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Vou ofender-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval!

por Sergio Raposo de Medeiros
Sexta-feira, 20 de janeiro de 2017 -16h10


É comum dizer que o ano novo no Brasil começa depois do Carnaval, mas 2017, ironicamente, já começou com uma boa polêmica exatamente por causa dele. Para quem ainda não tenha ouvido falar, segue um resumo sobre o caso: A Imperatriz Leopoldinense, uma das mais importantes agremiações do carnaval carioca, homenageia esse ano os povos indígenas do Xingu, que seriam os guardiões da floresta. A letra do samba-enredo, a certa altura, tem a seguinte passagem: “O BELO MONSTRO ROUBA AS TERRAS DOS SEUS FILHOS DEVORA AS MATAS E SECA OS RIOS”. Nessa frase, segundo nota oficial da escola de samba (1) , o “belo monstro” seria a usina hidrelétrica de Belo Monte. Ocorre que o meio agropecuário tomou as dores para si, uma vez que uma das alas a desfilar será a “Fazendeiros e seus agrotóxicos”, o que permitiria relacionar o monstro da letra com mais de um “inimigo”.


Houve uma profusão de manifestações de quem se sentiu ofendido, desde algumas que analisaram toda a questão agronegócio-indígenas-ambiente de maneira bem completa e analítica (2) – a qual recomendo a leitura – até uma “Nota de repúdio às notas de repúdio” (3) que tenta criar sua própria polêmica, ainda que com argumentos válidos.  Houve, ainda, quem defendesse desde o início não entrar na polêmica, evitando aumentar a visibilidade para algo negativo e canalizando essa energia apenas para mostrar tanta coisa boa que o setor rural tem para mostrar.


É bom lembrar que o Carnaval é um momento em que o principal compromisso é a diversão. Por mais que o desfile das escolas de samba do Rio seja uma sofisticada superprodução multimilionária, não há exatamente preocupação em elaboradas análises nos temas tratados pelos enredos.


Quando assuntos complexos e multifacetados são escolhidos, eles precisam ser achatados para duas dimensões para criar a narrativa que cabe na avenida. Afinal, o objetivo mesmo é faturar mais um título. Essa simplificação é feita para deixar o enredo fácil de assimilar e o mais emocionalmente impactante possível. No enredo em questão, o índio tem o papel de herói e o vilão é a cobiça do “cara-pálida”. Sobrou para os fazendeiros...


O Carnaval vai passar e, mesmo que cada paralelepípedo da cidade se arrepie com o desfile da Imperatriz, não será essa apresentação que fará o urbanoide ter uma visão distorcida da classe rural. O preconceito com a classe já está há tempos arraigado na sociedade e é por isso que foi criada a ala dos “Fazendeiros”. No imaginário popular urbano, produtores rurais, em vez de usarem princípios da agricultura orgânica, que resolveriam tudo, preferem encher as lavouras indiscriminadamente de veneno porque ganham mais dinheiro dessa forma.


Assim, mais importante do que responder pontualmente a este caso, seria entender que ele apenas é um sintoma da falha do nosso setor em se comunicar eficazmente com a sociedade. Temos que divulgar melhor nossa extensa agenda positiva e, ao mesmo tempo, mostrar sermos atuantes em busca de soluções para remediar os passivos. Temos, inclusive, de lutar contra os que membros da própria classe que atentam contra ela, pois eles legitimam nossos detratores.


No campo da comunicação, estamos perdendo de goleada para a desinformação. Importante que achemos formas de virar esse jogo. Felizmente, já existem iniciativas muito interessantes. Cito duas delas. O primeiro, um projeto da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (FAMATO) no qual jornalistas são convidados para fazerem um giro por áreas produtivas conhecendo a realidade e bons exemplos de produção sustentável. O outro, o programa “Agrinho”, criado pelo SENAR do Paraná e replicado em outros estados, o qual disponibiliza material e realiza ações para que professores e alunos do 1o ao 9o ano do ensino fundamental das escolas da rede pública de ensino aumentem o seu conhecimento do setor agropecuário.


O que faz esses programas serem especiais é que eles atuam sobre dois grupos que realmente podem fazer a diferença na guerra da informação: a imprensa e os professores. São formadores de opinião e hoje, em ambos, prevalece à visão estereotipada sobre o trabalho dos agropecuaristas: uma gente gananciosa que coloca em risco o ambiente ao ganhar dinheiro fácil...”afinal de contas, desde Pero Vaz de Caminha todo mundo sabe que no Brasil, em se plantando, tudo dá!”.


Temos que nos esforçar para ensinar a esses e outros formadores de opinião pública, bem como a toda a sociedade, que o Brasil é um exemplo para o Mundo na produção de alimento de forma sustentável. Que estamos entre os grandes produtores agropecuários e, ao mesmo tempo, conservamos ainda 61% de áreas de vegetação natural. Que foi o nosso setor que possibilitou ao país ter a agenda mais ousada de redução de gases do efeito estufa e que permitirá que ela seja cumprida, colocando o Brasil em destaque no cenário internacional. Que é o agronegócio que, além de fazer-nos praticamente autossuficientes em produção de alimentos, exporta cada vez mais, ajudando no equilíbrio na nossa balança de pagamentos externos que, sem essa ajuda, seria quase sempre negativa.


