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"Fogo amigo" na guerra da carne com a UE

por Fabio Lucheta Isaac
Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008 -10h26
A "guerra da carne" aberta pelo embargo europeu aos bovinos brasileiros, que inicia hoje um novo capítulo marcado pela visita de veterinários da União Européia ao país, tem provocado disputas de bastidores e desconforto dentro do governo brasileiro. Na sexta-feira, o clima piorou com mais um recuo do Ministério da Agricultura ao apresentar uma nova lista de fazendas credenciadas a exportar carne para o bloco comercial.

Desta vez, foram relacionadas apenas 150 propriedades, segundo apurou o Valor. Os europeus insistiam em 300, mas o Brasil havia enviado relatório preliminar com 2.681 propriedades. Esse número de 150 fazendas pode ser ainda menor hoje, quando os europeus refinam a seleção para auditar entre 30 e 35 delas. A lista foi passada pelo ministério à UE sem passar pela missão diplomática brasileira em Bruxelas. Na sexta-feira, a missão ignorava o que estava sendo anunciado no mais sério contencioso entre Brasil e UE.

Em conversas reservadas, dirigentes da Agricultura expressam incômodo com a "pouca disposição" do Itamaraty em auxiliar as negociações preliminares com as autoridades da UE. A embaixadora Maria Celina Rodrigues não acompanhou as reuniões bilaterais do secretário de Defesa Agropecuária, Inácio Kroetz. Há, ainda, desagrado com "recados" emitidos por diplomatas graduados via imprensa e com um movimento de "auto-preservação" da missão brasileira em Bruxelas. Voltou à tona, por exemplo, um documento de alerta da embaixada enviado ao ministério em 27 de abril de 2007, cujo teor foi revelado pelo Valor.

Em sua defesa, o Itamaraty reclama da "inabilidade" das autoridades da Agricultura com a sucessão de listas de fazendas credenciadas e das declarações públicas do ministro Reinhold Stephanes acusando irregularidades de frigoríficos exportadores. A missão em Bruxelas, apontam observadores, é a primeira a receber as reações da UE em caso de problemas de controle sanitário. Fontes notam que ficou complicada a situação para quem tentava convencer a UE de que o Brasil estava fazendo o "dever de casa" quando a Agricultura apresentou, no curto intervalo de 15 dias, várias listas. A primeira com 2.681 fazendas. Depois, 683 propriedades até chegar a 520.

As divergências entre o Ministério da Agricultura, o Itamaraty, a missão em Bruxelas e o setor privado do país vêm sendo acompanhadas atentamente por observadores na Europa. O secretário-geral da Associação Européia de Comerciantes de Carnes (UECBV), Jean-Luc Meriau, diz que o tiroteio entre os brasileiros em busca de bode expiatório não chega a surpreender.

"É difícil para quem está fora de Bruxelas entender a pressão que a Comissão Européia sofre de países-membros, entender as exigências sanitárias e a política comercial européia. Assim como é difícil para o europeu entender o que se passa no Brasil." O importante, diz ele, é o Brasil demonstrar capacidade de controlar o sistema.

Até agora, houve pouco impacto sobre os consumidores na Europa. Isso porque o governo brasileiro pôde certificar a carne até o fim de janeiro e o produto pode entrar no bloco até 15 de março. Além disso, os europeus têm bons estoques, o consumo migra para suíno ou frango e as importações podem vir dos EUA, Austrália, Argentina ou Uruguai. A Suécia foi o único país onde aumentaram os preços ao consumidor, em 2%, porque cerca de 10% da carne bovina vêm do Brasil. Luigi Gambardella, presidente da Associação UE-Brasil, diz ser necessário evitar brigas internas e resolver o problema, porque a relação comercial bilateral é "muito mais ampla e importante do que um só produto".

Fonte: Valor Econômico. 25 de fevereiro de 2008.