidade, o contraditório e o devido processo legal. 

Por mais que a proteção ambiental deva ser levada a sério, não se pode perder de vista que a norma jurídica precisa respeitar os limites constitucionais e ter aplicação justa e técnica. Caso contrário, ao invés de promover a regularização, o excesso normativo pode afastar a confiança no sistema.

1 Em 18/02/2021 no artigo: Construções e atividades produtivas em áreas de preservação permanente

Em 20/08/2021 no artigo: Atividades agrossilvipastoris em áreas de preservação permanente

Em 31/10/2022 no artigo: Atividades de baixo impacto ambiental: o que são?