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Uma estratégia para o leite de São Paulo

por Mauricio Palma Nogueira
Terça-feira, 28 de novembro de 2006 -11h01
O ano é 36 antes de Cristo. O general romano Marco Antônio reúne um exército e parte para o Oriente Médio com o objetivo de conquistar a Pártia, reino que ocupou o lugar do Império Persa.

A estratégia dos romanos era o confronto direto, a luta disciplinada. A estratégia dos partos era a escaramuça, com ataques rápidos a cavalo e lançamento de flechas à distância. Assim, mesmo com o exército mais poderoso, Marco Antônio não pôde combater, enquanto os partos atacavam exaustivamente, sempre de longe sem dar chance ao ataque romano. Para os romanos, fuga ao enfrentamento era uma covardia. Para os partos, uma vitória: o exército invasor pereceria de fome, cansaço, doença, frio e escaramuças exaustivas.

Com a impossibilidade da vitória, a estratégia romana foi a retirada. Manter a disciplina de um exército em retirada, sob intensos ataques e condições extremamente adversas, foi um grande desafio para o comando romano.

Até hoje, essa “derrota”, com a manutenção da disciplina e dos objetivos ao longo da retirada, é considerada como um dos grandes feitos do poderoso exército de Roma, a maior força militar que dominou o mundo antigo durante quase mil anos.

A história, ilustrativa apesar de ser real, ajuda a refletir sobre a importância da existência de uma estratégica em qualquer situação. Sem um plano, até mesmo a derrota pode ser mais catastrófica do que se espera. Com um plano, é possível extrair algo de bom, mesmo das piores situações.

Essa é uma boa história e serve para a pecuária leiteira no Estado de São Paulo.

No decorrer de pouco mais de dez anos, São Paulo deixou de produzir 265 milhões de litros de leite por ano. Detinha 12,7% da produção nacional em 1994, e produziu apenas 7,4% dessa produção em 2004, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mesmo período, a produção brasileira aumentou 7,6 bilhões de litros. Em Minas Gerais, o aumento foi de 2 bilhões de litros de leite ao ano, no período considerado.

São Paulo era o segundo maior produtor em 1994, e em 2005 já era o quinto. Observe na Tabela 1, o volume anual de leite nos maiores Estados produtores, em 1994 e 2004, e as respectivas evoluções em volume e em porcentagem.



E a retração da produção não parou. Na captação de leite formal, acompanhada trimestralmente pelo IBGE, foi registrada uma redução de 108 milhões de litros de leite em 2005, quando comparado a 2004. No primeiro semestre de 2006, não foram produzidos outros 131 milhões de litros, quando comparado ao primeiro semestre de 2005. Nesse ritmo, apenas em 2006, a produção de leite em São Paulo terá sofrido uma redução proporcional à que ocorreu no período de onze anos, de 1994 a 2004.

Esse volume no mercado formal. A menos que o leite paulista esteja indo para o mercado informal, o que é improvável, a tendência é que o total de redução da produção no Estado seja ainda maior.

Na Tabela 2 estão as comparações dos últimos períodos com relação aos volumes da captação formal nos maiores Estados produtores.



Embora muito leite captado pela indústria paulista venha de Estados vizinhos, a redução no volume é praticamente toda relacionada à produção do próprio Estado.

Com informações da captação no mercado formal, em 2006 o Estado de Santa Catarina ultrapassou São Paulo na classificação nacional. Atualmente, São Paulo é o sexto produtor nacional, com um consumo de 35% do leite produzido no país.

A importância da pecuária leiteira paulista diminui frente aos outros Estados. É preciso rever o posicionamento do produtor e da indústria. É preciso pensar estratégias que permitam competitividade.

O produtor tem mudado a linha de produção em sua fazenda por não ver perspectivas favoráveis com relação ao leite.

Estudo divulgado pela Associação “Leite Brasil”, informa que existem 31,2 mil produtores de leite em São Paulo. Com base em índices de unidades produtoras, estima-se que a pecuária leiteira relacione-se diretamente com a geração de 140 a 160 mil empregos diretos em São Paulo. Com a redução da pecuária leiteira esses empregos tendem a diminuir também.

Fazendas cuja produção média era de 2 mil a 3 mil litros de leite diários e, que liquidaram os plantéis nos últimos anos, suprimiram perto de 75% dos empregos na mesma área, ao mudarem para outra atividade agropecuária. Essa informação não tem base estatística, mas é possível perceber a tendência de redução de empregos com a redução da pecuária leiteira.

São Paulo possui o segundo maior parque industrial, com 15% das unidades produtivas do país. Para mantê-las em operação trabalham com capacidade ociosa, ou importam leite de outros Estados. Essa situação ocorre simultaneamente, aumentando os custos da indústria láctea paulista. Todos perdem.


Maus resultados econômicos ocorrem em função de erros estratégicos no planejamento do sistema de produção. Outros erros ocorrem nas indústrias e na logística, reduzindo a competitividade da pecuária leiteira paulista. Por isso é preciso uma visão ampla para planejar uma estratégia de ação que envolva toda a cadeia.

Um planejamento estratégico está sendo desenhado pelo PENSA (Programa de Estudos dos Negócios no Sistema Agroindustrial) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Conta com o apoio de lideranças do setor, centros de pesquisas, universidades e de instituições de apoio a pequenos empresários. A Scot Consultoria participa da elaboração do projeto.

As empresas paulistas vão ter que se adaptar às novas tendências do mercado. Inúmeras, com diversas restrições técnicas e regionais, precisarão se reinventar como produtoras de leite. O setor precisa de respostas estratégicas.

E, na pior das hipóteses, imagine que a pecuária leiteira de São Paulo tenda a desaparecer, o que é pouco provável que aconteça. Seria bem melhor que tal fato acontecesse de maneira planejada e organizada, como a bem sucedida retirada do ilustre general romano citada no início deste texto.

São Paulo precisa de boas estratégias para o leite. O país precisa de estratégias para todas as cadeias produtivas. É fundamental para o sucesso ou, na pior das hipóteses, para minimizar as perdas.

Não existe situação em que a ausência de estratégias seja melhor que a existência dela. É melhor ter um plano pré-estabelecido.