Quando o volume já não basta, a qualidade vira o caminho. Luiz Roberto Saalfeld, referência na pecuária gaúcha, fala sobre como a busca por uma carne superior deixou de ser acaso e se tornou propósito. Em uma conversa com a Scot Consultoria, ele relembra o passado das charqueadas, destaca o papel da nutrição e da genética, e aponta as oportunidades que surgem mesmo em meio a desastres climáticos históricos, como as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul. Entre desafios logísticos e transformação do setor, ele defende: o Brasil tem tudo para liderar também no mercado global de carne de alta qualidade — só precisa acreditar no próprio potencial.
Scot Consultoria: Na sua opinião, o Brasil possui qualidade suficiente para atender os mercados internacionais mais exigentes?
Luiz Roberto Saalfeld: O Brasil tem uma vocação natural para commodities, principalmente pelo volume que produzimos. Temos evoluído bastante, especialmente na pecuária, e que deve muito ao desenvolvimento da agricultura. Os resíduos dos grãos, por exemplo, têm sido fundamentais na alimentação de bovinos. E como o Brasil tem um potencial praticamente ilimitado na produção de grãos, isso cria uma sinergia muito positiva entre os setores.
Hoje, temos marcas consolidadas de carne e uma diversificação geográfica da produção. Sempre comento que nós, do Sul, precisamos sair da zona de conforto e olhar com mais atenção para a nutrição animal. Genética e manejo já avançaram bastante, mas, sem alimentação adequada, não se produz carne de qualidade. Carne de qualidade exige gordura, acabamento e maciez. E não estamos falando só de nicho gourmet – o brasileiro quer qualidade no consumo do dia a dia, para o churrasco de fim de semana.
Acompanho essa evolução há décadas. Lembro de quando o Brasil ainda importava carne – inclusive da região de Chernobyl. Hoje, sendo o maior exportador, o Brasil ainda tem espaço para crescer. E por que não investir mais em qualidade? Temos clima favorável o ano todo, de Norte a Sul, capacidade de produção e uma pecuária em constante modernização.
Claro que há desafios. A questão fronteiriça, a vigilância sanitária, a rastreabilidade – tudo será cada vez mais exigido, especialmente pelos mercados europeus. Mas são exigências que também representam oportunidades. Quanto mais nos qualificamos, mais nos tornamos competitivos.
A pecuária brasileira está apenas na volta de aquecimento dos pneus, como já disse um especialista do setor. Somos líderes em volume, e agora é hora de dar um passo além, na direção da qualidade.
Sempre que visito outros países, volto com a sensação de que não valorizamos o suficiente o que temos. O Brasil é um país abençoado – sem terremotos e nevascas – e com um potencial gigantesco. Nossa carne, inclusive, já é usada para equilibrar a composição da carne americana em hambúrgueres. Mas muitos outros países ainda têm sede por carne de qualidade.
Quando pensamos no potencial da carne de qualidade, é como aquela clássica história da fábrica de calçados: enquanto alguns veem um mercado inexplorado como um obstáculo, outros enxergam uma oportunidade imensa. E o Brasil, tem todas as condições para liderar também nesse segmento. O céu, sem dúvida, é o limite para a carne de qualidade.
Scot Consultoria: Hoje, vocês são referência com a marca Angus e se tornaram o primeiro frigorífico do Sul do país a conquistar o selo Angus Gold. Essa trajetória de qualidade começou desde o início? Já tinham esse compromisso com a excelência como meta desde os primeiros passos da empresa?
Luiz Roberto Saalfeld: Talvez... essa é uma boa pergunta. Talvez tenha sido até por acaso. Estamos em São Lourenço do Sul, ao lado de Pelotas — que hoje é a capital do doce, mas já foi um polo das charqueadas e da carne. Nos anos 80, quando começamos, ainda existiam frigoríficos exportadores ativos ali. Havia essa herança da carne — e a gente, bem perto, acabou sendo influenciado por isso.
Só que os grandes frigoríficos buscavam carcaças pesadas. E o que sobrava para nós? Bovinos jovens, leves, de 12, 13 meses. E foi com esses que começamos — sem muita escolha. Mas deu certo: eram bovinos que, naturalmente, resultavam numa carne macia. E isso começou a chamar atenção.
Usamos o que tínhamos: suplementamos esses animais com subprodutos da soja — o que a indústria jogava fora a gente transformava em alimento. E sempre fomos muito atentos à nutrição. Aos poucos, o consumidor foi percebendo a diferença.
Então, mesmo que o início tenha sido quase por necessidade, a busca por qualidade virou nosso propósito. E, de lá para cá, a pecuária gaúcha evoluiu muito — genética, nutrição, manejo. É uma evolução constante.
Hoje, a gente trabalha com um produto que os supermercados querem ter — porque carne boa atrai cliente. E o consumidor, uma vez que conhece qualidade, não volta atrás. É como carro com ar-condicionado: depois que você se acostuma, não abre mão.
A gente já faz carne de qualidade, buscamos isso todos os dias. Mas ainda tem muito espaço para crescer. O Brasil está em um ritmo acelerado. E nós seguimos nessa caminhada — sempre querendo fazer melhor.
Scot Consultoria: A gente fala muito sobre a evolução da pecuária — e ela de fato aconteceu. Mas nos últimos tempos, o clima tem pesado muito, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado e afetaram não só a produção, mas também a logística, o produtor no campo. Olhando para esses mais de 30 anos, você já tinha enfrentado algo parecido?
Luiz Roberto Saalfeld: Não, nada se compara à enchente de 2024. Nossa cidade, São Lourenço do Sul, já tinha sofrido algo semelhante em 2011, mas nada se compara ao que aconteceu em 2024. Foram três mil milímetros de chuva em poucos meses — só em maio, mil milímetros em menos de 30 dias. Foi algo extremo. Em mais de 30 anos vivendo a cadeia da carne, eu nunca vi nada parecido.
As enchentes destruíram pastagens, lavouras, estradas... A logística virou um desafio enorme. Nossa planta fica a apenas 200km de Porto Alegre, mas durante a crise, para atender nossos clientes da capital, precisávamos fazer um desvio absurdo — 1.200km de caminhão, indo até a fronteira com a Argentina e voltando, porque a estrada principal estava bloqueada. Tudo isso para chegar na nossa própria capital.
E não parou por aí. O acesso a São Paulo também foi comprometido. Foi um desastre completo, talvez o mais impactante de toda a nossa história. E este ano já começamos enfrentando outro extremo: seca mal distribuída… e isso assusta muito o Rio Grande do Sul.
A entrevista completa com Luiz Roberto Saalfeld está disponível na íntegra no canal da Scot Consultoria no YouTube. Para assistir a todos os detalhes da conversa, acesse: https://youtu.be/rTSbRgluX-M