A Rio+20 começa na quarta-feira (12/6) com um grande ponto de tensão sobre como será dividida a fatura da transição para a economia verde. Não há valores sobre a mesa, mas a divisão da conta é um dos pontos de conflito que apareceu nas rodadas de negociação em Nova York e chega ao Rio sem consenso. A Europa pressiona para que os emergentes ajudem a dividir a conta. Os países em desenvolvimento empurram a responsabilidade sobre os recursos financeiros para os industrializados.
"Quem irá financiar a transição? Não apenas os países ocidentais, a China também deve assumir compromissos", cobrou Connie Hedegaard, a comissária de ação climática da União Europeia, no encontro anual do Instituto Internacional de Finanças (IIF) que reuniu os maiores bancos do mundo, na capital dinamarquesa, na semana passada. Indagada pelo Valor se ela se referia apenas à China ou aos emergentes em geral, ela respondeu: "No Rio, temos que dar passos para reconhecer que vivemos num mundo de mútua interdependência e não mais no paradigma Norte-Sul. É claro que os países desenvolvidos têm que fazer mais, antes que os outros e financiar mais. Mas no século 21 temos que achar maneiras de os emergentes assumirem mais responsabilidades e mais compromissos formais para resolver os problemas."
Os negociadores do Ministério das Relações Exteriores não quiseram atender o pedido do Valor de esclarecer os rumos da negociação e o que o governo brasileiro pensa sobre o aumento de responsabilidade dos emergentes. Para uma autoridade do governo, com a Europa em crise financeira e destinando seus recursos para salvar bancos e países em dificuldades, o discurso da comissária é uma tendência. "Nas últimas reuniões sobre clima, os europeus trabalharam muito com o Brasil, os dois foram forças de propulsão", diz a fonte. "Mas os europeus vêm insistindo que a China é a segunda maior economia do mundo, o Brasil é a sexta, a India, a décima, e que eles têm que contribuir mais."
Os países em desenvolvimento negociam em conjunto, no chamado G-77. Trata-se de um bloco heterogêneo onde estão tanto os emergentes como as economias mais pobres do mundo. Na Rio+20 o G-77 tem fortes divergências internas. No documento-base da Rio+20, "O Futuro que Queremos", o G-77 quer que conste na primeira de suas 81 páginas atuais que é preciso chegar ao desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões "em acordo com o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas."
Traduzindo a linguagem diplomática: isto quer dizer que todos os países têm responsabilidades, mas os industrializados têm mais do que os outros. Os Estados Unidos, o Canadá e o Japão querem que este aposto seja retirado do texto final da Rio+20.
O curioso da conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, é que seu documento-base é pouco ambicioso e não exige nenhuma obrigatoriedade dos países. Ou seja, discute-se a divisão da conta sem que se fale em dinheiro e nem em decisões concretas de onde aplicar os recursos. "O item sobre financiamento é muito delicado nas negociações", diz Antonio Hill, porta-voz da Oxfam para a Rio+20. É o mesmo ponto de confusão nas negociações internacionais sobre mudança climática - só que ali há algo concreto, a redução de emissões de gases-estufa. "Mas nesta conferência discutir recursos é muito abstrato, está tudo no ar."
O presidente Barack Obama não vem, nem a premiê alemã Angela Merkel ou o primeiro-ministro britânico David Cameron, o que não é pouco. Mas há 186 países inscritos para a conferência, dos 193 membros da ONU. Entre chefes de Estado e governo, havia 120 confirmados até sexta-feira. E esperam-se 50 mil pessoas entre empresários, ambientalistas, representantes de movimentos sociais, jovens, sindicalistas, cientistas e políticos.
A Rio+20 tem uma agenda oficial, uma da sociedade civil e outra que é um meio-termo entre as duas. A agenda oficial começa na quarta-feira (12/6), com a última reunião dos negociadores antes da Cúpula. A reunião vai do dia 13 ao dia 15 de junho. Não vai ser um encontro fácil: na rodada anterior, o documento tinha 422 parágrafos, dos quais 21 acordados e 401 em aberto. No Rio chega com 329 parágrafos, sendo 70 acordados e 259 sem consenso. "Entramos na Rio+20 com a exata percepção de quanto o sistema multilateral está sendo desafiado pela visão estreita e de curto prazo dos Estados-membros", diz Aron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis. "A falta de avanço é produto da falta de visão de futuro dos representantes dos países que negociam", continua. "É lamentável."
