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Mudanças no mapa do leite

por Mauricio Palma Nogueira
Quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008 -17h39
Os números preliminares do censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para a produção de leite geraram polêmica. A produção de 21,4 bilhões de litros de leite para o ano de 2006 é quase 16% menor do que a divulgada pela Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), conduzida pelo mesmo instituto. São 3,9 bilhões de litros de leite a menos, o que equivalente a 55% da produção mineira.

A pesquisa pecuária municipal e o censo também apresentam diferenças no ranking da produção leiteira. Pelos dados da pesquisa municipal, São Paulo está em quinto lugar no ranking, com Paraná em segundo e Rio Grande do Sul em terceiro.

Pelos números preliminares do censo do IBGE, Santa Catarina teria ultrapassado São Paulo em 2006, ocupando a quinta colocação. O Rio Grande do Sul teria subido para segunda posição e Goiás e Paraná estariam disputando o terceiro lugar com uma pequena diferença entre um e outro.

Observe, na tabela 1, o ranking dos seis maiores Estados brasileiros em produção leiteira pela pesquisa municipal e pelo censo do IBGE.



Independente da confirmação do censo do IBGE, o fato é que os Estados do Sul vêm ganhando posição, enquanto São Paulo e Goiás vão perdendo.

Em São Paulo, tal comportamento vem sendo debatido e estudado há alguns anos. Tanto é que entre 2005 e 2007 um estudo sobre a cadeia agroindustrial do leite foi coordenado pelo PENSA (Programa de Estudos dos Negócios dos Sistemas Agroindustriais) da Faculdade de Economia e Administração da USP, unidade de Ribeirão Preto. A Scot Consultoria participou ativamente de todas as etapas do estudo conduzindo os projetos de competitividade dos produtores de leite e garantia de qualidade nas empresas.

Enfim, se para São Paulo essa perda de espaço vem sendo administrada há algum tempo, para os goianos a situação é nova. Em meados da década de noventa, Goiás passou de quinto para segundo colocado no ranking, posição que ocupou até o levantamento de 2005, segundo o IBGE.

Portanto, produtores e indústrias instaladas em Goiás tinham vivido apenas aumento nos volumes anuais produzidos, situação que mudou entre 2006 e 2007.

Por isso, atualmente o preço do leite em Goiás é um dos mais altos do país, ficando atrás do Estado do Rio de Janeiro, que produz pouco em relação à Goiás e que possui uma situação de mercado diferenciada.

Em média, no segundo semestre de 2007, o preço pago em Goiás ficou praticamente igual aos preços de São Paulo e Minas Gerais, regiões que tradicionalmente trabalham com valores mais altos. Observe os preços na figura 1.




Para a produção de dezembro, pagamento que foi feito em janeiro, o preço goiano esteve de três a quatro centavos acima dos valores pagos em São Paulo e Minas Gerais. Novamente ficou atrás apenas dos preços recebidos pelos fluminenses.

O valor recebido pelo produtor de Goiás foi 9% acima da média nacional.

O comportamento já é reflexo da relação entre oferta e demanda. Por várias razões, a produção do Estado caiu em 2006, segundo informações do IBGE.

No entanto, no mercado formal, a captação até setembro de 2007 havia sido maior em relação ao mesmo período de 2006. Sendo assim, é possível que em 2007 a captação de Goiás tenha voltado a aumentar.

Ainda com relação à captação no mercado formal, dentre os seis maiores Estados produtores, é justamente em Goiás onde o volume aumentou menos proporcionalmente. Enquanto que, em média, a captação nos demais Estados aumentou 7,3% de janeiro a setembro, em Goiás aumentou apenas 2,7%. Isso explica o aumento de preço do Estado, quando comparado às outras regiões.
A causa para essa queda pode se relacionar com diversos fatos ocorridos nos últimos anos.

