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Nortão de Mato Grosso

por Xico Graziano
Quinta-feira, 3 de abril de 2014 -16h15

Município situado a 400,0 quilômetros ao norte de Cuiabá, Sorriso não carrega apenas a simpatia do curioso nome. Seu território lidera a produção de soja no Brasil e seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é campeão estadual, atingindo 0,824. Quer dizer, a elevada produção agropecuária garante qualidade de vida. Naquelas paradas inexiste passado, brilha o futuro.


O chamado Nortão de Mato Grosso caracteriza um polo de desenvolvimento, formado por vários municípios, todos muito recentes, estabelecidos ao longo da BR-163, rodovia que liga Cuiabá a Belém, no Pará. Destacam-se Lucas do Rio Verde, Sorriso, Alta Floresta e Sinop, esta a capital regional, centro político onde pulsa o progresso limpo do interior brasileiro. Vale conhecer.


O nome, mais uma vez, chama a atenção. Sinop é um acrônimo advindo da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, empresa responsável pela abertura inicial daquelas longínquas terras. Seu então proprietário, Ênio Pipino, legendário colonizador, adquiriu a Gleba Celeste, com 645,0 mil hectares, destinando parte dela às famílias de pioneiros que, na época, demoravam sete dias para vencer a distância do Paraná até as margens do Rio Teles Pires, criando um fluxo migratório cujo auge ocorreu em 1975. Quatro anos depois, o povoado de Sinop seria elevado à categoria de município. Hoje abriga 130,0 mil habitantes.


Nessa história se compreende a origem dos agricultores situados no Nortão de Mato Grosso. Foram inicialmente os paranaenses, gaúchos e catarinenses que ficaram atraídos por aqueles solos planos ou levemente ondulados, ainda cobertos com mata virgem. Vieram abrir fronteiras e encontraram um exuberante ecossistema cheio de segredos. Por ali se dá a transição entre o bioma do Cerrado e a Floresta Amazônica. Quanto mais ao sul, próximo de Cuiabá, mais se destaca a vegetação baixa e retorcida do Cerrado na paisagem original; quanto mais se caminha para o norte, rumo ao Pará, mais se impõe a selva elevada e úmida. Por cerca de 500,0 km se percebe tal gradação verde.


A grande maioria dos brasileiros - estrangeiros nem se fala - desconhece que existem no Brasil duas "Amazônias": a Amazônia Legal, um território geopolítico, e a Amazônia bioma, palco da típica rain forest. A primeira mede 5,2 milhões de km2 e inclui a segunda (4,2 milhões de km2), pois seus limites geográficos foram estabelecidos pelas divisas dos nove estados que a compõem, incluindo parte de Mato Grosso, do Maranhão e do Tocantins. Isso significa que a Amazônia Legal abarca grandes áreas de vegetação do Cerrado do Centro-Oeste. Já a Amazônia bioma se forma, óbvio, apenas pela densa floresta original. Pouca gente sabe dessa diferença, que confunde muitos analistas desavisados.


Voltando ao Nortão, as características do solo e do clima permitiram amparar com força total o modelo tecnológico, e tropicalizado, de grande escala no campo. Ali a agronomia se excedeu, garantindo excepcionais níveis de produtividade nas lavouras e nas pastagens - 100,0% dos agricultores tiram duas safras por ano. As fazendas, totalmente mecanizadas, baseiam-se na gestão familiar. Filhos de sitiantes sulinos progrediram na vida.


Tudo reluz na cidade de Sinop. Inexiste velhice, quer de coisas ou de pessoas. A sede da prefeitura, a igreja central, as lojas do comércio, as moradias, as largas e planejadas avenidas, os automóveis, por onde se enxerga se vê modernidade. Nas ruas o povo parece ser mais alto, aloirado, de olhos claros, palavreado cantado, traços próprios de descendentes dos imigrantes europeus.


Assim também se mostra a reluzente Sorriso. Com 80,0 mil habitantes, a intitulada "capital do agronegócio" erigiu-se apenas nas últimas duas décadas, transformando a planura dos campos de Cerrado, que cobriam a maioria de seu território natural, em lavouras verdejantes. O brilho dessas cidades impressiona quem está acostumado com o padrão mais antigo da sociedade urbana no país.


É impossível entender a economia de Mato Grosso sem considerar a crescente produção de grãos obtida nessa região. Em consequência desse sucesso agrário, o estado já responde atualmente por 25,0% da safra nacional de grãos, ultrapassando o Paraná (19,0%) e o Rio Grande do Sul (16,0%) no ranking da safra nacional. O êxito agropecuário, entretanto, não resultou no desmatamento total do território nem gerou depredação ecológica. Nada disso.


Ao contrário das zonas tradicionais de ocupação, que avançaram sobre as matas ciliares e mantiveram poucos remanescentes florestais, ali, nessa região de Mato Grosso, se preservaram 100,0% das áreas ribeirinhas, mantendo-se sempre as reservas florestais obrigatórias, dentro das propriedades rurais, na razão de 35,0% onde era Cerrado e 80,0% na floresta alta. Só vendo para crer.


Viajando pela rodovia, ou observando pelas janelas do avião, veem-se as lavouras contrastando harmoniosamente com as reservas florestais, formando um mosaico de cores e espaços que mais parece um lindo quebra-cabeça da natureza. Há dados objetivos. Segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agrícola (Imea), nessa região oficialmente denominada "Centro-Norte", a agropecuária explora apenas 27,0% da área total. O restante continua preservado.


Eduardo Godoy, jovem economista que trocou as praias de Santos pela agronomia em Mato Grosso me relata, viajando de Sorriso para Sinop, que os norte-americanos se encantam com essa convivência lavoura-floresta. Mas não entendem por que os agricultores brasileiros arcam sozinhos com a reserva ambiental. Lá, nos EUA, áreas subtraídas da produção recebem fortes subsídios do governo.


Ninguém sabe explicar.