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Brasil alimenta o mundo

Terça-feira, 1 de março de 2011 -09h44
Diante da forte demanda internacional por comida, catástrofes naturais e preços nas alturas, país prepara salto produtivo

A imagem idealizada do Brasil como celeiro do mundo está ficando cada vez mais real para exportadores, investidores e pesquisadores do setor agrícola. Em razão das cotações recordes de commodities agrícolas, da crescente demanda externa e até mesmo de catástrofes naturais que assolam seus principais competidores, o país caminha para um novo salto nos próximos anos. Seguindo a trilha aberta pela revolução verde dos cerrados, nos anos 1970 e 1980, ganhos de área e produtividade serão perseguidos para cobrir uma procura mundial por alimentos pelo menos 20% maior até 2020. Para isso, a produção nacional precisaria saltar 40%.

Além da vanguarda tecnológica e produtiva em agricultura tropical no mundo, o país ainda reúne uma conjunção única de fatores favoráveis, como recursos hídricos, iluminação natural e terras disponíveis ao cultivo. Recentemente, também passaram a contar a alta nos preços internacionais de commodities e as perspectivas criadas pelo crescente apetite da Ásia, sobretudo de China e Índia, por alimentos. Para os próximos anos, é dada como certa a consolidação da liderança brasileira nas exportações de carnes, soja, açúcar e etanol.

"Mais do que uma aposta de organismos internacionais, os números de crescimento agrícola projetados para o Brasil até 2020 são o maior reconhecimento do seu potencial", diz o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, ao Correio. Em sua visão, as cotações recordes das commodities agrícolas refletem atualmente fortes especulações e, por isso, podem oscilar. De toda forma, ele não tem dúvida de que a ascensão da demanda em países emergentes embalará a expansão do agronegócio nacional. Nesse sentido, vê como assegurado o desenvolvimento ainda maior das culturas de grãos na chamada nova fronteira agrícola do país.

Travas

André Ricardo Passos, sócio da Brunello Passos, consultoria jurídica focada em agronegócios, considera realistas as metas fixadas pelo mundo para a agricultura brasileira. Mas acha que seu pleno cumprimento depende ainda da superação de "travas institucionais". Entre elas estão os impactos de uma reforma tributária sobre o setor e as definições do novo código florestal brasileiro e da legislação que regula a venda de terras para estrangeiros. "O aumento da participação do capital privado no financiamento do campo, ainda dominado pela esfera pública, também é um fator que pode definir o tamanho do salto na produção", acrescenta.

Aos olhos dos especialistas, a produção agrícola no país nos próximos anos seguirá a tendência das duas últimas décadas, crescendo graças a investimentos em tecnologias, à mecanização e a fatores favoráveis à produtividade, como a qualificação de mão de obra. De 1990 a 2010, a área plantada de grãos subiu de 37 milhões para 48 milhões de hectares, ao passo que a produção, no período, pulou de 57 milhões para 148,8 milhões de toneladas - previsão para a safra atual. "As safras do país no geral já têm batido sucessivos recordes nos últimos anos, independentemente do câmbio valorizado e de gargalos da infraestrutura logística", afirma Rossi.

O Ministério da Agricultura trabalha com o potencial de incorporação de mais 120 milhões de hectares à produção de grãos. A área considerada como apta à agricultura do país é de 388 milhões de hectares, ou 45,6% do território nacional. Mas só 282 milhões (33% do território) estão sendo efetivamente utilizados. Técnicos do governo acreditam que recuperação de áreas degradadas e novas incursões pelo cerrado garantem espaço mais que suficiente para fazer a produção dobrar em menos de 10 anos. Mas analistas consideram a estimativa oficial - de agregação de duas Argentinas ao agronegócio nacional - exagerada, levando em conta as indefinições sobre os preços futuros das commodities e, sobretudo, a legislação ambiental.

