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Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa – Grupo ETCO

por Equipe Scot Consultoria
Segunda-feira, 2 de agosto de 2010 -08h20
Graduado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1981), especialização em Comportamento Animal pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1985), doutorado em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo (1995) e pós-doutorado pela University of Cambridge (1999).

Atualmente é Professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Professor colaborador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Professor visitante da Universidad Nacional Del Nordeste e Membro de Comite Consultivo da European Commission. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Ecologia dos Animais Domésticos e Etologia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Adaptacao Ao Calor, Bem-Estar Animal, Clima Tropical, Comportamento, Ingestive Behaviour e Ovinos


Scot Consultoria: A questão do bem-estar animal já é uma das principais exigências de países importadores da carne bovina brasileira. De que forma ela pode contribuir para a melhoria na qualidade da carne produzida?

Mateus Paranhos: Há vários estudos mostrando uma relação direta entre o bem-estar animal e a qualidade da carne.

Em situações mais extremas de falhas de manejo, em particular quando há agressão direta aos animais, esta relação é bem evidente devido ao aumento de contusões (hematomas) nas carcaças, que resultam em sofrimento aos animais e perdas quantitativas e qualitativas de carne.

Por outro lado, há certos procedimentos de manejo que resultam em perdas de qualidade de carne menos evidentes, pelos menos aos olhos dos produtores.

Essas perdas são caracterizadas por altos valores de pH (que deixam a carne mais susceptível à contaminação por microorganismos) que podem resultar em carnes DFD ou tipo DFD, que se caracterizam por ser mais escuras, duras e secas. Esse problema é geralmente decorrente de situações que levam os animais a um gasto energético. Associados isso está o esforço físico que os animais são submetidos durante o manejo pré-abate, sendo de ocorrência mais freqüente em situações de viagens muito longas e da mistura de lotes (que resulta em brigas); com isso há um consumo das reservas de energia na musculatura dos animais, com redução do glicogênio muscular, que é fundamental para a formação do ácido lático, essencial para a acidificação durante o processo de transformação do músculo em carne.

Enfim, a qualidade intrínseca da carne (cor, sabor, maciez, etc.) é diretamente dependente do bem-estar dos animais, mas vale enfatizar que há também outros critérios de qualidade, dentre eles o critério moral, que resulta em exigências comerciais como as apresentadas por alguns países importadores da carne bovina, que exigem certos padrões de bem-estar animal como condição mínima para a aquisição da carne.


Scot Consultoria: A exportação de gado em pé vem sendo criticada, e uma das alegações é que a questão do bem-estar desses animais acaba sendo deixada de lado. Sabemos que já existem leis para que isso não ocorra. Gostaria que você, como uma grande autoridade na questão de boas práticas e manejo dos animais, comentasse um pouco sobre tal questão.

Mateus Paranhos: O tema de transporte de longa distância é bastante polêmico, independentemente se essa condição ocorra na exportação de animais ou no transporte dentro das fronteiras de nosso país. De fato, há estudos mostrando que transportes de longa distância causam estresse e sofrimento aos animais, em particular nas situações em que suas necessidades não são atendidas adequadamente.

Acredito que ao invés de transporte de longa distância, fosse melhor dizer, de longa duração, pois dependendo do meio e das condições de transporte, há situações em que os animais ficam muito estressados, mesmo quando transportados à curta ou média distância, sob condições muito ruins.

As críticas à exportação de bovinos vivos é anterior ao inicio das exportações brasileiras. Os embarques Australianos eram o alvo principal das pressões para que este tipo de transporte fosse abolido.

A criticas eram fundamentadas (e continuam sendo) na falta de cuidados e nos riscos dessa atividade para o bem-estar animal. Por exemplo, a ONG Compassion in World Farming tem uma campanha que tem como objetivo a proibição do transporte de longa distância, justificando essa iniciativa com os argumentos de que “o transporte de longa distância causa enorme sofrimento aos animais em função de que as densidades de carga são muito altas, resultando em:

1) maior risco de injurias e de pisoteamento, podendo levar os animais à morte, 2) exaustão e desidratação, principalmente quando os animais são submetidos a temperaturas extremas, muitas vezes sem a oferta de alimento, água ou condições para descansarem e, 3) dor e estresse, por terem a capacidade de sentir” (fonte: http://www.ciwf.org.uk/what_we_do/live_transport/main_concerns.aspx ).

Para justificar essas campanhas usam exemplos de situações que resultaram em estremo sofrimento dos animais e grande mortalidade, como por exemplo, a situação que ocorreu em 2003, quando um navio transportando 57 mil ovinos da Austrália para a Arábia Saudita não foi autorizado a desembarcar os animais (por problemas sanitários) e os ovinos permaneceram a bordo por três meses e mais de 5000 deles morreram.