Goiás passou a ser uma das fronteiras de expansão da cana-de-açúcar. A demanda por terras, assim como o surgimento de novas opções para os produtores, provavelmente acabou alterando a produção de algumas regiões. Durante 2007, essa foi umas das preocupações constantes entre técnicos de cooperativas, indústrias e associações de produtores - O que o produtor de leite deve fazer frente ao avanço da cana?

Outra explicação reside no comportamento da pecuária de corte. A produção leiteira do Estado ainda está muito relacionada a vacas de baixa produção, destinadas tanto à atividade de extração de leite como à pecuária de corte.

Além da pecuária de corte viver o processo de aumento no abate de vacas, o que caracteriza os períodos do ciclo de alta e baixa nos preços da pecuária, há uma tendência de que a cria (produção de bezerros) em diversas regiões de Goiás migre para regiões de terras mais baratas ou áreas de fronteira.

Na pecuária de corte, Goiás vem se tornando um Estado de predominância de produção tecnificada, com terminação de boi gordo com adoção de tecnologia. Sendo assim, é natural que os criadores, produtores de bezerros, se profissionalizem focando os esforços na produção de gado de corte e não em ambas as atividades: leite e bezerros.

Com isso, pode-se enumerar três movimentos que conduzem à redução da oferta de leite: avanço da cana-de-açúcar, abate de matrizes e migração da cria de baixa tecnologia, em que o produtor busca aumentar renda com a venda de leite.

Evidentemente que a confirmação desta observação será validada, ou não, com pesquisas estatísticas ao longo dos próximos anos.

E com os atuais preços do leite, mais altos em relação às demais regiões, é possível que a produção do Estado volte a crescer. No entanto, a produção virá profissionalizada, com o fazendeiro mantendo o foco apenas na pecuária leiteira. Ao longo dos anos, Goiás tende a sair ganhando em termos de produção leiteira.

A tendência de que o leite estaria migrando para bacias mais distantes, de terras mais baratas, tem gerado um amplo debate nos últimos anos.

Quando se analisa, porcentualmente, o aumento da produção de leite entre os Estados, as regiões Norte e Nordeste aparecem em destaque, indicando grande crescimento.

Por isso conclui-se que a pecuária leiteira estaria seguindo o movimento de migração da pecuária de corte, rumo ao Norte. No entanto, embora seja o mesmo animal, a atividade leiteira não responde economicamente de maneira semelhante à pecuária de corte.

A diferença está justamente no potencial de produção por área, indicador técnico em que o leite é significativamente superior à pecuária de corte. Desde que bem conduzido e tecnificado, a produção de leite permite que um pequeno proprietário de terras seja um médio ou grande produtor de leite. Pode-se produzir um milhão de litros de leite por ano numa área de 30 hectares.

A pecuária de corte não permite produção em escala em pequenas áreas.

É por esta razão que quando se analisa a produção em volume os Estados que mais crescem são as bacias mais tradicionais no cenário nacional. A exceção, segundo os números do IBGE, é o Estado de Pernambuco, que nos últimos anos cresceu consideravelmente em volume de produção.

Observe o comportamento dos volumes de produção, por período e por Estado, na tabela 2. Os destaques são para as regiões cujo volume de produção mais aumentou na comparação de cada período analisado (de 1 a 20 anos).



O raciocínio não elimina o potencial das bacias do Norte e do Nordeste do país. Em todas as regiões, cada uma à sua maneira, existe elevado potencial de produção leiteira. O que é preciso analisar é a forma com que os produtores locais se desenvolverão.

O que atualmente parece evidente é que a pecuária de leite nos Estados do Norte ou Nordeste não se fortalecerá com base no extrativismo. Para desenvolver o potencial destas regiões será necessário incentivar a produção com tecnologia e com qualidade do leite.

As bacias mais tradicionais são as que mais crescem por terem potencial, competência e tradição para responder a estímulos de preços. Para que isso ocorra, é preciso que o produtor disponha de condições técnicas.