Temos, ainda, que mostrar que os extraordinários avanços obtidos devem-se muito ao uso de modernas técnicas de produção que, ao permitirem aumento de eficiência, reduzem a necessidade de recursos, portanto sendo o uso de tecnologia um grande aliado da preservação ambiental, não o contrário. Que esse é o caso do uso de agrotóxicos, em que o uso correto minimiza os riscos e garante a produção. Enfim, a resultante final é benéfica à sociedade, seja pela menor área necessária para a produção de alimentos, seja por evitar que a escassez do alimento avilte seu preço.


Que, apesar de termos o maior programa de controle biológico do Mundo, e que esforços para ampliar o uso desta técnica sejam feitos, ainda não temos como produzir eficientemente sem insumos sintéticos. Que a agricultura orgânica já tem seu nicho, mas que ela ainda não é a solução pronta e acabada para substituir a agropecuária convencional. Ela deve ser cada vez mais realizada em bases científica para que um dia possa ser, de fato, uma alternativa ao modelo atual. Hoje, se fosse criado um decreto permitindo apenas seu uso, haveria, certamente, redução de produtividade e necessidade de aumento da área de produção, com prejuízo ambiental, ou seja, o oposto do que o ser urbano tem sido levado a acreditar.


É preciso tentar fazer os 85% de brasileiros que vivem na cidade entenderem que ninguém depende mais de um ambiente ecologicamente do que os 15% dos brasileiros que produzem nosso alimento, pois os efeitos dos desequilíbrios ambientais fazem se sentir primeiro no campo, muito mais dependente dos caprichos da natureza.


Ao mesmo tempo, apesar do panorama positivo destacado, é preciso reconhecer que sempre ocorrerão problemas pontuais e falhas por atores do agro. Para as não intencionais, temos que trazer conhecimento e meios para que não se repitam. Para os intencionais, que sejam denunciados e corrigidos, com punição onde for o caso. Se práticas erradas não são combatidas e permanecem, o setor fica vulnerável a ser retratado como nesse caso carnavalesco e, daí, sem direito a indignação.


No caso de uso de agrotóxicos, por exemplo, temos um programa de recolhimento e reciclagem de embalagens extremamente bem sucedido, mas, se alguém fizer uma reportagem mostrando um fazendeiro jogando uma embalagem indevidamente, é essa imagem que ficará. Como no caso da mulher de César, não lhe basta ser virtuosa, mas ela tem que mostrar que é.


Não posso deixar de escrever que, ainda que não seja um apreciador, preferindo o silêncio do campo à folia, admiro o nosso Carnaval como uma manifestação do jeito alegre e criativo do povo brasileiro.  O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro esbanja esses ingredientes e seduzem o Mundo, que atravessa os mares para vir testemunhá-lo. Conheço várias pessoas que jamais iriam à Sapucaí, mas que uma vez indo empurrados, se renderam aos seus encantos. Neste final de semana, o ex-embaixador da Inglaterra no Brasil, nada menos que o escalado para tratar da saída do Reino Unido da Comunidade Europeia, em uma entrevista sobre a experiência dele por essas terras, comentou que nunca duvidou que fôssemos capazes de fazer eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, uma vez que fazemos o Carnaval do Rio e o Festival de Parintins na Amazônia (Ele desfilou em ambas as festas!).


Portanto, assim como o agronegócio, o Carnaval é um patrimônio brasileiro de grande sucesso e ninguém ganha com a troca de farpas entre ambos. O ideal seria que a Imperatriz revisse seus conceitos e, a luz da realidade, ajustasse o nome da ala para algo como “Maus fazendeiros venenosos”, o que evitaria a injusta generalização.  Como isso não deve ocorrer, deixemos esse Carnaval passar, mas não a oportunidade de repensar novas estratégias de fazer-nos devidamente reconhecidos pelos nossos conterrâneos. 


Finalizando, gostaria de lembrar que cada pessoa envolvida no agro pode agir como um dos seus embaixadores, não perdendo oportunidades para divulgar nossos feitos, abrindo-se para visitantes e curiosos e, principalmente, dando bons exemplos em seus campos de atuação.


Links


(1) Nota de Esclarecimento da Imperatriz Leopoldinense contesta difamar o agronegócio, disponível em:


http://www.canalrural.com.br/noticias/noticias/imperatriz-leopoldinense-divulga-nota-oficial-sobre-samba-enredo-criticado-pelo-agronegocio-65580


(2) “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!” texto do colega agrônomo Tiago Alves Corrêa Carvalho da Silva


http://www.adealq.org.br/blog/Liberdade,-liberdade,-abre-as-asas-sobre-n%C3%B3s!-(P%C3%A3tanero-F10)-1775


(3) “Nota de repúdio às notas de repúdio” texto do colega agrônomo Humberto Chacur


http://www.adealq.org.br/blog/Nota-de-rep%C3%BAdio-%C3%A0s-notas-de-rep%C3%BAdio-(Xakira-F07)-1773