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Sustentabilidade no mercado de couro

por Kim Sena
Terça-Feira, 09 de Fevereiro de 2021 - 11h00


Kim Sena atua como gerente de sustentabilidade na JBS Couros, trabalhando em soluções ecoeficientes para a indústria coureira, desde a otimização de processos até a avaliação de mecanismos para a minimização do uso de recursos naturais. No passado, Kim foi um dos responsáveis pela criação do Kind Leather e da plataforma de rastreabilidade JBS360. Confira!



Scot Consultoria: Kim, poderia comentar um pouco sobre as etapas de processamento do couro e quais os principais gargalos envolvidos na produção?



Kim Sena: O processo produtivo do couro é particularmente complexo por exigir a combinação de elevados padrões de produção industrial – garantindo padronização, qualidade e sustentabilidade – com a sensibilidade e a arte que o tornam tão atraente. Assim, passa por diversas etapas para sua produção, sendo as primeiras de preparação e estabilização da pele e as últimas, de garantia da maciez, toque, cor e brilho do artigo final.



Entre as principais etapas do processo produtivo estão o caleiro, que depila e prepara a pele; o curtimento, que estabiliza a pele, tornando-a imputrescível; o recurtimento, que garante as características de estrutura e maciez do couro, definindo sua aplicação final (por exemplo, para calçados, artefatos ou estofados); o pré-acabamento e o acabamento, que definem as particularidades finais de cada artigo, como toque, cor e brilho.



Na sua produção podem existir diferentes gargalos, sendo os mais comuns os processos em batelada, que ocorrem em grandes equipamentos denominados fulões. Exemplos desses processos são o remolho, caleiro, curtimento e recurtimento. Assim, um planejamento fabril ajustado é extremamente importante na produção industrial do couro, evitando tempos ociosos dos fulões.



Scot Consultoria: A respeito do mercado de couro, qual a participação do couro brasileiro no mercado internacional e quais são os maiores desafios para a expansão dessa participação?



Kim Sena: Com o maior rebanho comercial de bovinos do mundo, o Brasil está entre os quatro maiores produtores mundiais de couro, junto à China, Itália e Índia. Entre os exportadores, somos o terceiro mais relevante do planeta, apenas atrás de Itália e EUA. Isso é especialmente relevante, pois exportamos 80% da nossa produção, sendo 70% para as indústrias automotiva e moveleira.



Temos alguns desafios, como a melhoria da qualidade de matéria-prima (marcas causadas por ectoparasitas ou marcação a fogo), mas também de infraestrutura, burocracia e tributos, que tornariam o setor mais competitivo. Em adição, temos os desafios de sustentabilidade e para que avancemos cada vez mais nessa agenda é muito importante que toda a indústria foque em medidas de rastreabilidade e de proteção ambiental. A JBS, por exemplo, só compra animais de produtores que atendam plenamente seus critérios socioambientais, entre eles, não possuir áreas embargadas pelo Ibama, não ter relações com trabalho escravo e tolerância zero ao desmatamento ilegal. As operações de compra de gado da JBS também são auditadas anualmente, de forma independente, e os resultados das auditorias são publicados no site da companhia, garantindo transparência em todo o processo.



A sustentabilidade sempre foi de grande importância para a JBS Couros e, sem dúvida, é um dos nossos principais diferenciais competitivos. Em 2019, por exemplo, lançamos o couro sustentável Kind Leather, que conta com um processo produtivo mais eficiente e inovador, e oferece para a indústria e a sociedade uma série de benefícios ambientais, sociais e econômicos relevantes por meio do uso inteligente da matéria-prima e de recursos, rastreabilidade, origem sustentável e ecoeficiência.



Scot Consultoria: Qual o principal gargalo atualmente para o Brasil se consolidar como um país modelo na exportação de couro de qualidade? Aliás, o Brasil já é considerado um país modelo?



Kim Sena: O couro brasileiro já é referência no mundo em diversos aspectos. Nosso espaço é bastante consolidado e globalmente reconhecido pela alta qualidade das indústrias e da mão de obra nacional, mas também somos cada vez mais reconhecidos pela sofisticação do design, pelo alcance da comunicação e pela sustentabilidade da nossa produção.



Entretanto, temos oportunidades de melhoria que poderiam ampliar a preferência pelo couro brasileiro. O Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) estima perdas anuais de US$700 milhões devido às características da matéria-prima, como marcas a fogo e de ectoparasitas.



Scot Consultoria: Quais foram os impactos da pandemia no mercado de couro no Brasil e no mundo?



