Scot Consultoria
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Confinamento: desafios e expectativas

por Antônio Guimarăes
Terça-Feira, 15 de Março de 2022 - 17h15



Scot Consultoria: Poderia nos contar brevemente a história do grupo Reunidas da Bagagem?



Antônio Guimarães: A fazenda começou há muito tempo, sendo uma propriedade pouco explorada na parte agrícola. A abertura de áreas se iniciou na década de 70 com meu avô e a partir daí a parte da pecuária começou a ser vista como produção. Com o passar dos anos, fomos entrando para o setor da agricultura e, com o surgimento de usinas, a cana-de-açúcar se tornou presente na fazenda.



Hoje é uma fazenda que, em área, a pecuária tem menos representatividade, porém, acaba representando muito devido ao confinamento, então houve um deslocamento dos animais que antes eram todos criados em pasto para o confinamento. As áreas restantes viraram agrícolas, tanto para grãos, como soja, milho e feijão, quanto para as áreas de cana-de-açúcar.



O confinamento conta com capacidade estática de 9 mil animais e roda o ano todo. Na época em que começamos a confinar, em 1994, o confinamento era tradicional de dois giros durante a seca, sendo puramente estratégico pela falta de chuva. Então, os animais eram deslocados do pasto para o confinamento durante esse período.



Quando o sistema começou a crescer, mudamos o seu perfil, com o intuito de funcionar o ano inteiro para ser uma atividade independente.



Scot Consultoria: Quais foram as principais mudanças no confinamento desde o modelo inicial até o modelo atual, considerando a estrutura física, manejo nutricional e a adoção do bem-estar animal?



Antônio Guimarães: As mudanças foram muitas. Antigamente, as nossas estruturas eram simples: os nossos cochos nem de cimento eram. As dietas também eram muito diferentes, sendo compostas por poucos ingredientes e com nível maior de volumoso. A dieta era composta basicamente por quatro ingredientes, sendo o núcleo, cana picada in natura, milho ou sorgo e farelo de soja.



Com o passar do tempo e com incremento da tecnologia, as mudanças foram significativas. Dentro do bem-estar animal, todos os nossos currais são voltados para a diminuição do nível de poeira para evitar animais com pneumonia, os bebedouros de água mudaram, sendo menores, com uma maior vazão e com limpeza constante.



Em relação à parte estrutural, todos os currais possuem pé de cocho, que antes não se via necessidade pelo fato de que não confinávamos no período das águas, então o dano era menor. Hoje, as estruturas devem ser mais bem pensadas, porque usamos o confinamento em um período com um desafio maior, que é o período das águas.



Na nutrição as mudanças foram enormes, seja na parte de aditivos ou na parte de micro e macro nutrientes. Vários coprodutos, que antigamente não eram usados na nutrição animal, hoje são amplamente utilizados. Então, atualmente temos o uso de farelo de arroz, farelo de algodão, torta de algodão, caroço de algodão, polpa cítrica, entre outros.



Comparando as dietas, hoje temos 14 ingredientes na nossa composição, sendo que antigamente usávamos apenas quatro. Portanto, o perfil nutricional mudou, a relação de volumoso e concentrado também, com o intuito do adensamento das dietas cada vez maior.



Os maquinários também sofreram mudanças. Antes, por serem poucos ingredientes e necessidade de uma precisão menor, não havia instrumentos que são necessários hoje. As quantidades eram baseadas na subjetividade de quem estava montando a dieta. Hoje em dia trabalha-se com precisão, com softwares de gestão, entre outros. Os vagões que tínhamos antigamente não eram misturadores, eram apenas distribuidores. Hoje nós temos maquinários que fazem toda a parte de recolhimento de ingredientes, contando com um autopropelido que recolhe os ingredientes um a um, mistura e distribui nos cochos. Assim, temos todas as operações concentradas em uma só máquina.



Scot Consultoria: Quais os principais gargalos do sistema intensivo no Brasil? Quais os erros cometidos mais comuns?



Antônio Guimarães: Eu acredito que o maior desafio atual de um confinamento é a aquisição de animais. Estar em boas regiões com fazendas de recria visando o abastecimento são pontos importantes, porque há o desafio na compra do boi magro. No meu ponto de vista, esse pode ser o principal gargalo: ter uma compra boa de boi magro, com uma boa relação de troca, para poder se manter ativo na operação. Se comprar mal, dificilmente consegue-se arrumar toda a conta do meio para o final.



Em segundo plano estão os desafios nutricionais. Estamos tendo uma série de mudanças de patamares dos preços dos ingredientes, fazendo com seja importante o produtor possuir uma boa gestão de insumos, levando em conta também o controle de estoque, controle nutricional das dietas, com o intuito de saber se realmente aquilo que é recomendado é o que está sendo ofertado para os animais.



Scot Consultoria: Vocês trabalham com operação de hedge? Na sua visão, como o pecuarista enxerga o uso dessa ferramenta hoje?



Antônio Guimarães: A ferramenta de trava é importante, mas vai muito da visão e modelo de negócio de cada um. Há o pecuarista que foca o seu pensamento puramente no financeiro, que pensa apenas em investimento e retorno. O outro modelo de pecuarista é o que possui uma visão mais voltada na relação de troca, então a trava passa a ser menos atrativa, porque em uma subida de preço, ele perde muito poder de compra.



Hoje nós temos algumas ferramentas que podem contribuir com isso, como o caso de opções, onde é possível travar o preço mínimo e participar da alta. São ferramentas que não são muito baratas e a gente não usa tanto. Somos mais voltados para o hedge, porque as opções estão com valores altos e o mercado muito volátil.



Acredito que a busca por essas ferramentas vai ser cada vez maior, podendo ser um caminho sem volta.



Scot Consultoria: Como a quebra de safra na região Sul do país pode afetar o custo e o planejamento para a produção de 2022?



Antônio Guimarães: Esse é um ano de desafio muito grande por parte de insumos. Um dos motivos é a quebra de safra no Sul e ainda temos uma safrinha com incertezas muito grandes. Se observarmos a região Centro-Oeste, como Goiás, e também Minas Gerais, as chuvas já não estão tão consolidadas como estavam há vinte dias.



Então, o desafio é conseguir operar nesses anos de ingredientes caros. No nosso caso em específico, temos áreas irrigadas para termos uma parte como produção própria, com o intuito de fugir um pouco do risco desses fatores.



Essas áreas irrigadas acabam trazendo um certo conforto em termos de produção de grãos. Essa é uma ferramenta importante para confinamento também, esse sinergismo entre as áreas de agricultura e de pecuária, principalmente em anos em que não há o insumo na região que você precisava.



Acredito que esse ano ainda vá ser de alimentos mais caros e ainda por cima com todas as incertezas do que irá acontecer devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, com a dúvida de qual lado vai a dinâmica de insumos no Brasil.



Scot ConsultoriaNa sua opinião, o que devemos esperar da quantidade de animais confinados diante desses altos custos de produção?



Antônio Guimarães: Está um pouco cedo ainda para calibrarmos o número de animais confinados. Se a safrinha, que é quem manda no preço do milho, vier com frustração, e da maneira como caminham os custos e com todas essas incertezas de mercado externo, pode ser um ano que os produtores não vão buscar aumento, ocorrendo uma estabilidade ou queda. Isso pelos fatores de custos e incertezas de mercado, que geram insegurança na hora de investir no setor.