A produção de leite no Brasil tem passado por constantes transformações, o uso de inovações tecnológicas e a produção a pasto tem se mostrado uma alternativa eficiente e tem permitido aos produtores otimizarem seus processos e aumentar a rentabilidade das operações.
Com mais de 24 anos de experiência no setor do agro, o grupo Guarujá iniciou suas atividades com a recria e terminação de animais de corte, expandindo e diversificando ao longo do tempo. Nesta entrevista, Luiz Venturi compartilha o início do grupo na atividade leiteira e como as inovações tecnológicas têm impactado a atividade.
Scot Consultoria: Luiz, o Grupo Guarujá se destaca pela inovação e pelo uso intensivo de tecnologia na pecuária de corte, na agricultura e na pecuária leiteira. Como surgiu a decisão de investir na produção de leite e como foi o processo de entrada do grupo nesse setor?
Luiz Venturi: A decisão surgiu da necessidade de diversificar nossa produção e buscar atividades mais resilientes ao mercado. O incêndio em nossa propriedade foi o gatilho para essa reflexão, mas percebemos que o Mato Grosso do Sul tinha um grande potencial na pecuária leiteira, sendo um estado importador de leite. Optamos por um sistema de produção a pasto de alta eficiência, unindo genética de ponta e manejo adequado, garantindo não apenas um negócio rentável, mas também sustentável a longo prazo. Buscamos genética Gir em criatórios com cerca de 100 anos de seleção de bovinos especializados na produção leiteira e trouxemos para o Mato Grosso do Sul. Começamos a produção dos embriões e a seleção das famílias que melhor se adaptavam ao nosso sistema produtivo. E, a partir disso, o projeto, que começou como venda de genética, acabou se mostrando uma ótima alternativa de produção; além disso, a complementariedade em relação às nossas outras atividades.
Scot Consultoria: A implementação do sistema de ordenha robotizada foi um marco importante para o grupo. Quais foram os maiores desafios enfrentados nesse processo e como vocês superaram essas dificuldades?
Luiz Venturi: O principal desafio foi adaptar a tecnologia ao nosso sistema a pasto, algo pouco explorado no Brasil. Além disso, a escassez de mão de obra qualificada exigiu que buscássemos um modelo operacional mais autônomo. Visitamos diversas fazendas no Brasil e no Chile, aprendemos com a experiência de outros produtores e adaptamos a tecnologia à nossa realidade; adequamos para os pontos fundamentais que nos diferenciam de tudo o que vimos, pois temos bovinos leiteiros cruzados Gir x Holandês e alguns tricross Gir x Holandês x Jersey trabalhando em pastagem com alta lotação o ano todo e em regime de ordenha voluntária. Hoje, conseguimos produzir leite com alta eficiência, reduzindo custos e melhorando a qualidade do produto.
Scot Consultoria: Ainda sobre a ordenha robotizada, é uma tecnologia já consolidada, mas que ainda começa a ganhar espaço no Brasil. No Mato Grosso do Sul, o Grupo Guarujá foi pioneiro nessa implementação. Como você avalia o impacto dessa inovação na produtividade e na qualidade do leite? E, para quem ainda não conhece, poderia explicar como funciona esse processo?
Luiz Venturi: Sim, somos os pioneiros nessa tecnologia no estado e no uso de Girolando em ordenha robotizada no Brasil. Acreditamos e temos números para provar que o sistema é uma excelente alternativa para o Centro-Oeste brasileiro ou para áreas tropicais. A produção de leite a pasto, em áreas manejadas corretamente e com alta capacidade de suporte animal, proporciona um leite com custo reduzido e, portanto, com uma margem financeira muito boa. A ordenha voluntária tem nos mostrado que os bovinos estão mais saudáveis e apresentam maior produção, pois temos a comparação, uma vez que quase todo o rebanho já passou pela nossa outra propriedade com ordenha mecânica convencional. O robô analisa o leite a cada ordenha e por quarto de peito, mostrando um conjunto de informações que vão desde prevenção de mastite até o momento de inseminação.
Nosso sistema de pastos está dividido em três setores e oferecemos oito horas de pastejo para o lote de bovinos, controlando esta oferta com o pastejo em faixa. À medida que a oferta começa a diminuir, as vacas começam a ir para a ordenha, pois lá elas sabem que têm ração durante a ordenha e depois receberão uma nova área de pasto com mais oito horas de oferta de forragem. Após o pastejo deste segundo setor, elas repetem o caminho para ordenha, ração e ganham o terceiro setor do dia, completando as 24 horas. Toda essa movimentação é feita sem a presença de humanos; a vaca escolhe o momento de ser ordenhada e buscar a pastagem.
A equipe é bem reduzida, hoje são duas pessoas para manejo de 180 vacas. E a carga horária é de oito horas durante o horário comercial padrão. Neste módulo, iremos até oito robôs com 720 vacas em lactação numa área de 130 hectares e com cinco funcionários, incluindo o do bezerreiro. Nossa média anual de produção de leite é de 22 litros/vaca/dia. Com isso, produzimos atualmente cerca de 44.000 litros de leite/ha/ano. Acredito que, em um curto prazo, estaremos com 25 litros de média diária e cerca de 50.000 litros/ha/ano.
Scot Consultoria: Além da ordenha robotizada, quais outras tecnologias têm sido adotadas no setor de pecuária leiteira e quais delas você acredita que serão tendências importantes para os próximos anos?
Luiz Venturi: O uso de colares inteligentes, que nos permite monitorar a saúde e a reprodução dos bovinos em tempo real, reduzindo perdas e melhorando a eficiência reprodutiva. As cercas virtuais vão revolucionar o manejo de pastagens, tornando a rotação mais eficiente. Além disso, estamos desenvolvendo ferramentas gerenciais que auxiliam na tomada de decisão, garantindo melhor controle financeiro e operacional. Acredito que a pecuária leiteira do futuro será baseada em dados, permitindo previsibilidade e rentabilidade.
Scot Consultoria: Como você vê o atual cenário da pecuária leiteira no Brasil, considerando os desafios e as oportunidades que o setor enfrenta?
Luiz Venturi: Estamos passando por uma mudança geracional e tecnológica. Muitos produtores tradicionais estão deixando a atividade, abrindo espaço para quem está disposto a inovar. O desafio está na profissionalização: não basta apenas produzir leite, é preciso ter gestão, controle de custos e estratégia de mercado. O Brasil tem potencial para ser um dos maiores produtores mundiais de leite, mas, para isso, precisa superar gargalos de eficiência e logística. Quem souber unir tecnologia, gestão e escala vai se destacar nesse novo cenário.
Scot Consultoria: Para os produtores que ainda têm resistência em adotar novas tecnologias, qual seria a sua principal mensagem para incentivá-los a se modernizar e a melhorar a eficiência de suas operações?
Luiz Venturi: A modernização não é mais uma escolha, é uma questão de sobrevivência. O mundo está mudando rápido, e a tecnologia está transformando a forma como produzimos. Quem não se adaptar, ficará para trás. Mas a boa notícia é que há muitas oportunidades para aqueles que enxergam a pecuária leiteira como um negócio e estão dispostos a investir em inovação e gestão. O futuro pertence a quem souber unir eficiência e rentabilidade.