Kim Sena: De acordo com o CICB, as projeções para 2020 estimavam um ano de estabilidade, mas tudo mudou devido à pandemia. Como na maioria dos setores produtivos, o primeiro semestre foi especialmente impactado, resultando em uma queda total das exportações ao final do ano de cerca de 10% em relação a 2019. Pelo maior foco no setor de estofamentos, o impacto sofrido pela indústria brasileira foi menor do que de países mais voltados para segmentos de luxo. Entretanto, a indústria do couro mostrou-se absolutamente necessária por um aspecto de sustentabilidade.



Por se tratar de um setor de reciclagem, em que um material produzido indiretamente pela indústria de proteína animal é aproveitado para a produção de um material duradouro, evitando sua destinação para aterros, a produção não parou. Assim, a capacidade fabril nacional manteve-se estável e com mão de obra especializada, o que nos deixa preparados para o reaquecimento pós-pandemia.



Scot Consultoria: Qual a importância de programas de rastreabilidade na participação internacional brasileira, em seu ponto de vista? Onde essa dinâmica de rastreabilidade entra na cadeia de produção de couro nacional?



Kim Sena: A questão da rastreabilidade das cadeias de produção de materiais se tornam mais fortes ano a ano e é certamente um caminho sem volta. Em busca da sustentabilidade de seus produtos, marcas e consumidores buscam um detalhamento maior de todos os elos da cadeia produtiva dos bens de consumo.



No caso do couro, alguns temas se destacam, como as garantias de bem-estar animal e a preservação do meio ambiente. No caso do Brasil, as marcas buscam a segurança de que os couros que compram do país sejam devidamente rastreados e tenham compromissos com a preservação ambiental. Para isso, sistemas robustos devem ser implementados para mapear a origem do couro até as fazendas. Esse é o caso do sistema que utilizamos, o JBS360.



Por meio dele, com a marcação de rastreabilidade identificada em qualquer couro, é possível identificar o grupo de propriedades que originalmente forneceram aquelas peles, além de todas as garantias da nossa política de compra responsável de matéria-prima e do protocolo de monitoramento de fornecedores do Ministério Público Federal.



Scot Consultoria: Comente a respeito da sustentabilidade voltada para a produção couros.



Kim Sena: A busca por sustentabilidade dos materiais vai além da origem das matérias-primas, mas busca também avaliar qual o impacto que determinada cadeia de produção deixa no planeta. A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) não é fácil de ser realizada, pois abrange muitos processos e etapas inerentes à transformação industrial de dado material, mas é a metodologia quantitativa adequada para que seja possível realizar comparações justas e harmonizadas entre as diferentes opções apresentadas ao mercado.



É uma iniciativa que surgiu da academia e da comunidade científica, mas que foi amplamente adotada pelas grandes empresas globais para avaliar a sustentabilidade das diferentes opções de materiais. É um trabalho extremamente técnico e embasado na ciência, o que nos deixa muito otimistas. Por se tratar de um material de origem renovável e extremamente durável, contanto que seja industrializado conforme as práticas mais ecologicamente corretas de produção, os resultados obtidos certamente contribuirão para comprovar o caráter sustentável do material e, consequentemente, para o fortalecimento da indústria como um todo.



Recentemente, submetemos o Kind Leather a uma ACV, em parceria com a Asiatan. Os resultados confirmaram que a abordagem de trazer remodelagens de design para a cadeia – confrontando padrões antes considerados inerentes ao sistema produtivo – é o caminho correto para minimizar os impactos ambientais no setor. O resultado da aplicação da avaliação, que levou em consideração um estudo para o segmento de calçados atléticos, mostrou que a técnica de produção do Kind Leather é mais sustentável que a tradicionalmente utilizada para o couro convencional.



Scot Consultoria: Quais são as perspectivas e tendências para o mercado de couro nacional e internacional em 2021?



Kim Sena: As perspectivas para os mercados internacional e brasileiro de couros são boas. A pandemia catalisou o processo de conscientização das pessoas para o consumo consciente, de forma que estão fugindo do consumo descartável de materiais não duráveis.



Consumidores e grandes marcas, atualmente, estão mais atentos à sustentabilidade do que produzem e consomem, cada vez mais procuram por produtos comprometidos com conceitos como durabilidade, economia circular e qualidade, o que deve abrir muitas oportunidades e mercados para o setor do couro, que se destaca em todos esses quesitos. Devido à força de suas fibras, o couro é um material de extrema durabilidade, comparado às opções sintéticas, e isso deve levar a uma perspectiva melhor para 2021.