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Políticas Agrícolas no Retrovisor

por André M. Nassar
Quinta-feira, 18 de maio de 2006 -17h31
por marcos sawaya jank

De um lado, agricultores fecham estradas, queimam máquinas agrícolas e fazem uma nova marcha a Brasília para mostrar a sua revolta com as margens negativas generalizadas do seu negócio. Do outro, aumentam as invasões ilegais dos que sustentam a falsa tese de que é possível construir uma agricultura pujante com o fatiamento de terras produtivas e sua distribuição a cidadãos com pouca ou nenhuma experiência no ramo, à custa do bombeamento permanente de subsídios governamentais.

No interior, costuma-se ouvir que o Brasil nunca teve política agrícola. Isso não é verdade. Nos últimos 50 anos o Brasil seguiu três modelos distintos de política agrícola. De 1950 a 1990, o mote do modelo era "ocupação territorial e segurança alimentar". O governo comandava uma política altamente intervencionista, baseada em crédito rural subsidiado, preços mínimos garantidos, agências reguladoras (IBC, IAA) e substituição de importações (programas de álcool e trigo). Com mão-de-ferro, o governo controlava preços, formava estoques e manipulava tarifas sobre exportações e importações, para garantir o abastecimento. O lado positivo desse período foram os investimentos consistentes em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia tropical.

Nos anos 90, o governo eliminou quase todos os subsídios e mecanismos de intervenção nos mercados. Entre os governos Sarney e Lula, os recursos para políticas agrícolas e agrárias caíram de 5,6% para 1,8% dos gastos totais do governo federal. O novo mote da ação governamental passou a ser "agricultura familiar e reforma agrária". Levantamentos de José Garcia Gasques, do Ipea, mostram que nos últimos seis anos os recursos para agricultura familiar e políticas agrárias aumentaram cerca de 10% ao ano, em termos reais, atingindo R$ 5,5 bilhões, ou 45% dos gastos totais com o setor agropecuário (ante apenas 6% do total nos governos Sarney, Collor e Itamar). Em contrapartida, os gastos com as políticas agrícolas tradicionais caíram 4,3% ao ano no mesmo período. Itens como defesa sanitária, extensão rural, irrigação, eletrificação rural e promoção comercial tiveram corte de gastos entre 11% e 35% ao ano. Caíram também, a uma taxa menor, os recursos para pesquisa agropecuária, abastecimento alimentar e subvenções diversas (equalização de juros, securitização de dívidas, garantia de preços, financiamentos, etc.).

Enquanto a corrida tecnológica "excluía" milhões de agricultores com terra todos os anos, o governo fixou-se na idéia que a distribuição de pequenos lotes de terra iria "incluir" milhares de novos agricultores. Outras teses do gênero foram se enraizando nas estruturas burocráticas de Brasília, como a idéia de que haveria uma "agricultura patronal" em permanente conflito com a "agricultura familiar", e o divisor entre elas seria a área da propriedade e a capacidade ou não de contratar empregados, dois parâmetros que não fazem sentido num país em que o fator de produção restritivo é o capital, e não a terra e a mão-de-obra. O desenvolvimento do Centro-Oeste está aí para provar que pequenos agricultores familiares do Sul se transformaram em médios e grandes agricultores patronais na esteira das oportunidades de migração, baseadas em uso de tecnologia, ganhos de escala e aumento de renda. Outras idéias de duvidosa comprovação empírica são o "agronegócio" contra a "pequena agricultura", a soja necessariamente contra o meio ambiente e a postura obscurantista contra a biotecnologia agrícola.

Atualmente, os recursos públicos para a agricultura se espalham em mais de uma centena de programas alocados em quatro ministérios: Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente. O curioso, porém, é que os maiores problemas do setor não estão sob o controle desses órgãos, que viraram meros "bombeiros" dos grandes desajustes macro que solapam o setor: 1) A valorização da taxa de câmbio real - que jogou novamente os preços em reais por terra, em poucos meses; 2) as deficiências da infra-estrutura; 3) a insegurança jurídica e o desrespeito aos direitos de propriedade; e 4) a falta de uma política comercial mais agressiva para abrir mercados nos países protecionistas.

Ocorre que a agricultura precisa mesmo é de políticas macroeconômicas coerentes, e não de políticas agrícolas e agrárias contraditórias e confusas. Os paliativos adotados no varejo não resolvem os grandes equívocos no atacado. Com políticas macro tão voláteis a doença se espalha rapidamente e não há remédio capaz de curar as feridas abertas.

O nosso atual modelo de política agrícola pode ser descrito como "fragmentação de programas e apagar de incêndios". Hoje se gasta cada vez mais com programas questionáveis dirigidos a grupos específicos de beneficiários. O alongamento das dívidas gera dois pesos e duas medidas vis-à-vis os que não têm dívidas e os que as pagam em dia, desapropriações custam caro e há sérias dúvidas quanto à sustentabilidade de longo prazo dos assentamentos. Para não perderem os subsídios agricultores familiares têm restrições a contratar empregados, o que incentiva a absurda exploração da mão-de-obra infantil dos seus filhos. Na outra ponta, faltam recursos para gerar os bens públicos fundamentais para o bem-estar de todos os agricultores, como defesa sanitária, pesquisa, infra-estrutura, educação, seguro rural, certificação, rastreabilidade, etc.

O forte crescimento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia é um presente que o mundo está oferecendo à agricultura brasileira. Só que os desajustes das nossas políticas macroeconômicas e setoriais (agrícolas e agrárias) vão acabar nos fazendo perder esta oportunidade de ouro. Em vez de olharmos para o horizonte e aplicarmos medidas que aumentem a competitividade do setor e promovam, de fato, alguma inclusão social, as nossas políticas públicas estão totalmente voltadas para o retrovisor do veículo, que vai avançando em ziguezague, na beira do abismo.