Quando a experiência encontra propósito, nasce um novo jeito de fazer pecuária. Ricardo Aboud, engenheiro civil de formação e produtor por escolha, revela de que forma a trajetória internacional e os aprendizados em uma indústria sólida foram essenciais para estruturar o Grupo África, no Piauí. Em conversa com a Scot Consultoria, ele compartilha os bastidores da transição de carreira, os desafios logísticos da região e a construção de um modelo de gestão baseado em rotina, comunicação e valorização das pessoas. Entre indicadores, bem-estar animal e visão de longo prazo, Aboud mostra que é possível inovar no agro com responsabilidade e intencionalidade - mesmo começando do zero.
Scot Consultoria: O Confina Brasil esteve com você, em Teresina-PI, e chamou atenção a sua história e o nome da propriedade - Fazenda África, do Grupo África. Conta para a gente como foi essa trajetória: você não veio originalmente da pecuária, apesar de ser de um estado com tradição forte para a pecuária, que é o Mato Grosso do Sul. Como foi esse caminho até o Piauí? E como surgiu e construiu esse projeto que hoje é o Grupo África?
Ricardo Aboud: Certo, bom, o que me levou - o que nos levou - a dar esse nome África foi o fato de que nós passamos 11 anos morando em cinco países diferentes da África. Isso por conta da minha carreira como engenheiro de petróleo. Eu trabalhava numa multinacional, e parte da estratégia da empresa era justamente essa: mudarmos de país com certa frequência. E aí, com a chegada da Covid, em 2020, voltamos para o Brasil e resolvemos abraçar a pecuária.
Viemos para Teresina, no Piauí, que é onde mora a família da minha esposa. Eu sou casado, temos dois filhos, e a família dela já tinha uma tradição na agropecuária, com granja, então já tinha ali uma ligação com o campo. E eu, apesar de não ter trabalhado diretamente com isso antes, sou do Mato Grosso do Sul, que é um estado com uma pecuária muito forte. Sempre estive muito próximo de pecuaristas por lá, convivendo bastante. E foi assim que a gente começou na pecuária, tem uns quatro anos.
Scot Consultoria: Durante a visita do Confina Brasil, você comentou que um dos grandes desafios enfrentados na fazenda, é a mão de obra - especialmente em relação à capacitação da equipe. Pode explicar um pouco melhor como vocês lidam com essa questão?
Ricardo Aboud: Certo. Hoje, temos no Brasil uma redução da população rural. A projeção é que chegue a 9,0% em 2030. E isso nos leva a buscar pessoas com mais qualificação, porque tem cada vez menos gente disponível. E percebemos que, independentemente do tipo de negócio, tudo passa por pessoas. Então, isso foi fundamental para que pudéssemos crescer - digamos assim - no caminho certo.
Hoje temos a satisfação de proporcionar capacitação técnica, não só para os nossos colaboradores diretos, mas também para os familiares deles. Já oferecemos cursos como primeiros socorros, uso de extintores de incêndio... e isso ajuda muito no dia a dia deles também. Então, isso para nós é fundamental, o investimento no capital humano.
Scot Consultoria: O Grupo África também tem uma presença bem forte no Instagram, o que chama bastante atenção. Como surgiu essa ideia de compartilhar o dia a dia da fazenda nas redes sociais? Vocês não vieram da pecuária, mas hoje já têm um trabalho consolidado, com essa fusão de experiências e conhecimentos - inclusive com o Método África. Conte um pouco como foi esse processo?
Ricardo Aboud: Isso eu devo exclusivamente à minha esposa - foi ela quem começou o Instagram. Desde o início, o nosso propósito com as redes sociais, e continua sendo até hoje, é difundir conhecimento. Compartilhar tudo o que fazemos de certo e o que fazemos de errado. Porque errar faz parte, e acreditamos que dividir essas experiências pode ajudar outras pessoas também. Então, posso dizer que essa parte é 100,0% mérito da minha esposa.
Scot Consultoria: Quando estivemos com vocês lá na fazenda, outra coisa que chamou bastante atenção foi a preocupação com o bem-estar animal, mesmo vocês estando há relativamente pouco tempo na pecuária - cerca de quatro anos. A estrutura do confinamento, por exemplo, tem cobertura, e o curral segue o conceito de antiestresse. Essa atenção ao bem-estar é realmente o foco de vocês?
Ricardo Aboud: Sim, isso faz parte inclusive da nossa missão como entidade CNPJ. Temos como princípio promover o bem-estar animal. E entendemos que isso também é algo saudável para o negócio. Conseguimos medir, na prática, os resultados dessas técnicas que aplicamos - como oferecer sombra, água limpa e ter um cuidado especial no manejo do dia a dia dos animais. Tudo isso reflete diretamente nos resultados. Então, é realmente uma situação de win/win, onde todos ganham.
Scot Consultoria: Como vocês lidam com os desafios logísticos no Piauí? Você comentou durante nossa visita que não é um estado com tanta facilidade no acesso a insumos, e que o milho, por exemplo, é mais difícil de chegar. Como vocês estão se posicionando em relação a isso?
Ricardo Aboud: Olha, é um grande desafio, sobretudo com a recente alta nos preços de alguns insumos. Por isso, sempre procuramos alternativas que tenham qualidade semelhante ou próxima ao milho, como é o caso do sorgo. Agora, com a criação da fábrica em Balsas-MA, conseguimos proporcionar outra fonte de nutrientes. De forma geral, buscamos alternativas com o objetivo de reduzir os nossos custos, que são bastante elevados. Afinal, a margem do confinamento é bastante apertada e desafiadora.
Scot Consultoria: A pecuária vem se profissionalizando cada vez mais, e isso também é visível na propriedade de vocês. Quando passamos com o Confina Brasil, vimos toda a parte de gestão, à vista, bem estruturada. Como essa profissionalização acontece na fazenda? Inclusive, isso tem alguma influência da sua experiência no setor de petróleo?
Ricardo Aboud: Tem, excelente pergunta. Porque como eu venho de uma outra área, que é uma indústria bem madura, percebo um contraste muito grande com a agropecuária, que é o carro-chefe do Brasil. Duas diferenças chamaram bastante atenção: a primeira é a gestão. Muitos produtores ainda não têm o hábito de gerenciar o negócio com base em indicadores e levantamento preciso de custos - isso faz muita diferença no dia a dia. A segunda é a segurança. É raro encontrar fazendas com extintores de incêndio, estações de diesel adequadas ou colaboradores utilizando EPIs. Essas experiências me ajudaram a alinhar nossa visão de negócio.
Scot Consultoria: Aproveitando esse gancho da sua experiência com o setor de petróleo e a importância da gestão que você comentou, você poderia compartilhar um pouco sobre quais ferramentas e práticas vocês utilizam no dia a dia da fazenda? Que tipo de dados costumam colher e acompanhar?
Ricardo Aboud: Sim. A nossa atividade é muito baseada em rotina, então a comunicação é fundamental. Hoje temos duas fazendas - uma próxima de Teresina-PI e outra a cerca de 300km -, o que aumenta um pouco o desafio. Mas, com o uso das mídias sociais e dos recursos tecnológicos disponíveis, conseguimos manter contato diário com as equipes. Estabelecemos rotinas, metas de curto e longo prazo, e tudo isso é bem comunicado e digerido entre os funcionários, o que facilita muito a gestão no dia a dia.
A entrevista completa com Ricardo Aboud está disponível na íntegra no canal da Scot Consultoria no YouTube. Para assistir a todos os detalhes da conversa, acesse https://youtu.be/WE03DiuiRgQ