A cúpula, com a participação dos líderes, acontece de 20 a 22 de junho. Entre o evento dos negociadores e a chegada dos chefes de Estado ocorrem os Diálogos Sustentáveis. A ideia do governo brasileiro é a de criar uma ponte entre a sociedade civil e os governos. É uma experiência inédita nas grandes conferências da ONU. Os Diálogos durarão quatro dias, em cada um deles serão discutidos três dos dez temas fundamentais da Rio+20 - de água a florestas, de oceanos a cidades sustentáveis. Mais de 2.000 pessoas poderão escutar, ao vivo, palestras do economista americano Jeffrey Sachs ou da ex-primeira ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, só para citar dois dos convidados ilustres. Milhares de pessoas poderão acompanhar tudo online.
Nos últimos meses já houve uma grande discussão global e online destes temas. Universidades e centros de pesquisa internacionais foram convidados a mediar o debate. Foram produzidas 800 sugestões de recomendações aos chefes de Estado, agora reduzidas a conjuntos de dez. Estão sendo novamente votadas para encolherem a três. Elas não influenciarão o documento oficial da Rio+20, que vem sendo negociado há mais de ano, mas irão definir a agenda do desenvolvimento sustentável depois da conferência, espera o Brasil.
A Cúpula dos Povos será o contraponto à conferência oficial. De 15 a 23 de junho, pode reunir mais de 3.000 pessoas em 800 eventos que acontecem principalmente no Aterro do Flamengo e no porto do Rio. Os eventos serão promovidos por ONGs ambientalistas e de direitos humanos, povos indígenas e quilombolas, lideranças feministas e religiosas. Também terá espaços de diálogos e propostas, acampamentos permanentes como o Terra Livre, que reunirá lideranças indígenas da América Latina no Aterro, ou o Território das Juventudes, no campus da URFJ, na Urca, espaço de debates de lideranças jovens como os integrantes do movimento Occupy Wall Street.
Para seus organizadores - membros de ONGs reunidos no Grupo de Articulação da Cúpula dos Povos (Gear) -, o clima é de pessimismo. As maiores críticas à Rio+20 são direcionadas ao conceito de economia verde, um dos temas centrais da conferência e que, nesta visão, seria apenas uma apropriação do discurso ambientalista pelo mercado. Acreditam que é preciso uma mudança no padrão global de produção e consumo para que o mundo chegue ao desenvolvimento sustentável ou não serão atingidos resultados concretos. "Como a Rio+20 não aponta nessa direção, pode avançar apenas para aperfeiçoar a governança global", diz um dos organizadores, Maurício Thuswohl.
Um dos objetivos da Cúpula dos Povos é a elaboração de um documento consensual a ser enviado aos chefes de Estado reunidos na conferência oficial, no Riocentro. A pauta aborda cinco temas: direitos, defesa dos bens comuns, energia e indústria, soberania alimentar e trabalho.
De maneira geral, os preços cobrados pela rede hoteleira do Rio foram reduzidos, embora continuem altos. Mas uma série de delegações encolheu, como a do Japão, porque muitos ficaram sem receber respostas sobre disponibilidade de quartos e custos.
Para Connie Hedegaard, as expectativas para o Rio+20 também são baixas. Segundo a comissária europeia para ação climática, a preparação da conferência não avançou o suficiente. Connie sinalizou que não haverá resultados muito concretos, mas espera que aconteça a proposta do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, de uma meta global que garanta o acesso à energia a todos. Ela também espera que, tanto na reunião do G-20, no México, como na Rio+20, os líderes sinalizem claramente para o fim gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis, que batem em US$400 bilhões ao ano.
Fonte: Valor Econômico. Por Daniela Chiaretti, Assis Moreira e Guilherme Seródio. 11 de junho de 2012.