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Judith Shapiro e a conta que vem da China

Sexta-feira, 28 de setembro de 2012 -10h48

Em cerca de 20 anos, a China saiu de uma situação de quase irrelevância no cenário econômico para o posto de maior potência industrial do mundo, responsável por quase 20% da produção global. Lojas e supermercados de todos os continentes foram invadidos por produtos made in China, os preços das manufaturas caíram - o que, em alguns casos, ajudou a controlar a inflação -, mas tudo isso teve um custo.


Para a antropóloga americana Judith Shapiro, diretora do Programa de Recursos Naturais e Desenvolvimento Sustentável da American University, em Washington, a principal vítima do progresso chinês foi o meio ambiente, tema de seu último livro China s Environmental Challenges ("Os desafios ambientais da China", numa tradução livre). "A sua ânsia por matérias-primas e suas fábricas estão deixando marcas que extrapolam as fronteiras do país", diz Judith, que deu a seguinte entrevista a EXAME.


Qual é a dimensão dos danos ambientais na China?


Vinte das 30 cidades mais poluídas do mundo estão na China, principalmente em consequência do uso intensivo de carvão. De todos os rios e lagos do país, 75% estão tão sujos que a água é imprestável até mesmo para o uso agrícola. Cerca de 560 milhões de moradores de áreas urbanas respiram ar com qualidade considerada inaceitável na Europa e nos Estados Unidos. Estima-se que 750.000 pessoas anualmente morram em decorrência de questões relacionadas à poluição de alimentos. A população chinesa está muito brava com tudo isso.


Num regime autoritário, como essa insatisfação popular pode se traduzir em mudanças?


Alguns setores do governo já perceberam a importância de se desenvolver de forma sustentável, e tenho certeza de que a opinião pública pesou em favor dessa mudança. As metas do país para os próximos cinco anos mostram essa preocupação. Mas é certo que há limitações. Como há muita corrupção, as leis não são rigidamente seguidas. A sociedade poderia ter um papel importante se tivesse coragem de denunciar casos irregulares, como o que aconteceu com o leite em pó que contaminou milhares de crianças há alguns anos. Mas o regime vigente impede isso.


Procede a acusação de que a China exporta sua poluição?


A maioria das questões ecológicas na China tem impactos que vão além de suas fronteiras. Barragens que estão sendo construídas afetam o abastecimento de água de países como Laos, Tailândia e Vietnã. Para suprir suas fábricas, os chineses importam matérias-primas de várias partes do mundo.


Levados pelo vento, os poluentes produzidos na China chegam a Paquistão, Japão, Rússia e até Estados Unidos. A China é a maior fonte de poluição de mercúrio no oeste americano. Fora isso, os chineses estão transferindo suas fábricas poluidoras para outros lugares. As emissões de gases da China e de suas empresas no exterior são um problema dos chineses e também nosso.


Os países desenvolvidos poluíram no passado. Poluir não é um direito da China para também crescer?


Parte do governo defende que o país pode seguir o mesmo modelo de industrialização que os países do Ocidente adotaram no passado. Do ponto de vista dessas pessoas, há várias razões para isso. Apesar dos avanços das últimas décadas, a China ainda tem milhões de pobres. Isso sem contar que manter o crescimento econômico e o sonho da ascensão social é uma garantia para evitar protestos sociais. Dados o histórico dos países ricos na área ambiental e a situação política chinesa, muitos membros do partido Comunista sustentam que o país poderia passar por uma etapa de sujeira e poluição para depois "limpar-se".


Esse caminho é possível?


Claramente, não. Essa lógica não funciona hoje. Existem substâncias novas e muito mais tóxicas do que no passado. É bem possível que não se consiga limpar o que for sujado. Quando se destrói um ecossistema, se mata um rio ou se deposita lixo nuclear em uma região, não dá para recuperar depois. Seria ótimo se toda a população da China tivesse um apartamento e um carro. Mas o ar está tão poluído que milhões de chineses dizem não se sentir saudáveis. Hoje, todos se perguntam se existem formas de desenvolvimento que combinem crescimento e sustentabilidade. O mundo todo está engajado tentando achar soluções.


A China é a líder em produção de painéis solares e turbinas eólicas. Isso indica que fará uma transição para um modelo menos poluente?


O impacto ambiental desses esforços pode ser menor do que parece, porque a China ainda depende fortemente da queima de carvão, com todos os seus problemas ecológicos. A expectativa para os próximos anos é que o país continue a emitir grandes quantidades de dióxido de carbono. O ponto é que, para cada notícia boa sobre energias limpas na China, ainda há muitas outras desanimadoras.


Fonte: Planeta Sustentável. Por Luiza Dalmazo. 19 de setembro de 2012.