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Taxa para produzir

por Rodrigo Carvalho de Abreu Lima
Sexta-feira, 26 de março de 2010 -08h40
Imagine que os produtores de alimentos no Brasil e no mundo teriam que pagar uma taxa para poder plantar, criar frangos e bois de corte. A ideia é cobrar pelo acesso aos recursos genéticos – cana, soja, bovinos, suínos, frangos – uma vez que são originários de outros países, e proteger o conhecimento de populações indígenas e tradicionais sobre recursos da biodiversidade.

Esse assunto não é peça de ficção. Pelo contrário, é objeto de intensas negociações na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que terá reuniões no final de março e em outubro, quando se espera adotar um regime internacional para regular o acesso a recursos genéticos e promover a divisão de seus benefícios.

Estima-se que apenas 10% da biodiversidade do bioma Amazônia seja conhecida. Conservar recursos genéticos de valor potencial ainda desconhecido e proteger o conhecimento de uma tribo indígena sobre recursos da biodiversidade é essencial. Mas é preciso taxar os recursos genéticos alimentares para tanto?

Não existe uma metodologia para calcular esse "direito de produzir", mas uma breve simulação indica números bastante elevados.

Tomando como base o valor de mercado da soja em grão, do açúcar e do etanol produzidos em 2009, e descontando 1% a título de taxa (repartição de benefícios), o valor devido seria de US$447 milhões/ano.

Considerando somente o total exportado de carne bovina, suína e de frangos em 2009, essa taxa chegaria a US$111 milhões/ano, sem considerar o consumo interno.

Se o farelo de soja produzido em 2009 também for considerado, geraria uma taxa de US$81milhões/ano. Existe uma proposta para que os produtos derivados entrem nesse regime, o que elevaria exponencialmente esse número para mais de US$558 milhões/ano, considerando somente o caso da cana, soja e carnes.

Imagine se produtos lácteos, frutas, carnes, bioplásticos, dentre inúmeros produtos agrícolas tiverem que pagar essa taxa. Fatalmente os custos de produção e o preço dos alimentos irão subir, impactando ainda as pesquisas de novas variedades mais produtivas.
Vale lembrar que a cana-de-açúcar, originária do Sudeste asiático há milhares de anos antes de Cristo, chegou ao Brasil em 1516 com os portugueses. A soja, oriunda da China, chegou ao Brasil em 1882,
vinda dos Estados Unidos.

Em 1874, os primeiros bovinos da raça Ongole, de origem indiana, foram trazidos para o Brasil e mais tarde, após muita pesquisa, originaram a raça Nelore. Trata-se de recursos genéticos há muito tempo utilizados e aprimorados.

O que se pretende com esse regime é conservar a biodiversidade e proteger o conhecimento das populações indígenas e locais. A resposta parece óbvia, mas cabe perguntar se para proteger esses recursos é preciso taxar do mesmo modo recursos genéticos alimentares, que são utilizados há milhares de anos?

Espero que o Brasil participe ativamente dessas negociações, buscando sempre proteger sua biodiversidade, mas também seu potencial agrícola, tão invejado mundo afora.