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Entrevista Moacyr Bernardino Dias-Filho

por Equipe Scot Consultoria
Segunda-feira, 3 de dezembro de 2012 -15h09


Moacyr Bernardino Dias-Filho, engenheiro agrônomo, mestre em pastagens e nutrição animal e Ph.D. em ecofisiologia vegetal. É pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. 


 Scot Consultoria: O Brasil possui extensas áreas de pastagens degradadas. O que caracteriza um pasto degradado? Quais são os possíveis processos e causas que podem levar à degradação do pasto? Quais os cuidados que o produtor deve ter para que isso não aconteça?


Moacyr Dias-Filho: A degradação de pastagens alcança, de fato, uma extensa área no Brasil, sendo também, um problema de grande importância em outros países onde a pecuária é desenvolvida predominantemente a pasto. Caracterizo um pasto degradado como uma área com acentuada diminuição da capacidade de suporte ideal que seria esperada para aquela área, podendo ou não ter perdido a capacidade de manter a produtividade do ponto de vista biológico (acumular biomassa). Portanto, ao contrário do que geralmente se imagina, uma pastagem pode estar degradada, mesmo que a fertilidade do solo seja adequada.


O processo de degradação de pastagens é um fenômeno complexo que envolve causas e efeitos. Descrevo como as principais causas: falhas no manejo do pastejo e da pastagem; falhas na formação da pastagem; fatores bióticos (ataque de insetos-praga) e fatores abióticos (drenagem deficiente do solo e o excesso ou a falta de chuvas).


Manejar o pasto é tarefa difícil e requer profissionalismo do produtor. O bom produtor de carne ou leite deve, antes de tudo, ser um bom produtor de pasto. Para isso, o pasto deve ser visto e tratado como uma lavoura de produção de forragem para a produção de carne ou leite.


Scot Consultoria: Quais as principais doenças que acometem as pastagens? Comente.


Moacyr Dias-Filho: Em geral, no Brasil, as pastagens não são acometidas de doenças que possam ser muito limitantes para a sua produtividade. A maior limitação advém da ocorrência de insetos-praga. Dentre esses insetos, os mais problemáticos para as pastagens são as cigarrinhas-das-pastagens, o percevejo-castanho e algumas espécies de lagartas.


No entanto, nos últimos 13 anos, têm ocorrido no bioma Amazônia um problema sério com a produtividade das pastagens. Este problema está, de certa forma, associado à ocorrência de doenças. Trata-se da síndrome da morte do capim-braquiarão. Essa síndrome acomete principalmente pastagens de braquiarão (Brachiaria brizantha cv. Marandu) e está associada a áreas onde haja algum problema com a drenagem de solo. Nessas áreas, o braquiarão, por ser intolerante às condições temporárias ou permanentes de excesso de água na zona das raízes, sofrendo mudanças em seu metabolismo e tornando-se suscetível a fungos do solo, os quais, normalmente, não seriam ofensivos para esse capim em outras situações. Descrevo esse problema com mais detalhes na quarta edição do livro sobre Degradação de Pastagens.


Scot Consultoria: Do ponto de vista da recuperação de pastagens, é possível mensurar qual o potencial de expansão do rebanho nacional, considerando somente o aumento na capacidade suporte dos pastos?


Moacyr Dias-Filho: Costumo dizer que mais de 90% dos pastos no Brasil estão sendo explorados abaixo do seu real potencial em termos de capacidade de suporte. Medidas relativamente simples de intensificação, como a construção de cercas, muitas vezes já seriam suficientes para melhorar o manejo desses pastos e aumentar a sua capacidade de suporte. Quando falamos em recuperação de pastagens consideradas degradadas, isso evidentemente seria ainda mais verdadeiro. Nesse caso, seria possível inferir que só pela recuperação dessas pastagens, poderíamos, no mínimo, dobrar o nosso rebanho, sem a necessidade de derrubar uma só árvore, isto é, a recuperação de pastagens seria a principal alternativa para conciliar o crescimento da pecuária com a preservação ambiental, garantindo, com isso, a preservação da segurança alimentar da população.


Scot Consultoria: O senhor acredita que o pecuarista entenda e assuma a importância do pasto na produção, motivado, principalmente, pelas pressões econômica e ambiental?


Moacyr Dias-Filho: Nos últimos anos tem havido uma mudança bem acentuada na mentalidade dos produtores. Tenho observado isso nas minhas andanças pela Amazônia e em outras regiões do país. Embora ainda seja grande o número de pecuaristas que ainda não despertaram para essa realidade, a tendência é que estes passem a ser uma minoria.


Scot Consultoria: Em sua opinião, quais os impactos que o novo Código Florestal trará ao agronegócio, à produção de alimentos?


Moacyr Dias-Filho: Esse assunto seguramente tem propiciado comentários movidos por grandes doses de paixão e pouca razão. Por isso, a população leiga (e essencialmente urbana), no meio da troca de argumentos entre os chamados "ambientalistas" e "ruralistas", acaba ficando sem um ponto de referência que considere seguro.


Estamos vivendo em uma época onde o tema segurança alimentar, infelizmente, tem tido uma importância apenas secundária no nosso dia a dia. A razão para isso é que, ao contrário da primeira metade do século passado, vivemos um período de grande fartura no Brasil. O Brasil hoje é capaz de abastecer com alimentos a sua população e ainda ser um exportador de alimentos para o resto do mundo. Dentro desse cenário, a importância da produção de alimentos e, consequentemente, da nossa segurança alimentar, acabou tendo um peso bem menor nas discussões do novo Código. Outro fator relevante é que a nossa população, basicamente urbana, não tem condição de avaliar as grandes dificuldades que o produtor rural passa para produzir o alimento que esta consome com avidez. Por essas razões, para uma parte considerável da população, os chamados "ruralistas" acabam injustamente sendo mal vistos.


Certamente, em um primeiro momento, haverá alguma dificuldade para que certos setores do agronegócio se adaptem ao novo código florestal. Vejo, por exemplo, que os produtores do Sul e do Sudeste deverão ter mais dificuldades do que aqueles do Norte e Nordeste do país. No entanto, a partir de agora, o novo código florestal terá que ser encarado como um aliado do produtor para a produção de alimentos e certamente será.


Scot Consultoria: No Brasil, como o senhor caracteriza a evolução da pecuária de corte em áreas de fronteira agrícola?


Moacyr Dias-Filho: Áreas de fronteira agrícola, tradicionalmente, sempre foram aquelas nas quais a pecuária de corte é a atividade preferencial para o início do processo de exploração. Isso ocorre porque, na pecuária de corte, ao contrário de outras atividades agrícolas, é possível produzir, embora com baixa eficiência, de forma predominantemente extensiva.


O processo de expansão da pecuária em áreas de fronteira agrícola passou por fases bem distintas. Em uma fase inicial, a exploração mais extensiva dessa atividade predomina, em uma fase posterior, passa a predominar uma exploração mais intensiva.


Em breve, estará disponível pela Scot Consultoria um livro de minha autoria no qual este assunto é descrito com detalhes. No livro a história da evolução da pecuária e do abastecimento de carne na Amazônia, com ênfase no estado do Pará, é abordada minuciosamente. Recomendo a todos a sua leitura.