Pecuária

Estudos divulgados recentemente pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), revelam que a pecuária brasileira cresceu nos últimos anos escorada na expansão da pastagem. Ao seguir caminho inverso das lavouras, que tiveram avanço puxado pela produtividade, os criadores de gado estão sendo pressionados, dentro e fora do país, a não avançar sobre novas áreas. O desafio colocado aos produtores é ampliar a produção em 30%, usando 20 milhões de hectares a menos, liberando espaços para a agricultura. Como forma de elevar a qualidade da carne e respeitar limites da legislação ambiental, analistas e o próprio setor já adotaram o mesmo discurso em favor do confinamento.
Atualmente, as áreas de pastagens no Brasil somam de 180 milhões a 200 milhões de hectares. "A disparada nas cotações internacionais da carne bovina estão garantindo a capitalização necessária para empresários do setor modernizarem o perfil da produção", comenta José Negreiros, gerente de acompanhamento de safras da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Ele lembra que os criadores estão sendo vigiados por ativistas preocupados com invasões de gado em áreas de proteção ambiental, destacadamente na Amazônia. São essas notícias negativas, comprovadas ou não, que concorrentes internacionais e governos estrangeiros usam para pregar restrições ao consumo de produtos agropecuários do Brasil.
A solução para todas as pressões comerciais ao agronegócio está na produtividade. Apesar das importantes conquistas nesse terreno, desde os anos 1990, após a abertura dos campos do cerrado no Centro-Oeste, o gerente da CONAB acredita que o Brasil pode mais. "Basta lembrar que colhemos uma média de 5 toneladas de milho por hectare, enquanto nos EUA colhem-se 12 toneladas", compara. Mas os americanos lembram negreiros, são fortes concorrentes porque, além do alto padrão produtivo, adotam subsídios.

Barreiras em queda

A desesperada investida da França por mais controles sobre as commodities agrícolas, ao lado das recentes vitórias do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra subsídios ilegais dos Estados Unidos, confirma o vigor da agricultura nacional. Para especialistas, os subsídios bilionários americanos e europeus cedidos a produtores locais levarão tempo para serem totalmente derrubados. Mas, em outra frente, a crescente competitividade do Brasil nos mercados exportadores continuará abrindo novas brechas nas barreiras aos países emergentes.

Aos olhos de Bibiana Garcia, consultora do escritório Buranello Passos, a proposta do presidente francês Nicolas Sarkozy de criar estoques reguladores globais revela pressões não apenas de pequenos agricultores, mas também de grandes multinacionais. Ela lembra que o Brasil tem 25 protestos encaminhados à OMC, dos quais 11 são contenciosos envolvendo o agronegócio.

Tática

Além da vitória histórica no caso do algodão, que provocou um acordo brasileiro com os EUA, há outros voltados para café e açúcar. "Começa a surgir uma nova tática de subsídios, por meio dos quais organizações não governamentais são financiadas por governos para denunciar supostas práticas condenáveis da agricultura do Brasil", mapeia o consultor André Passos.

Na semana passada, a OMC ratificou decisão favorável ao país na disputa contra o governo americano sobre medidas antidumping impostas ao suco de laranja brasileiro. Durante o prazo de 60 dias dado à Casa Branca para uma resposta à sentença, o Brasil, maior exportador mundial da bebida, espera que os americanos se adequem às regras internacionais. (SR)

Matopiba desponta

Abrangendo áreas produtoras do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia, a região batizada como Matopiba - junção das sílabas iniciais dos quatro estados - produziu cerca de 12,2 milhões de toneladas de grãos em 2010. A previsão para a safra atual é de um crescimento de 17%. As terras plantadas, dominadas por cerrados irrigados, tiveram ampliação de 10%. O avanço de produção e de novas lavouras já fomenta a tendência de aumento da participação dos quatro estados na produção nacional, atualmente de 15 milhões de toneladas.

Fonte: Correio Brasiliense-DF. Por Sílvio Ribas. 28 de fevereiro de 2011.