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Entre oferta, demanda e sanidade: os movimentos que moldaram a pecuária brasileira em 2025

por Pedro Gonçalves
Sexta-Feira, 26 de Dezembro de 2025 - 06h00

Que o mercado é volátil, você já sabe. E que nenhum ano é igual ao outro na pecuária, isso também não é novidade. Mas 2025 entra em seus momentos finais deixando um rastro de contrastes: oferta elevada de bovinos, consumo interno mais sensível, exportações em ritmo recorde e avanços estruturais que reposicionam o Brasil no cenário global da carne bovina. Para entender como esses fatores se conectam e moldam o momento atual do setor, conversei com o engenheiro agrônomo e analista de mercado da Scot Consultoria, Pedro Gonçalves, que faz uma retrospectiva do ano e analisa os principais vetores estruturais que explicam o comportamento do mercado pecuário. 

Pedro, quais foram os vetores estruturais, os fatos contundentes que trouxeram a pecuária até o cenário de mercado atual?
Pedro Gonçalves: Todo ano é um ano atípico e 2025 não foi diferente. Começando pelo final de 2024, com aquela alta na arroba do boi gordo na casa dos R$100,00, que levou muita gente a acreditar em patamares recordes para 2025. Mas, tudo é uma questão de oferta e demanda, e a demanda não se sustentou da mesma forma que vinha no final de 2024, impactada principalmente por um período eleitoral.

As primeiras análises, ainda, apontavam para um 2025 um pouco mais tranquilo na questão de abate de bovinos, com redução na participação de fêmeas. E não foi isso que aconteceu, justamente o contrário. Primeiro semestre com meses em que abatemos mais fêmeas que machos, uma participação ainda alta, reflexo da seca de 2024 e outros fatores que levaram aos produtores a colocarem as fêmeas para o gancho.

Com uma oferta em alta, a demanda tinha que caminhar com a mesma alta, para que houvesse alta na cotação da arroba do boi gordo. E ela patinou bastante. A demanda externa foi muito bem, e ajudou a manter esses preços acima dos R$300,00/@ em São Paulo, mas sozinha não tinha o poder de sustentar ainda mais. Houve, inclusive, alguns abalos, como a questão do tarifaço pelos EUA, colocando 10,0% de tarifas nos produtos brasileiros e em seguida subindo para 50,0%. Inclusive, suas políticas monetárias viabilizaram ainda mais a exportação brasileira, melhorando margens para a indústria exportadora que recebe em dólares. Também, a investigação de salvaguarda chinesa, que prorrogou por duas vezes e terá seu resultado divulgado no início de 2026.

Todos esses aspectos ajudaram a montar um pouco esses preços que temos hoje, mais colocados na casa dos R$320,00/@, em São Paulo, com uma demanda firme de fim de ano, alinhada com uma oferta de bovinos que deve ser recorde, e bater 42,0 milhões de bovinos abatidos em 2025, onde, pelos dados do USDA, seremos os maiores produtores de carne bovina do ano.
 Este ano o Brasil foi reconhecido pela OMSA como país livre de aftosa sem vacinação. Podemos afirmar que nos tornamos referência mundial em sanidade? Como isso pode impactar a produção de carne a partir de 2026?

Pedro Gonçalves: Sempre fomos referência em questão de produção de qualidade. Para qualquer das proteínas, estamos entre os maiores em todas elas, e nos firmando cada vez mais e mostrando cada vez mais que temos a qualidade de produção. Esse reconhecimento por parte da OMSA mostra isso. Alguns estados estão há mais de 20 anos sem apresentar febre aftosa em seu rebanho, mostrando que o plano nacional de erradicação da doença foi um sucesso, e nos levou a isso.

A expectativa é de um impacto mais positivo que negativo. Pensando para quem vende a carne, [o reconhecimento] abre portas para mercados exigentes e que pagam melhor pela carne bovina, como Japão e Coreia do Sul, e mostra para a União Europeia a nossa capacidade e qualidade do sistema produtivo.

O aspecto que pode ser negativo fica por conta das regiões de fronteira, onde a falta de vacinação pode permitir que um foco da doença apareça. Isso reforça ainda mais que as iniciativas para erradicação da doença sejam firmes e bem fiscalizadas em pontos de originação animal.

Falando em sanidade, este ano tivemos o primeiro caso de gripe aviária da história do Brasil. Este fator afetou apenas o mercado de aves e ovos ou também teve reflexo na comercialização da carne bovina?

Pedro Gonçalves: Do ponto de vista da carne bovina, qualquer outra proteína é concorrente dentro da cesta de alimentos do brasileiro. E quando tivemos este evento em solo nacional, a atenção se redobra.

Falei anteriormente sobre a questão de oferta e demanda. Tivemos um ano bem ofertado de carne bovina, mas uma demanda que derrapou em alguns momentos. Um desses momentos se deve ao caso de gripe aviária. É claro que é uma proteína mais rápida de ser produzida, com um ciclo bem curto quando comparado ao bovino, e teve sua capacidade logística facilmente ajustada quando a exportação foi barrada.