Frente ao acontecido, ficou evidente que há um maior risco de problemas como esse ocorrido quando não há mecanismos de controle da atividade. Devido a este tipo de problema o Governo da Austrália decidiu formar um grupo de trabalho para tratar do tema, definindo a Estratégia Australiana de Bem-Estar Animal (para detalhes ver http://www.daff.gov.au/animal-plant-health/welfare ), que definiu políticas públicas e recomendações práticas de como realizar o gerenciamento de atividades que envolvam ações com animais, dentre elas a exportação de animais vivos.

Assim, ao meu ver, a exportação de bovinos vivos, bem como o transporte de animais no país, deve ser tratada com responsabilidade, sendo que todos os interessados (produtores, exportadores, e o próprio governo brasileiro, representado pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento), devem definir regras seguras de como isto deve ser feito, de forma a atender às condições para que o bem-estar dos animais e a imagem do setor produtivo não sejam colocados em risco.


Scot Consultoria: Como você avalia a adoção de práticas em favor do bem-estar animal nas propriedades brasileiras? A adoção de medidas nesse sentido tem crescido ao longo dos anos na pecuária nacional?

Mateus Paranhos: Tenho uma avaliação muito positiva sobre a adoção das boas práticas de bem-estar animal nas propriedades brasileiras, sendo que algumas das mais importantes empresas agropecuárias do país já adotam essas práticas como rotinas em suas fazendas, servindo de exemplo para outros produtores que se sentem estimulados a também fazê-lo, ao verem (na prática) os bons resultados alcançados.

O crescimento da adoção das boas práticas de bem-estar animal tem sido constante.

Vale a pena ressaltar que na maioria das fazendas, a decisão de mudar parte da própria necessidade em minimizar os problemas ocasionados pela falta de conhecimento durante o manejo dos animais, identificado pela equipe de trabalho da fazenda (proprietários, gerentes, técnicos e vaqueiros). Nesses casos, a preocupação não é necessariamente com a obtenção de vantagens na comercialização dos produtos, mas sim na melhoria da eficiência de planejamento e execução dos processos de manejo dentro da fazenda.


Scot Consultoria: Na sua opinião, quais medidas ou ações devem ser tomadas para que campanhas e documento difamatórios contra pecuária nacional, que envolvem entre elas a questão do bem-estar animal, sejam desmistificadas e a realidade seja demonstrada?

Mateus Paranhos: Esta também é uma questão bastante delicada, pois nessas situações de críticas extremas, a primeira reação é geralmente o contra-ataque e, muitas vezes, isto é feito sem o cuidado que a situação exige.

Acredito que o melhor seria adotar uma estratégia mais construtiva, analisando as criticas com cuidado, e respondendo a elas sem paixão, estruturando as respostas e os argumentos em evidências concretas, de preferência com fundamentação científica. Devemos também ter a serenidade para permitir o discernimento entre as criticas relevantes e não relevantes, e no caso das primeiras, criar mecanismos para resolver ou minimizar os problemas apontados. Enfim, agir com conhecimento, maturidade e responsabilidade.

Hoje, é possível demonstrar na prática os benefícios conquistados por fazendas, transportadoras e frigoríficos, que aprimoraram suas estratégias de manejo, tendo o bem-estar como referência. A divulgação disto, utilizando os bons exemplos de maneira concreta e direta, é a melhor maneira de lidar com críticas e também de despertar o interesse de outros envolvidos na cadeia de que é possível fazer diferente e melhor.


Scot Consultoria: Como tem atuado o Grupo ETCO na extensão e divulgação dos benefícios da adoção de prática de bem-estar animal?

Mateus Paranhos: O Grupo ETCO é um grupo acadêmico, de ensino e pesquisa que atua predominantemente nas áreas de comportamento e bem-estar de animais de produção. Com base nos resultados de nossas pesquisas e também nos de outros pesquisadores temos oferecido soluções práticas para melhorar as condições de manejo e de instalações, nas fazendas ou granjas, no transporte e também nos frigoríficos. Essas ações de extensão se materializam com a publicação dos manuais de boas-práticas de manejo, treinamentos e artigos de divulgação (alguns disponíveis em nosso sitio da Internet, www.grupoetco.org.br ).

Há também uma série de bons exemplos de como a aplicação das boas práticas de manejo melhora o bem-estar nas fazendas e nos frigoríficos, promovendo a qualidade de vida de todos envolvidos, humanos e animais.

Continuamos trabalhando na busca de soluções para os problemas e na divulgação das soluções encontradas; os desafios são grandes, mas também motivadores, estimulando um maior número de pessoas a se envolver com o tema do bem-estar de animais de produção.