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Como transformar o déficit orçamentário em superávit

por Instituto Liberal
Quinta-feira, 3 de setembro de 2015 -11h40

Os jornais do início da semana não falaram de outra coisa. Parafraseando Lula, nunca antes na história deste país o executivo havia encaminhado ao legislativo uma proposta orçamentária com previsão de déficit primário das contas públicas: algo em torno dos 30,5 bilhões de reais.


Com essa atitude, o governo pretende, ao mesmo tempo, chamar a atenção do congresso para a alegada impossibilidade de reduzir seus gastos, bem como conseguir o aval do legislativo para aumentar os impostos, punindo os cidadãos pela sua (dele) completa e absoluta irresponsabilidade. No saco de maldades já propostas estão a volta da CPMF, o aumento desmesurado do PIS-COFINS e do imposto de transmissão por morte (imposto sobre heranças), além do aumento das alíquotas dos impostos sobre cigarros e bebidas, entre outros.


É evidente que esta decisão da presidente Dilma está diretamente ligada ao fato de não ter mais a possibilidade de maquiar os números através da "contabilidade criativa" ou das famosas "pedaladas fiscais", pois o TCU, a imprensa e a oposição estão de olho. Por outro lado, como quase 80% dos gastos públicos referem-se a transferências obrigatórias (salários e pensões do funcionalismo, aposentadorias, bolsa família, etc.), é reduzida a margem de que o executivo dispõe para cortá-los. Isso só será possível através de reformas estruturais, a maioria das quais requer emendas constitucionais.


Entretanto, existe uma possibilidade concreta de o governo aumentar suas receitas, pelo menos para zerar o déficit previsto, sem que seja preciso aumentar os impostos e, consequentemente, reduzir ainda mais a chances de crescimento no ano que vem. Como? Fazendo o BNDES começar a pagar o que deve ao país.


Explico. A partir de 2007/2008, o governo passou a fazer pesados aportes de recursos do Tesouro Nacional no BNDES, a fim de incrementar as operações daquele banco, beneficiando principalmente os amigos ideológicos do PT e os financiadores do partido, a maioria dos quais encontra-se atualmente envolvida na Operação Lava-jato.


Em 30 de junho, o passivo do BNDES com o Tesouro estava em mais de 521 bilhões de reais, o que representa pouco mais de 57% da captação do banco, contra 26% de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que, constitucionalmente, seria a sua principal fonte de recursos.


Pelo empréstimo desses R$521 bilhões, segundo relatório do próprio BNDES, o juro cobrado pelo Tesouro é de 6% ao ano (TLJP), o que é uma vergonha, já que o Tesouro paga, em média, 13% ao ano ao mercado pelos seus títulos. O próprio BNDES tem, em sua carteira de ativos, algo em torno de R$61 bilhões em títulos do Tesouro, o que cria uma situação, no mínimo, bizarra, onde BNDES e Tesouro são, ao mesmo tempo, credor e devedor um do outro, só que o primeiro paga 6% de juros ao segundo, enquanto cobra deste 13%. Quem não gostaria de ter um negócio desses?


Minha proposta é simples: que o BNDES, a partir de 2016, comece a amortizar sua dívida com o Tesouro, ou seja, nenhum recurso do Tesouro poderá, a partir do ano que vem, ser utilizado para operações de crédito daquele banco, até que todo o passivo de R$521 bilhões esteja completamente quitado. Com isso, só em 2016, o Tesouro receberia do BNDES recursos mais que suficientes para cobrir os R$30 bilhões de déficit previstos na proposta orçamentária.


Como primeiro passo, sugiro que o BNDES entregue ao Tesouro aqueles 61 bilhões de reais em títulos que mantém em carteira. Além disso, o banco teria de devolver, anualmente, ao Tesouro, no mínimo, R$50 bilhões oriundos do resgate das suas operações de crédito, conforme essas operações fossem vencendo - de acordo com o relatório de 30 de junho, a entrada desses recursos, nos primeiros seis meses de 2015, alcançou o total aproximado de R$68 bilhões de reais, já desembolsados em novas operações.


Já passou da hora de fechar as torneiras do BNDES aos amigos do rei. O ideal liberal seria que o banco paralisasse completamente os seus desembolsos e mantivesse apenas uma estrutura administrativa mínima, suficiente para administrar as operações em andamento, para fechar completamente as portas depois disso. Mas sabemos que, nas atuais circunstâncias, isso seria ainda muito complicado. Então, que pelo menos aquele banco fique restrito ao que prescreve a constituição e passe a utilizar somente 40% dos recursos do FAT, além do que captar no mercado. É uma vergonha que o contribuinte brasileiro continue, através do BNDES, a financiar obras faraônicas no exterior, além de fazer a festa dos financiadores de campanhas eleitorais.


PS (em 02/09): Um amigo antenado me chama a atenção para o fato de que é possível cobrir, mas não reduzir o déficit primário com aumento de dívida ou redução de créditos financeiros. Tecnicamente, ele tem razão, até porque os 500 bilhões desembolsados pelo Tesouro para o BNDES nos últimos anos, embora tenham aberto um enorme buraco no caixa do Tesouro, não foram contabilizados como despesa, mas provavelmente como investimentos/créditos - malgrado o custo de carregamento desses "investimentos" seja de, aproximadamente, 35 bilhões/ano (considerando o custo médio pago pelo Tesouro nos títulos públicos, de 13% a.a, menos o que ele cobra do BNDES: 6% a.a).


Entretanto, isso não muda a essência da proposta, pois o próprio governo está considerando, no orçamento enviado ao Congresso, a arrecadação com a venda de outros ativos, como imóveis e participações em empresas estatais e privadas, embora tecnicamente a venda desses ativos também não possa ser considerada receita, do ponto de vista contábil.


Por João Luiz Mauad.