Mas, por um período, a oferta de carne de aves foi maior, e pressionou seus preços para baixo, tornando-a muito mais atrativa para a mesa do brasileiro do que em relação a carne bovina. E a consequência do menor escoamento de carne bovina são preços pressionados para queda, que levam a preços mais baixos na comercialização com o produtor.

Os dados de exportação de carne bovina e de gado vivo mostram recordes sendo atingidos mês após mês em 2025. Na visão da Scot Consultoria, o que motivou esses eventos durante o ano?

Pedro Gonçalves: Esse foi um cenário que batemos bastante durante nossos dois encontros do ano, o Encontro de Confinamento e Recriadores e o Encontro de Intensificação de Pastagens. O mundo tem produzido menos. O primeiro fator: compras chinesas. Com os atritos no início do ano entre os dois maiores compradores de carne bovina brasileira em 2025, fez com que eles parassem o comércio entre si. E a China canalizou sua demanda pela carne brasileira, comprando volumes recordes ao longo do ano.

Também, a produção mundial de carne bovina estagnada, exceto por poucos países que estão aumentando seu rebanho e produção, criando países “especializados” nessa produção. Isso alinhado com a menor produção estadunidense de carne bovina, com seu menor rebanho desde as primeiras décadas do século passado, colocou pressão sobre a necessidade de carne, pois o consumo no mundo está crescente, e não para de crescer. Ou seja, países que produzem pouco podem encontrar mais economia comprando de um grande produtor e dedicando sua energia a outra atividade.

Outro fator que pesa na balança brasileira da exportação de carne bovina é a composição dos preços médios da carne. Sendo a brasileira a mais disponível no mundo e a mais barata. Isso abriu nossa carteira de clientes no mundo, onde vendemos para 142 localidades, até novembro, e que deve ter boas novas já no início do próximo ano.

Hoje a arroba do boi gordo encontra um cenário otimista, mas não foi assim o ano todo. Contudo, é possível afirmar que foi um bom ano para quem produz carne no Brasil? A rentabilidade foi positiva para o pecuarista?

Pedro Gonçalves: O ano começou assustador, até. Com um milho batendo R$90,00/saca em São Paulo. E o milho é um termômetro para preços das principais rações utilizadas em nosso país. Logo, se ele sobe, a maioria dos alimentos acompanha esse movimento. Mas, ainda assim, mesmo com as oscilações dos preços pagos pela arroba do boi gordo, a rentabilidade foi positiva. E vimos isso pelo Benchmarking Confina Brasil, onde nas principais praças pecuárias de confinamento (SP, MT, GO, MS e MG), rentabilidades acima do que veio a taxa Selic mensal.

Quando o custo alimentar começou a baixar, tivemos as altas para a reposição, ampliando seu ágio frente ao boi gordo. Mas, de novo, mesmo com uma rentabilidade impactada pela reposição, o custo alimentar baixo foi bom o bastante para garantir uma boa margem para o produtor brasileiro, que trabalhou, em média, com ela acima da Selic.

E, essa é uma expectativa que deve se manter para 2026, com os primeiros cálculos de rentabilidade sendo ainda melhores que do primeiro giro de 2025.

Para finalizar, Pedro. Este ano o Brasil começou a implementar o Novo Plano Nacional de Rastreabilidade, com o intuito de ter todo o gado bovídeo individualmente identificado até 2032. A fase iniciada em 2025, de adaptação tecnológica e integração de dados, segue até o final de 2026. Do ponto de vista de mercado, como isto pode ser positivo para os pecuaristas brasileiros que tem como foco o mercado interno?

Pedro Gonçalves: Esse assunto até arrepia quando passa pela cabeça do nosso produtor. Temos algumas incertezas quanto a maior parte dos projetos, principalmente quem pagará o custo disso?

Mas, do ponto de vista de mercados, a rastreabilidade caminha para ser um ponto de reforço para conquista de mercados exigentes, e quando olhamos para o mercado interno, ela pode ser mais uma das ferramentas de garantia de qualidade do nosso sistema de produção.

E, possivelmente, dos grandes produtores e de grande capacidade como é o Brasil, sairemos na frente e ganhando estrutura frente a mercados extremamente qualificados e que não possuem um sistema de rastreabilidade.

É claro que fica um gosto amargo quando vemos que países concorrentes não precisam de tantos passos para habilitarem novos mercados, mas mostra nossa rápida capacidade de colocar tecnologia e produzir de forma sustentável economicamente, ambientalmente e socialmente.

Ao longo da conversa, fica claro que 2025 foi menos sobre respostas simples e mais sobre adaptação. O cenário segue desafiador, mas também revela oportunidades para quem acompanha o mercado, investe em eficiência e se antecipa às transformações. Mais do que um ano atípico, 2025 se consolida como um período de transição, que ajuda a desenhar os caminhos da produção de carne bovina no Brasil nos próximos anos.